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Nota Abrasco ‘Pelo adiamento da votação em 13 de dezembro e pela rejeição total do parecer do relator’

Vilma Reis

Amanhã, 13 de dezembro, está prevista a votação em Comissão Especial da Câmara dos Deputados da proposta de nova lei dos Planos de Saúde. O novo texto do relator, Deputado Federal Rogério Marinho – PSDB-RN, divulgado em 11 de dezembro, ameaça a saúde dos pacientes, prejudica o Sistema Único de Saúde (SUS), dificulta o acesso à Justiça e traz inúmeras medidas que favorecem as empresas do setor.

Por isso, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva – Abrasco vem a público apelar aos deputados membros da Comissão Especial, solicitando o adiamento da votação de 13 de dezembro e a rejeição total do parecer do Relator caso o mesmo seja colocado em votação.

A seguir, apresentamos 10 motivos para adiar a votação e rejeitar o relatório:

1 – O regime de urgência é injustificável e os debates não foram suficientes

É antidemocrática a tramitação em regime de urgência da proposta de uma nova Lei dos Planos de saúde. Não houve transparência na condução, a toque de caixa, dos trabalhos da Comissão Especial. Foram realizadas apenas nove audiências públicas que contaram principalmente com representantes das empresas de planos de saúde e prestadores de serviços. Não foram contempladas, na elaboração do relatório, ponderações e advertências formalizadas em documentos por diversas entidades da saúde, de defesa do consumidor e de órgãos governamentais, inclusive o Ministério Público Federal.

Além de conter graves retrocessos o relatório menospreza dezenas de projetos de lei em tramitação na Câmara dos Deputados que dispõem sobre ampliação de coberturas, limitações de reajustes e outros pontos favoráveis aos usuários.

2 – As propostas atendem unicamente aos empresários de planos de saúde

Os principais pontos do relatório apresentado em 11 de dezembro atendem exclusivamente aos interesses dos planos de saúde e contemplam a pauta das empresas expressa em documentos e  pronunciamentos do setor. Cabe ressaltar que os donos de planos de saúde são assíduos financiadores de campanhas eleitorais e, recentemente, em ação da Procuradoria-Geral da República, alguns foram denunciados por pagamento de propinas para compra de medida provisória de interesse do setor.

3 – Serão legalizados os planos “acessíveis” de menor cobertura

A nova lei tem como marco principal a liberação da segmentação assistencial no mercado. Embora na lei 9.656/98 esteja prevista a comercialização de planos para atendimento hospitalar ou ambulatorial, a diferença da proposta do relator é a permissão para a venda de planos que não garantem coberturas mínimas obrigatórias. O texto visa conferir sustentação legal às propostas das empresas do setor e do Ministro Ricardo Barros de planos denominados “acessíveis” (regionalizados, simplificados ou com valores elevados de co-participação)

Os planos segmentados são inadequados porque doenças e agravos frequentemente requerem acesso a diferentes formas de atenção (ambulatório, hospital, homecare etc) e exames e terapias de vários graus de complexidade. Problemas de saúde são indivisíveis e inadiáveis. O plano segmentado poderá, por exemplo, ofertar apenas procedimentos mais baratos ou disponíveis em uma dada localidade.

Uma criança com asma poderá necessitar de atendimento ambulatorial, hospitalar e de terapia intensiva.  Não é razoável que este paciente não possa ser atendido no município vizinho porque na sua cidade não existe CTI. Outro exemplo: uma gestante, mesmo de baixo risco durante o pré-natal, caso tenha complicações,  poderá necessitar  de atendimento especializado.

Quem adquire um plano de saúde realiza um pré-pagamento para riscos futuros e imprevisíveis. Planos segmentados vendem uma ilusão: a de que durante a vida inteira todos os problemas de saúde irão “obedecer à segmentação assistencial contratada”.

Planos segmentados captam mensalidades de pessoas que não necessariamente os utilizarão quando ficarem doentes. Ao contrário de “aliviar” o SUS, ao restringirem coberturas, estabelecem um fluxo assistencial perverso: mais filas para a rede pública.

