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 POSICIONAMENTO ABRASCO 

NOTA ‘Zika vírus – Desafios da Saúde Pública no Brasil’

Vilma Reis

Contribuindo para o avanço da pesquisa científica, a Abrasco disponibiliza o artigo ‘Zika vírus – desafios da Saúde Pública no Brasil’, redigido pela Comissão de Epidemiologia da Abrasco, numa publicação Ahead of Print (AOP) que permite a publicação individual de artigos já aprovados e editorados, ou seja, antes da composição dos números. O objetivo é acelerar a comunicação das pesquisa e antecipar sua exposição para acesso e citação. A versão com referências deste artigo, está sendo editada e será publicada pela Revista Brasileira de Epidemiologia, no volume 19.2.

 

Em outubro de 2014, um surto de uma doença exantemática febril de etiologia desconhecida foi identificado no Rio Grande do Norte, Nordeste do Brasil, cujas manifestações clínicas eram febre baixa ou nenhuma febre, exantema maculopapular, prurido, artralgia e edema de membros, com duração de 4 -7 dias. Nos meses seguintes, casos semelhantes foram identificados em outros estados do Nordeste e a seguir em outras regiões do país.

No início de maio de 2015, o vírus Zika (ZIKV), um arbovírus que até então não tinha circulado no Brasil tampouco na América Continental foi confirmado por testes de RT-PCR em 16 de 46 amostras da Bahia e Rio Grande do Norte por Zanluca e colaboradores. Em um curto período de tempo a infecção por ZIKV foi confirmada em diferentes estados brasileiros espalhando-se para vários países da América Latina e Caribe, além de casos importados relatados nos Estados Unidos e Europa.

Em novembro de 2015, o Ministério da Saúde decretou Emergência em Saúde Pública e em 1 de fevereiro de 2016 também a Organização Mundial da Saúde identificou a situação emergencial de importância internacional, facilitando as iniciativas de investigação e de controle da doença no país. A circulação de ZIKV ocorreu simultaneamente a epidemias de dengue de grandes proporções em regiões densas e cronicamente infestadas pelo Aedes aegypti e simultaneamente à circulação de outro arbovirus emergente, Chikungunya (CHIKV). Estes três arbovirus (DENV, CHIKV e ZIKV) têm o mosquito Aedes aegypti como principal vetor.

A cocirculação dos vírus dengue, Chikungunya e Zika no Brasil dificulta o manejo clínico dos pacientes, tem implicações na transmissão em idosos, grávidas e crianças pequenas, além de apresentarem ainda limitada retaguarda laboratorial. O impacto da cocirculação viral ainda é pouco conhecido. Como no caso de reinfecção pelos diferentes sorotipos do DENV, é possível que a interação de arboviroses (dengue sorotipos 1-4, CHIKV e ZIKV) resulte em viremias mais intensas ou outras alterações imunológicas que deflagram doenças autoimunes como a Síndrome de Guillain-Barré.

A associação dos casos de microcefalia com a infecção de gestantes por ZIKV foi apresentada recentemente pelas imagens e análises da virologia e patologia fetal por patologista da Eslovênia e confirmada por estudos no Brasil que realizaram a identificação e sequenciamento do vírus em líquido amniótico de duas gestantes que tiveram infecção durante a gravidez e fetos com microcefalia. Embora a microcefalia esteja associada a muitas exposições ambientais, alterações genéticas, uso de drogas durante a gestação, além de infecções como rubéola, toxoplasmose e citomegalovírus, entre outras, a associação com a infecção pelo ZIKV acompanha o aumento de casos de microcefalia e outras malformações neurológicas no Brasil desde 2015.

Em boletim epidemiológico, o Ministério da Saúde – MS divulgou 641 casos confirmados de microcefalia até 02 de março de 2016, com o critério vigente de perímetro cefálico de 32 mm. Ainda na primeira semana de março, o MS alterou esse ponto de corte para 31,9 centímetros para meninos e 31,5 centímetros para meninas. A investigação de 4222 casos de microcefalia já descartou 1046, sendo também notificados outros casos de malformação neurológicas (82) cuja associação com o vírus Zika tem sido indicada por exames laboratoriais.

Outras hipóteses, nunca confirmadas, foram aventadas para explicar o aumento de microcefalia, entre elas, a suposição de que esta e outras malformações estão associadas com o uso do larvicida pyriproxipheno. Além de evidências em estudos recentes que vinculam as alterações neurológicas de bebês e a infecção prévia da gestante pelo ZIKV, vale lembrar que na epidemia na Polinésia Francesa em 2013-2104, onde não se utilizou este larvicida foram constatados casos de microefalia em estudo retrospectivo, e que o município do Recife, um dos locais mais afetados pela epidemia de Zika e maior número de casos de microcefalia, não utilizou o referido larvicida.

A transmissão do vírus Zika no Brasil traz muitas preocupações: o contexto social e ecológico nas Américas, particularmente no Brasil, favorece a propagação de arbovírus e a ocorrência de casos graves associados à co-circulação viral; a estratégia atual para combater o vetor na maioria das áreas tem-se mostrado ineficaz; as condições climáticas e ambientais são adequadas para a atividade e reprodução do vector; cidades lotadas com intenso fluxo de viajantes torna o Brasil não só vulnerável a grandes surtos, mas também um ponto de dispersão dos casos para o resto do mundo.

