Nem a minha, nem a sua opinião e nem mesmo a própria lei têm impedido um milhão de mulheres de colocar suas vidas em risco todos os anos. Na manhã de sexta-feira 19 de agosto, Caroline Carneiro saiu cedo de casa, em Paraíba do Sul, e foi de ônibus para o Rio de Janeiro. À noite, o corpo de Carol foi encontrado, com um corte na barriga no local onde se costuma fazer incisão para o parto cesárea, num matagal de uma rua deserta no bairro Senhor do Bonfim em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense.
Carol morreu em decorrência de um aborto realizado numa clínica clandestina, na Zona Oeste do Rio. Ela tinha 28 anos, criava uma filha de 10. Leis restritivas ao aborto não evitaram a morte da Carol, talvez se ela tivesse vivido num lugar com acesso à educação sexual universal nas escolas, serviços de aconselhamento e planejamento familiar com fornecimento gratuito de contraceptivos, ainda estivesse viva.
O Uruguai, que descriminalizou o aborto em 2012, tem experimentado quedas vertiginosas tanto no número de mortes maternas quanto no número de abortos realizados. Entre dezembro de 2012 e maio de 2013, não foi registrada nenhuma morte materna por consequência de aborto e o número de interrupções de gravidez passou de 33 mil por ano para 4 mil. Isso porque, junto da descriminalização, o governo implementou políticas públicas de educação sexual e reprodutiva.
Em 2014, outros dois casos de morte após aborto clandestino chocaram o Rio: em agosto, Jandira Magdalena dos Santos Cruz, de 27 anos, desapareceu após ser levada à clínica onde realizou o procedimento, em Campo Grande, na Zona Oeste do Rio. No ano passado, a Justiça determinou que os apontados como responsáveis pelo crime fossem levados a júri popular. Menos de um mês depois, foi a vez de Elizângela Barbosa, de 32 anos, morrer após se submeter a um aborto em Niterói, na Região Metropolitana do Rio.
O Sistema Único de Saúde atende 100 vezes mais a mulheres que tiveram complicação com abortos clandestinos do que às que pretendem fazer aborto legal. A comunidade científica brasileira, em particular da Saúde Coletiva já produziu um conjunto consistente de evidências que atestam como criminalização do aborto no país produz mortes evitáveis e o sofrimento desnecessário de milhares de mulheres que são obrigadas a atos desesperado para interromper uma gravidez. Até quando, iremos assistir passivamente a morte de mulheres como Carolines, Jandiras e Elizângelas?
Abrasco, 26 de agosto de 2016.