O avanço do novo marco regulatório de agrotóxicos representa um risco para a segurança dos alimentos consumidos no país e expõe milhares de trabalhadores rurais a agravos de saúde irreparáveis. Ao retirar a competência regulatória da Anvisa e do Ibama, o PL do Veneno ignora os efeitos nocivos que os agrotóxicos podem gerar na saúde e no meio ambiente.
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Não é razoável que, sob o argumento da morosidade dos órgãos públicos em liberar novos agrotóxicos, nossos campos sejam inundados por produtos que comprovadamente causam câncer, má-formação em fetos, desequilíbrios permanentes em ecossistemas, entre outros. O entendimento da necessidade da atuação integrada da agricultura, da saúde e do meio ambiente está no fato de que a linha que separa os benefícios do uso de agrotóxicos e os efeitos maléficos que eles podem causar na saúde e no meio ambiente é muito estreita.
Para a saúde, a segurança dos alimentos se baseia nos conhecimentos científicos e na observação dos efeitos tóxicos, agudos e crônicos que os resíduos de agrotóxicos podem gerar. Por isso, a Anvisa estabelece os métodos de aplicação e os equipamentos de proteção para manipulação de cada agrotóxico. Determina, ainda, o limite máximo de resíduos em alimentos e a quantidade total de cada agrotóxico que pode ser ingerida diariamente, sem risco para a saúde.
O PL do Veneno desconsidera que o registro de agrotóxicos no Brasil tem prazo eterno. Na Europa, tem validade de 10 anos e, nos EUA, de 15 anos. Ademais, o tempo de análise da Anvisa é compatível com o de outros países: três anos para produtos de maior complexidade e três meses para os de menor. O gargalo está no tempo em que o processo fica na fila. Entretanto, os EUA dispõem de 750 funcionários para analisar processos de agrotóxicos, e a Anvisa, de pouco mais de 30. Outra diferença está no valor das taxas de primeiro registro. Enquanto no Brasil chegam a apenas U$ 1 mil, nos EUA são de até US$ 600 mil e, no Reino Unido, de até US$ 300 mil.
Enquanto países desenvolvidos avançam para a agricultura sustentável, que agrega valor por meio da tecnologia no campo, do manejo integrado e de produtos com menor toxicidade, o PL do Veneno transformará o Brasil no lixão de agrotóxicos do mundo. Manter a atuação dos órgãos de saúde e meio ambiente na regulação dos agrotóxicos é assegurar o bom funcionamento do Estado. Acima de tudo, é não negligenciar as futuras gerações e garantir que os lucros do agronegócio não sejam mais importantes que a saúde.
*José Agenor Álvares da Silva foi ministro da Saúde e **Danilo Molina tem pós-graduação em Gestão Pública para Vigilância Sanitária
Publicado originalmente no jornal O Globo, na seção Opinião, em 16 de julho de 2018 – Clique e confira