Apesar das dificuldades econômicas e políticas enfrentadas pelo Brasil, grupos de pesquisa e instituições estão trabalhando intensamente para responder a este enorme desafio para a saúde pública mundial. Vários estudos têm sido propostos ou estão em andamento para responder perguntas básicas sobre esta doença emergente, porém ainda pouco se sabe. Uma agenda científica foi elaborada em articulação entre o Ministério de Ciência e Tecnologia e a Fundação Oswaldo Cruz, propondo seis linhas abrangentes de investigação, que vão da produção de conhecimento sobre a infecção, a doença e os desfechos, desenvolvimento de testes diagnósticos, protocolos de manejo clínico e desenvolvimento de vacinas, até intervenções sobre o sistema de saúde. Entre as várias perguntas ainda não esclarecidas estão:

– Qual a real dimensão da epidemia de ZIKV no Brasil?

– Qual o percentual de gestantes acometidas e entre elas qual a proporção de bebês que apresentam alterações neurológicas?

– Quais as características imunológicas das gestantes que facilitam a infecção do feto?

– Que perfil genético do feto ou que tipo de resposta imune atuam para desencadear quadros mais graves de acometimento neurológico?

– Como se comporta a dinâmica temporal e espacial de distribuição de vetores infectados pelo ZIKV e sua relação com casos assintamáticos e sintomáticos?

– Como se dá a interação entre o Aedes aegypti e o ZIKV?

– Existem outros vetores com potencial de transmissão?

– Quais serão as implicações clínicas da co-circulação de ZIKV, com dengue e Chikungunya?

Estas são apenas algumas das muitas perguntas a serem respondidas. A rápida expansão aparente de área de transmissão ZIKV no Brasil é um enorme desafio emergente de saúde pública, não só para o país, como para toda a América. E como tal deve motivar a ação organizada de toda a sociedade, em especial dos epidemiologistas e demais profissionais de saúde.

Vários estudos epidemiológicos estão sendo conduzidos ou encontram-se em fase de planejamento no país com o objetivo de se conhecer a doença do ponto de vista clínico, epidemiológico e laboratorial. Modelos animais têm sido sugeridos para investigar como o vírus afeta o tecido nervoso. Outros grupos de pesquisa procuram vias bioquímicas e proteínas no sistema nervoso central, alvos da infecção congênita e possiveis locus terapêuticos. Já estão sendo realizados esforços de síntese de uma vacina protetora e imunoterápicos, além de realização de reação sorológica sensível e específica, com pequena reação cruzada a outros flavivirus.

Perspectivas

Diante do desafio de se enfrentar uma doença ainda pouco conhecida e com poucos rescursos diagnósticos, cabem algumas propostas, entre elas:

Fortalecer o SUS – o sistema de vigilância epidemiológica para detecção de casos suspeitos, reforçar rede de apoio e assistência aos pacientes acometidos, organizar rede de laboratórios com critérios bem definidos para investigação de suspeitos utilizando-se reação PCR até a disponibilidade de exames sorológicos.

Assegurar que o Sistema Único de Saúde garanta um seguimento adequado às gestantes e aos recém nascidos, em especial aos que apresentarem qualquer mal formação.

Investir de forma arrojada no controle de vetores, formação de profissionais de saúde e participação da comunidade no enfrentamento da epidemia.

O controle de arboviroses é complexo, especialmente considerando a grande capacidade de adaptação do vetor. Saneamento básico, coleta adequada do lixo e limpeza urbana são essenciais para reduzir drasticamente a população de mosquitos. Requer a ação conjunta do poder público e da população. Além de medidas individuais e métodos de controle biológico, que não agridam o meio ambiente, a redução da densidade vetorial requer a utilização, com rigor técnico, de larvicidas e inseticidas que tenham prévia aprovação da ANVISA e eficácia comprovada.

Aprimorar os sistemas de informação em saúde do DATASUS como SIM, SINASC, SINAN, SIH para continuar trazendo informações de referências para direcionar investigações epidemiológicas específicas.

Na área de pesquisa – Coordenar esforços de pesquisa com a integração de grupos no sentido de racionalizar e aumentar a rapidez de respostas sobre os vários aspectos da doença no país. Para tanto, sugere-se divulgar protocolos de investigação em andamento para facilitar a comparação de resultados, facilitar o intercâmbio de materiais biológicos e resultados parciais de pesquisas; propor e conduzir estudos multicêntricos. Fortalecer o Departamento de Ciência e Tecnologia (DECIT) no sentido de formular, implementar e priorizar agenda de pesquisa de interesse nacional.

A Abrasco atua de modo a promover a integração de esforços, estimulando e mediando, auxiliando a formação de redes de pesquisa que atuem de forma solidária, potencializando investimentos e racionalizando empenhos e competências. Na condição de associação de caráter científico com grande respeitabilidade no país, esperamos contribuir com o diálogo entre a academia, em especial os grupos envolvidos com as pesquisas, a população e o governo, divulgando os resultados dos estudos, informando políticas e estimulando a sua aplicação imediata.

Nota da Comissão de Epidemiologia da Abrasco – Março de 2016.

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