O PL 2159/2021 que tramita no Senado Federal, coloca o ambiente e a saúde em alto risco
No contexto de grave crise socioambiental e sanitária, o Congresso Nacional, com apoio do governo federal, acelera a implementação de um modelo de desenvolvimento capitalista neoliberal e neoextrativista, que visa atender aos interesses de setores como o agronegócio, a mineração e as grandes corporações nacionais e internacionais. Aproveitando-se do momento em que a sociedade está mobilizada pela pandemia de Covid-19, o governo fez aprovar, em caráter de urgência, na Câmara Federal, o substitutivo do Projeto de Lei 3.729/2004 – Nova Lei Geral do Licenciamento Ambiental, cujo relator foi o deputado federal Neri Geller (PP/MT) e que, agora, está em tramitação no Senado Federal.
Essa pretensão é um grave retrocesso no direito constitucional ao meio ambiente equilibrado e à saúde da população brasileira. As tragédias recentes e recorrentes da megamineração de Brumadinho e Mariana, o derramamento de petróleo bruto na orla marítima, os incêndios provocados no Cerrado, o avanço da monocultura químico-dependente exportadora com a expansão dos agrotóxicos, a ampliação do desmatamento da Amazônia, da Mata Atlântica e demais biomas, a perda irreversível da biodiversidade, a crise hídrica, o garimpo criminoso nos territórios indígenas e as emergências da mudança climática mostram como é vital, para a atual população brasileira e para as futuras gerações, que a legislação ambiental no país seja fortalecida em defesa da vida, na perspectiva de territórios sustentáveis e saudáveis.
Essas tragédias ocorreram com a legislação ambiental atual, que é relativamente rigorosa, porém com um arcabouço institucional que vem sendo fragilizado e sem fiscalização adequada. No cenário com uma nova legislação, claramente desreguladora, tornará o Brasil ainda mais poluído e um país de futuro sombrio.
O Brasil vem sofrendo ao longo dos últimos anos um processo de flexibilização da legislação ambiental a nível federal, estadual e municipal. Entretanto, o que vivenciamos hoje, de forma oportunista, é uma avalanche de projetos de leis que estão em curso, dentre esses temos:o PL 490 que “Flexibiliza a demarcação de terras indígenas”; o PL 2.633, que “Legaliza a grilagem de terras no Brasil”; o PL 984 que “Constrói estrada que cortam o Parque Nacional do Iguaçu” e este PL 2159/21 que está sendo chamado de “Nova Lei Geral do Licenciamento Ambiental”, que claramente pretende a extinção do licenciamento ambiental e a erosão da política ambiental brasileira, construída com muito esforço de conhecimento, de organização sistêmica e de participação social, parlamentar e governamental.
Diversas instituições, entidades e organizações da sociedade civil, movimentos sociais e ONGs que, historicamente, atuam na defesa do meio ambiente, vêm denunciando esse ataque. Cartas, Notas e Manifestos apontam as inúmeras ilegalidades e violações dos direitos humanos e da natureza que constam no PL 2159/21. Entre essas manifestações apontamos a carta escrita por nove ex-Ministros do Meio Ambiente, as da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), da Frente Parlamentar Ambientalista, das organizações indígenas, quilombolas e da agricultura familiar e camponesa, dentre outras.
Os Manifestos e Notas apontam em detalhes os inúmeros problemas que afetarão a proteção do meio ambiente, da saúde e dos direitos humanos em geral, como: a alteração na definição de impacto ambiental, já que o PL, ao alterar a definição prescrita na Resolução Conama n.01/1986, não menciona intencionalmente os efeitos sobre a saúde e o bem-estar, nem sobre condições estéticas e sanitárias dos empreendimentos, criando barreiras que dificultariam a atuação do setor de saúde pública para eliminar ou reduzir impactos às condições de vida, trabalho e saúde nos territórios; que ampliam os riscos socioambientais decorrentes da celeridade do licenciamento; dos constrangimentos à ação preventiva governamental e à participação social pela instituição de modalidades de licenciamento que instaura uma autodeclaração no ato dos empreendimentos por parte dos proprietários ou responsáveis legais; pela extensa lista com treze dispensas de licenciamento para atividades impactantes; pela renovação automática de licenças mediante preenchimento de formulário online; pela violação dos direitos de povos e comunidades tradicionais, dentre outras.
O PL 2159/2021, além de desrespeitar os princípios e os direitos constitucionais (do meio ambiente, da saúde, da participação, da terra e das comunidades e povos indígenas e quilombolas) e o arcabouço legal do meio ambiente do País, fere acordos internacionais em que o Brasil é signatário, como: a Convenção n.169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT); a Convenção de Minamata, de banimento do mercúrio gerado pelo garimpo; do direito humano à água e ao esgotamento sanitário da ONU; fragiliza a Agenda 2030 nos seus Objetivos do Desenvolvimento Sustentável; e o Acordo de Paris sobre as mudanças climáticas associadas à emissão de carbono e aos efeitos do desmatamento.
O grave desmonte dos órgãos de controle ambiental, instituído e intensificado recentemente, tem inviabilizado o papel fiscalizador, que é uma atribuição intransferível de Estado. Como um efeito desse processo, temos a escalada da violência, vulnerabilizando ainda mais os territórios e fragilizando o estado democrático de direito. O Conama, que tinha representatividade de diversos segmentos da sociedade, a partir do Decreto Federal n.9806/2019, teve sua composição reduzida de 96 para 23 membros, eliminando o caráter participativo e se tornando basicamente um braço do poder executivo.
A Saúde e o Ambiente são interdependentes e necessárias para se garantir justiça sanitária, social e ambiental, no presente e no futuro. Essa interdependência se reflete na concepção de territórios sustentáveis e saudáveis, que vem sendo construída pela Saúde Coletiva no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), nas instituições de ensino & pesquisa e na sociedade. A crise socioambiental, além de promover crises emergenciais que exigem ações urgentes, é geradora de doenças emergentes (doenças com risco de novos surtos e epidemias) e mortes. Quando o ambiente é destruído, o prejuízo recai sobre a população, o Estado e o SUS. As vulnerabilizações decorrentes dos territórios e das comunidades refletem claramente a fragilização das políticas públicas sanitárias, ambientais e trabalhistas.
A Abrasco, junto com outras entidades da sociedade civil e movimentos sociais, se posiciona contra o modo como este PL 2159/2021 está sendo tramitado no contexto da pandemia e contra o que ele aponta: o desmonte da legislação ambiental brasileira. Assumimos o compromisso de continuar lutando em defesa da saúde, pelo aprimoramento das políticas públicas e pela premente necessidade de estancar os projetos de lei que atentam contra os interesses do povo brasileiro e do futuro do país.