Pesquisar
Close this search box.

 POSICIONAMENTO ABRASCO 

Nota da Abrasco sobre a tragédia da mineração em MG: SAMARCO-VALE-BHP

Foto: Antonio Cruz / Agência Brasil

A Abrasco, através de sua Direção e seus Grupos Temáticos (GTs) de Saúde e Ambiente e de Saúde do Trabalhador, se solidariza com todas as comunidades e trabalhadores atingidos, assim como todas as entidades e movimentos sociais e sindicais que, nesse momento, se mobilizam para compreender e enfrentar os terríveis efeitos da tragédia decorrente do rompimento da barragem de rejeitos de minérios da empresa Samarco, controlada pela Vale e a australiana BHP.

É preciso dar dignidade às mortes e destruições ocorridas por meio da memória coletiva dos que lutam por justiça: familiares, comunidades, movimentos e entidades parceiras e solidárias. Além dos mais de 20 mortos e desaparecidos, são inúmeras as comunidades, territórios, atividades econômicas e cursos d´água atingidos, devastados e contaminados, indo desde Bento Ribeiro, distrito de Mariana, em Minas Gerais, até centenas de quilômetros de distância no Espírito Santo. Foram mais de 200 municípios atingidos ao longo do Rio Doce, com a morte de várias espécies de peixes e outros animais, incluindo espécies típicas da bacia do Rio Doce que podem ser extintas. A devastação afetou agricultores familiares, pescadores artesanais, quilombolas e até mesmo o povo indígena Krenak, cuja cultura e a subsistência dependem do Rio Doce.

Os efeitos da tragédia se prolongarão por décadas, e não há como reverter as perdas de vidas humanas e dos ecossistemas destruídos. A maior ou menor gravidade do que virá, assim como a repetição de novos desastres, dependerá de como a sociedade brasileira compreenderá e se mobilizará para transformar os processos que determinaram sua ocorrência.

A tragédia atual é uma repetição agravada de várias outras que vêm acontecendo nos últimos anos. Portanto, uma tragédia anunciada e que se relaciona diretamente com fundamentos centrais da saúde coletiva e do movimento pela reforma sanitária no Brasil: a determinação social da saúde, o enfrentamento das desigualdades sociais, espaciais e ambientais, e a luta por democracia.

O Brasil é o segundo maior exportador de minério de ferro, e a Vale é a maior empresa mundial neste ramo, além de grande financiadora de partidos e políticos que, eleitos, atuam como legisladores e gestores. Este fato alimenta a postura absurda de várias “autoridades” eleitas ao relativizarem as responsabilidades de empresas que os apoiaram financeiramente.

O crescimento da megamineração se viabilizou no país com inúmeros problemas e falhas. Como revelam diversos artigos e notas produzidos recentemente após o desastre , problemas ocorreram em diversas fases e setores, desde a gestão, licenciamento, fiscalização, monitoramento, até a vigilância e o sistema de emergência. Empresas, com tecnologias e formas de gestão inseguras e perigosas, se espraiam na busca pelo lucro rápido da megaprodução, fato agravado por conjunturas de quedas nos preços do volátil mercado de commodities. Essa é uma das armadilhas de nosso modelo de desenvolvimento atual.

Neste momento é preciso que o setor saúde e suas instituições façam parte do enorme esforço de analisar os efeitos da tragédia, monitorando a contaminação, a qualidade da água e seus efeitos na saúde no curto, médio e longo prazo das populações atingidas e expostas. Mais importante ainda: é fundamental que a saúde coletiva se some às mobilizações sociais e processos que resgatem a dignidade de trabalhadores, comunidades e gerações futuras em defesa dos direitos constitucionais ao meio ambiente equilibrado, à saúde e à participação. É absolutamente estratégico avançar em mudanças estruturais do modelo de sociedade e desenvolvimento, da gestão ambiental, da vigilância e promoção da saúde.

Aprenderemos com a tragédia de Mariana se medidas exemplares de transformação forem criadas. Por exemplo, responsabilizar econômica e criminalmente empresas e gestores omissos; fortalecer instituições dos setores ambiental, da saúde e do trabalho atualmente vulnerabilizadas em seus papéis de cuidar dos direitos fundamentais ao meio ambiente equilibrado, ao trabalho digno e à saúde; construir planos de reparação e recuperação democráticos e eficientes, com a participação do Ministério Público, da Defensoria Pública e das comunidades atingidas.

A Abrasco está mobilizada no acompanhamento permanente das comunidades e trabalhadores atingidos através de vários de seus GTs, e participará ativamente dos desdobramentos desse episódio.
Por fim, é preciso questionar a ideia de progresso e crescimento econômico a qualquer custo. A megamineração do mercado global de commodities faz parte desse modelo de desenvolvimento. Outros países soberanamente, como a Costa Rica, já abriram mão dessa forma de exploração humana e da natureza.

A Abrasco se propõe a continuar atuando no fortalecimento de alianças, diálogos e convergências que valorizem uma ciência engajada e de qualidade junto com as vozes dos territórios e populações atingidas, dos movimentos sociais, sindicais e por justiça ambiental. Além das denúncias, precisamos avançar nos anúncios de que outros futuros são possíveis e já estão sendo construídos no presente, através de inúmeras lutas e experiências. Elas revelam, em diferentes níveis – cotidiano, local e global – as sementes de novas práticas sociais, institucionais, acadêmicas e econômicas mais sustentáveis, solidárias, justas e saudáveis.

Rio de Janeiro, 25 de novembro de 2015.

Associe-se à ABRASCO

Ser um associado (a) Abrasco, ou Abrasquiano(a), é apoiar a Saúde Coletiva como área de conhecimento, mas também compartilhar dos princípios da saúde como processo social, da participação como radicalização democrática e da ampliação dos direitos dos cidadãos. São esses princípios da Saúde Coletiva que também inspiram a Reforma Sanitária e o Sistema Único de Saúde, o SUS.

Pular para o conteúdo