Mudança proposta na lei dos Planos de Saúde:

Art. 1.  A Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998, passa a vigorar com as seguintes alterações:   “Art. 1º …………………………………………………………………………….. § 6º A atenção à saúde no setor suplementar obedecerá à segmentação assistencial contratada. (…).

4 – Incorporação e oferta de exames e tratamentos estarão condicionadas a critérios econômicos definidos pelas empresas de planos de saúde

A incorporação de procedimentos médicos, conforme a proposta,  será baseada no critério de economicidade. Isso terá repercussão imediata no ritmo de modernização dos diagnósticos e terapias, afastará a medicina brasileira da fronteira internacional de conhecimentos e tecnologias, impedirá que os médicos propiciem atendimento oportuno, seguro e de qualidade aos pacientes. O Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS ficará ainda mais defasado.

Atualmente a ANS divulga um rol atualizado a cada dois anos (existem procedimentos que se tornaram obsoletos e, por isso, saem da lista;  e procedimentos novos e efetivos que são incorporados). Este processo leva em consideração obviamente pressões diversas (de empresas de planos pela não incorporação e produtores de insumos em sentido oposto). As evidências  cientificas contribuem para estabelecer uma base racional de arbitragem. Propor “novas inclusões, de forma a preservar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos e garantir a modicidade dos reajustes” significa privar pacientes de recursos para o diagnóstico e tratamento comprovadamente eficazes.

Mudança proposta na lei dos Planos de Saúde

Art.10.      § 5º Na revisão do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, a ANS terá como diretrizes a inclusão de tecnologias com evidência de segurança, eficácia e efetividade, além da avaliação do impacto econômico-financeiro das novas inclusões, de forma a preservar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos e garantir a modicidade dos reajustes.” (NR)

5 – Os planos ambulatoriais e segmentados não serão obrigados a atender urgência e emergência

Atualmente a Lei dos Planos de saúde  (art. 12, V,  lei 9656) fixa limite de 24 horas para carências em atendimentos de urgência e emergência independente do tipo de plano (ambulatorial ou hospitalar) . Na proposta do relator (artigo 13-A) ,foi retirada a obrigatoriedade de atendimento de urgência e emergência dos planos ambulatoriais. Somente os planos com cobertura hospitalar terão obrigação de prestar esse atendimento).

Trata-se de retrocesso, suprimindo um direito sedimentado há quase 20 anos pela Resolução CONSU 15/1999. A proposta do relator (§ 2º do Art. 13-A) também abre caminho para que a ANS crie outras modalidades de portabilidade ( saída de um plano para outro) para contratos de menor cobertura.

Mudança proposta na lei dos Planos de Saúde

“Art. 13-A. O beneficiário de plano de contratação individual ou familiar ou coletiva fica dispensado do cumprimento de novos períodos de carência e de cobertura parcial temporária exigíveis e já cumpridos no plano de origem na contratação de novo plano de contratação individual ou familiar ou coletivo, na mesma ou em outra operadora de plano de assistência à saúde, desde que sejam atendidos simultaneamente os seguintes requisitos: I – o beneficiário deve estar adimplente junto à operadora do plano de origem; II – o contrato do plano de origem deve estar vigente; III – o plano de destino não deve estar com registro em situação ‘ativo com comercialização suspensa’, ou ‘cancelado’; IV – a faixa de preço do plano de destino deve ser igual ou inferior à que se enquadra o seu plano de origem, considerada a data da assinatura da proposta de adesão. § 1º O plano de destino poderá possuir segmentação assistencial mais abrangente do que o plano a que o beneficiário está vinculado, podendo ser exigido, neste caso, o cumprimento de carência no plano de destino somente para as coberturas não previstas na segmentação assistencial do plano de origem, observando-se o disposto no inciso V do artigo 12 desta Lei, fixando os seguintes períodos de carência: I – prazo máximo de trezentos dias para partos a termo em cobertura obstétrica; II – prazo máximo de cento e oitenta dias para cobertura odontológica; III – prazo máximo de cento e oitenta dias para cobertura ambulatorial; IV – prazo máximo de cento e oitenta dias para cobertura hospitalar; V – prazo máximo de vinte e quatro horas para casos de urgência e emergência em cobertura hospitalar. §2º O disposto neste artigo não impede que a Agência Nacional de Saúde Suplementar disponha sobre outras modalidades de portabilidade.”

6 – Haverá diminuição do valor das multas, beneficiando as empresas de planos de saúde

O relatório favorece as operadoras ao afirmar que a proporcionalidade da infração deve obedecer critérios a serem definidos pela ANS, como “a gravidade e as consequências do caso”. Também define que as multas por negativa de atendimento serão aplicadas conforme a “complexidade do procedimento”. Na lei atual, uma negativa injustificada de atendimento é infração grave, independentemente da complexidade e do custo do procedimento a ela relacionado.

O relator retira da lei 9656 o piso mínimo de R$ 5.000,00 de multa (atualmente previsto em lei). Ou seja, serão aplicadas multas de valor menor que R$ 5.000.  Além disso, associa a multa  ao “impacto financeiro da penalidade na operadora”. A penalidade deveria ter relação unicamente com a má conduta da empresa e o dano causado aos seus clientes. Penalidades aplicadas pelo órgão regulador têm como propósito de desestimular a conduta praticada pela operadora. Em tese, ao se estabelecer multas menores para procedimentos de menor complexidade, será estimulado o descumprimento da prestação de serviço de saúde.

Mudança proposta na lei dos Planos de Saúde

“Art. 25. § 1º A ANS aplicará as penalidades descritas neste artigo, de forma isolada ou cumulativamente, considerando a gravidade, as consequências do caso, o comportamento pretérito das operadoras, o seu porte econômico e demais parâmetros estabelecidos nesta Lei e em regulamento. § 2º A sanção de penalidade pecuniária será graduada, aplicando-se, sucessivamente, as agravantes, as atenuantes e os fatores de compatibilização das penalidades, todos eles previstos em regulamento. § 3º A aplicação de penalidade pecuniária deverá guardar proporcionalidade com a infração cometida. § 4º O valor das penalidades pecuniárias aplicáveis pela ANS deverá variar de acordo com o porte econômico das operadoras e o seu comportamento pretérito, nos termos de regulamento. § 5º A ANS classificará os procedimentos cobertos em até 5 (cinco) classes, de acordo com a sua complexidade, hipótese em que os valores das multas aplicáveis por negativa de oferta de procedimentos variarão com base em tal critério. § 6º A ANS terá o prazo de 90 (noventa) dias para editar a regulamentação a que se referem os §§ 4º e 5º deste artigo. §7º Nas hipóteses de reincidência, poderá ser aplicada multa, nos termos do inciso II do caput, de até 3 (três) vezes o valor da multa aplicável à conduta infracional examinada pela ANS. §8º O pagamento de multa em razão da negativa de atendimento não desobriga a operadora de cumprir a obrigação cujo inadimplemento ensejou a aplicação da multa.” (NR)

“Art. 27. A multa de que trata o art. 25 será fixada e aplicada pela ANS no âmbito de suas atribuições, com valor não superior a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), de acordo com o porte econômico da operadora ou prestadora de serviço, a gravidade da infração e o impacto financeiro da penalidade na operadora, ressalvado o disposto no § 6º do art. 19.” (NR)

7 – Os planos de saúde poderão mudar os hospitais credenciados mesmo sem autorização da ANS         

Os hospitais credenciados são elementos essenciais para a decisão de vinculação a um contrato de plano de saúde. A alteração arbitrária da rede credenciada  hospitalar , em função da morosidade da ANS em responder ao descredenciamento,  representa uma quebra de expectativas incompatível com a natureza de um contrato equilibrado entre partes.

Mudança proposta na lei dos Planos de Saúde

 “Art. 17. § 5o A ANS terá o prazo de 180 (cento e oitenta) dias para analisar o pedido de redimensionamento da rede hospitalar a que se refere o § 4o deste artigo. § 6o Presume-se concedida a autorização do pedido de redimensionamento da rede hospitalar se a ANS não o analisar no prazo ao qual alude o § 5o deste artigo.

