Na manhã de 1º de novembro, uma plateia entusiasmada assistiu à palestra da ministra da Saúde, Nísia Trindade, durante o 9º Congresso Brasileiro de Ciências Sociais e Humanas em Saúde. Nísia é integrante da Abrasco – entidade que participa ativamente desde o início de sua trajetória como pesquisadora – e já participou e organizou muitos eventos da associação. Mas foi a primeira vez que esteve como conferencista, num espaço da Abrasco, desde que assumiu a posição de autoridade sanitária. Para ela, o momento despertou uma sensação de “pertencimento”.
O tema de sua conferência foi “A Relevância das ciências sociais e humanas na reconstrução crítica da saúde brasileira”, e ela fez uma fala baseada na experiência de quem é, ao mesmo tempo, parte da comunidade da Saúde Coletiva brasileira e gestora do Sistema Único de Saúde em toda sua complexidade.
Em conversa com a Comunicação da Abrasco, ela afirmou que foi um momento de muita emoção: as mais de 1200 pessoas presentes aplaudiram a ministra de pé, e entoaram o coro de “O SUS é nosso, ninguém tira da gente / direito garantido não se compra e não se vende”, além de repercutir seu nome pela Concha Acústica Paulo Freire, cenário do evento. Mais que carinho, Nísia contou que se sente parte da comunidade da Saúde Coletiva – e sabe que as pessoas também se reconhecem nela.
“Passa um filme na cabeça , uma retrospectiva, porque já compus a comissão de Ciências Sociais e Humanas em Saúde da Abrasco. É muito bom ver também como a área vai mudando, seus temas [de discussão]. Precisávamos afirmar nosso lugar, eram muitas discussões sobre o que era o campo das Ciências Sociais, como era importante para a Saúde Coletiva, mas vem avançando no sentido de contribuir para uma agenda a partir dessa perspectiva das Ciências Sociais e Humanas para toda área”, afirmou.
Além disso, ela destacou que, apesar dos desafios do Ministério da Saúde, e da ação em âmbito de um governo – que é, naturalmente, moldada por dinâmicas da política – a sua experiência como abrasquiana inspira sua prática cotidiana, também tecnicamente: “ A Abrasco tem uma representatividade acadêmica e vai além. O Dossiê da Pandemia [produzido pela Abrasco] é um exemplo desse diálogo que alimenta as formulações políticas do Ministério”.
Ela disse, ainda, que o lugar do governo permite um “fazer” diferente do espaço da ciência, e citou, como exemplo, a ampliação da Política de Estratégia de Saúde da Família; ação especial de vacinação para povos indígenas; e a mudança nos indicadores, na perspectiva de raça/etnia.
Mônica Torrenté, presidente do 9ºCSHS, entregou uma homenagem à Nísia Trindade, um reconhecimento à sua trajetória enquanto pesquisadora da área, e seu trabalho para a saúde pública.
A Relevância das ciências sociais e humanas na reconstrução crítica da saúde brasileira
Na Conferência, Nísia refletiu sobre o fato de ser reconhecida, nos espaços de saúde, como uma ministra da Saúde “não-médica” – “Apesar de saber que são falas acolhedoras, prefiro não ser definida pelo negativo. Eu não sou uma ministra da Saúde não-médica , eu sou uma socióloga com atuação no campo da saúde”.
Reforçou para o público geral que se sente “como parte de um coletivo” e como produtora de uma reconstrução que precisa desse coletivo – das Ciências Sociais e Humanas em Saúde da Abrasco – e de muitos outros: “Esse trabalho colaborativo ganha muito com a orientação da Abrasco, com o pensamento crítico que caracteriza a entidade, e com a liberdade de pensamento que precisa ter as representações da academia em diálogo com o governo, com os movimentos sociais, para, assim, avançar em agenda”.
Ela definiu 8 desafios importantes para a saúde coletiva no Brasil: demográfico; enfrentamento às desigualdades (classe, gênero e étnico-racias); Ciência, Tecnologia e Inovação como matriz de desigualdades; ambiental; impacto das novas tecnologias de comunicação e informação; mudanças no mundo do trabalho; pesquisa em saúde e o desafio democrático.
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Da perspectiva demográfica, Nísia fez uma reflexão sobre os dados mais recentes do censo, que mostram que o Brasil vive “a maior presença de jovens em sua história”, portanto, é preciso pensar políticas de saúde mais consistentes frente à infância e à juventude.
Sobre o enfrentamento às desigualdades, citou o lançamento do Boletim Epidemiológico de Saúde da População Negra, que mostra a importância da variável raça/cor no processo de produção de dados de saúde, fundamental para entender as desigualdades sociais e raciais e contribuir para o avanço em políticas públicas: “Tínhamos uma lei de 2017 que obrigava essa informação em âmbito da saúde, mas tinha o item “não informado”, e a partir do momento que abre espaço para não-informação, abre espaço para não-política”, considerou.
Dialogando com o desafio da ciência como produtora de iniquidades, e o desafio das novas tecnologias de informação e comunicação, ela afirmou que é uma grande defensora das políticas de C&T e inovação, mas que é preciso “pensar para quê”, e entender o SUS como “a grande inovação, do ponto de vista de cidadania de projeto social no nosso país”.
A ministra também reforçou a agenda de prioridades do Ministério da Saúde: ampliação e fortalecimento da Atenção Primária em Saúde; expansão e fortalecimento da Atenção Especializada; preparação para futuras emergências; investimento e ampliação do Complexo Industrial da Saúde; e expansão da Saúde Digital.
A conferência está disponível na íntegra, na TV Abrasco: