Tramita no Congresso Nacional proposta de emenda à Constituição Federal (CF) que pretende alterar Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a fim de instituir um novo regime fiscal no Brasil. Tal proposta, apresentada pelo Poder Executivo à apreciação e aprovação do Poder Legislativo, tem como justificativa a intenção de reverter, a médio e longo prazo, o atual desequilíbrio fiscal do Governo Federal.
A PEC 241-A tem por objetivo alterar a CF no sentido de instituir um novo Regime Fiscal para os Poderes da União e os órgãos federais com autonomia administrativa e financeira integrantes do Orçamento Fiscal e da Seguridade Social, com vigência por 20 anos. Tal instrumento prevê a limitação do crescimento dos gastos públicos na gestão Federal pelos próximos 20 anos, trazendo perdas consideráveis de recursos destinados às áreas sociais, notadamente às ações e serviços públicos em saúde – ASPS.
Os efeitos do novo regime fiscal proposto serão desastrosos para todas as gestões do SUS, especialmente para as esferas estaduais e municipais do sistema. De forma direta, estas esferas recebem da União repasses da ordem de 64% do orçamento do Ministério da Saúde, destinados a atendimentos da atenção básica, media e alta complexidade. De forma indireta, cita-se como exemplo os recursos financeiros destinados à compra centralizada de medicamentos de alto custo, realizada pelo Ministério da Saúde.
Ressalta-se que, em detrimento a maior carga tributária da União que representa 22,3% do PIB, estados os municípios, vêm aportando ano a ano maior volume de recursos financeiros para manter os níveis de atenção e assistência à população. Em 2015, as gestões municipal e estadual do SUS suplementaram mais de R$ 30,35 bilhões de reais, além da aplicação obrigatória, estabelecida pela Constituição Federal.
A PEC 241-A/2016 teve 22 emendas apresentadas na Comissão Especial para exame de admissibilidade, nenhuma delas foi acatada. O dep. Darcísio Perondi (PMDB/RS), responsável pelo parecer da comissão especial, apresentou substitutivo nesta terça-feira, 04 de outubro de 2016. O seu parecer propõe alterações à PEC, que passa a ter como base para incidência do IPCA o ano de 2017, ao mesmo tempo em que revoga o escalonamento previsto na EC 86/2015, desta forma, passa a incidir em 2017 o percentual de 15% sobre a Receita Corrente Líquida, conforme art. 198 da Constituição.
Segundo as projeções baseadas nos cálculos do Grupo Técnico Institucional de Discussão do Financiamento do SUS, e considerando a RCL para o ano de 2017, prevista pela PLOA, no valor de 758,3 bilhões de reais os prejuízos para o SUS, no período de vigência do novo regime fiscal, seriam da ordem de 433 bilhões de reais.
O quadro abaixo apresenta valores calculados ano a ano para o período de vinte anos. São eles RCL, valores correntes e deflacionados para 2016 das destinados a Ações e Serviços Públicos de Saúde segundo a EC86 e PEC241-A, bem como os percentuais destes valores em relação às RCL e ainda a diferença entre os valores destinados pelas duas normas, em valores de 2016.
Quadro 01 – Impacto nas despesas com ASPS da União – EC86 versus PEC241-A em 20 anos ¹
Apesar de nos três primeiros anos as diferenças entre os valores calculados para PEC 241-A superarem os valores calculados da EC 86, os anos seguintes se mostram catastróficos para o financiamento do SUS. Se descontados os valores positivos dos três primeiros anos, a perda para o SUS chegará a 448,0 bilhões de reais. Isto representa em valores atuais, uma perda média anual de 26,4 bilhões de reais, durante 17 anos. Entretanto, segundo expectativas do Governo Federal, é justamente a partir do terceiro ano de implantação do novo regime fiscal que os gastos congelados possibilitarão o esperado equilíbrio fiscal e o retorno de crescimento da economia brasileira. A partir então, as RCL serão maiores e, por conseguinte os valores aplicados em saúde poderiam ser ainda maiores se lastreados na RCL anual.
Outro fator na nova redação da PEC 241-A, que ataca o orçamento da seguridade social, diz respeito à desvinculação de órgão, fundo ou despesa, até 31 de dezembro de 2036, de 30% da arrecadação da União relativa às contribuições sociais, poupadas despesas do Regime Geral da Previdência Social. Assim a Desvinculação das Receitas da União (DRU) flexibiliza em 30% a utilização dos recursos da saúde e da assistência social.
Como agravante a todo este cenário, está o fato do crescimento e envelhecimento da população aumentando o volume de demanda assistencial especializada, bem com o volume de gastos financeiros. Além disso, o surgimento de novas demandas assistenciais, incluídas incorporações de novas tecnologias em saúde, estabelece a necessidade de novos recursos financeiros no sistema. Segundo o projeto, a limitação anual das despesas da União impõe que em termos reais a despesa no ano de 2036 será a mesma do mínimo constitucional estabelecido para 2017.
Congelar por 20 anos recursos financeiros federais destinados ao SUS, que ano a ano cresce segundo as necessidades da população, é ignorar a regra constitucional que estabelece o direito à saúde garantido mediante políticas econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
A limitação ou renuncia do papel do Poder Público para acomodar e limitar os gastos no orçamento público e assegurar os supostos ganhos de eficiência para o sistema coloca a população em elevado risco já que virá acompanhado do aumento da desassistência, da desigualdade e da exclusão social no Brasil.
Brasília, 04 de outubro de 2016,
MAURO GUIMARÃES JUNQUEIRA
Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (CONASEMS)
JOÃO GABBARDO DOS REIS
Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (CONASS)
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Nota da tabela:
1 – Elaboração própria com base nos cálculos do Grupo Técnico Institucional de Discussão do Financiamento do SUS. Fontes: RCL de 2017 estimado na PLOA 2017 (R$ 758,3 bilhões), conforme informativo nº 1, Setembro de 2016, Consultoria de Orçamentos, Fiscalização e Controle – SF e Consultoria de Orçamentos, Fiscalização e Controle – CD do Congresso Nacional. O Percentual utilizado para o cálculo de ASPS tendo como base a RCL para 2017 foi de 15%, conforme entendimento dado pelo relator da Comissão Especial, segundo o qual, com o vigor da PEC 241-A, ocorre revogação imediata do art. 2º da EC 86. Receita Corrente Líquida (RCL) de 2018 a 2036 estimada com base no mesmo crescimento do PIB, mantendo a RCL como 11,02% do PIB entre 2017 e 2036. Estimativa do IPCA: 5,1% em 2017, conforme Relatório Focus/BACEN de 26/08/2016 e 4,5% para o período 2018-2036 (utilizada também como proxy do deflator implícito do PIB)Estimativa de crescimento real anual do PIB de -3,27% em 2016 e 1,10% em 2017, conforme Relatório Focus/Bacen de 22/07/2016, e de 2,00% para o período 2018-2036 (média da taxa de crescimento real de PIB entre 2010 e 2015). PIB nominal de 2016: Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias – 3º Bimestre de 2016. PIB nominal a partir de 2017 estimado com base nas estimativas de crescimento real do PIB e do IPCA, utilizado como proxy do deflator implícito do PIB.