8 – Haverá intervenção na autonomia de decisões judiciais e na condução de casos clínicos pelos médicos assistentes

O relator prevê consulta a médico perito da confiança dos juízes ou núcleo de apoio técnico, preliminar às decisões sobre tutelas para atendimento de clientes que não conseguiram autorização das operadoras. A perícia externa impõe barreira de acesso adicional e desnecessária. Impede, assim, que Justiça e médicos assistentes, que conhecem os casos e suas circunstâncias, possam estabelecer relações adequadas.  Atualmente a maioria  das ações na justiça é de pacientes com doenças graves que necessitam celeridade de atendimento em função da evolução de doenças que terão pior prognóstico quando não integralmente diagnosticadas e tratadas.

Mudança proposta na lei dos Planos de Saúde

“Art. 35-N. Em demandas nas quais se pleiteie a realização de procedimento em saúde ou o fornecimento de produto para saúde ou medicamento, o juiz deverá, antes de conceder a tutela de urgência, requisitar parecer de profissional da saúde, integrante de núcleo de apoio técnico de que disponha o tribunal ou de entidade conveniada.

9 – Será alterada a lógica de ressarcimento ao SUS com estímulo à “dupla porta” em hospitais municipais e estaduais       

Atualmente, o ressarcimento ao SUS ainda é uma promessa. A histórica omissão da ANS na cobrança e a litigação judicial acionada pelas operadoras são os principais empecilhos. A norma existente baseia-se em princípio de justiça contábil nacional (clientes de planos não deveriam buscar atendimento no SUS, se ocorrer deverá haver uma retribuição pelo serviço prestado). O repasse ao Fundo Nacional de Saúde viabilizaria que os recursos beneficiassem o SUS como um todo. A proposta do relator inverte a lógica da distribuição, privilegia, estabelecimentos, municípios e estados localizados nas regiões sul e sudeste que possuem maior concentração de clientes de planos de saúde. Mais uma vez as regiões norte e nordeste serão penalizadas.

O relator propõe mudança radical. O ressarcimento passaria a ser realizado diretamente a hospitais e municípios, desvirtuando o sentido original da sua concepção. Os serviços públicos passariam a ter um “caixa” para receber remuneração por atendimentos a clientes de planos de saúde. Abre-se  caminho para estabelecimento de convênios diretos entre planos de saúde e hospitais públicos, secretarias municipais e estaduais de saúde. Ou seja,haverá incentivo a uma “dupla-porta” construída sob o argumento de complementação orçamentária. Atualmente as operadoras já empurram” idosos, doentes crônicos, tratamentos caros e complexos para o SUS.

Mudança proposta na lei dos Planos de Saúde

 “Art. 32.  § 1º O ressarcimento a que se refere o caput será efetuado diretamente pelas operadoras ao  ente  federativo a que esteja vinculado o estabelecimento de saúde responsável pela prestação do serviço, com base em regra de valoração aprovada e divulgada pela ANS,

10 –  As exigências de garantias de liquidez financeira das operadoras serão reduzidas

O texto proposto busca facilitar a permanência e a entrada no mercado de operadoras sem lastro financeiro que ofereceriam como garantias imóveis ou ainda a perspectiva de investimentos em imóveis.  A regra é inadequada porque impedirá o pagamento e até mesmo a negociação de dívidas acumuladas com prestadores e fornecedores de insumos de operadoras que tenham que readequar seus produtos ou sair do mercado.   Garantias em imóveis não tem liquidez e, portanto, não podem substituir as reservas prudenciais características de contratos de pré-pagamento.

Mudança proposta na lei dos Planos de Saúde

Art. 35-L

  • 3º Os recursos das operadoras podem ser aplicados em imóveis assistenciais
  • § 4º Os recursos das operadoras podem ser aplicados em cotas de fundos de investimento em participações desde que o objeto de investimento do fundo seja exclusivamente a ampliação, reforma, modernização, compra ou construção de imóveis médico-hospitalares e de diagnósticos, bem como de ambulatórios e centros de atenção primária.

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