A Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) manifesta o seu apoio e a sua solidariedade aos docentes e discentes da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) intimados a depor e que encontram-se ameaçados de serem indiciados pela Polícia Federal.
A Abrasco repudia a truculenta ação da Polícia Federal e considera inadmissível a conduta das autoridades policiais durante e após o lamentável episódio.
Rio de Janeiro, 20 de maio de 2014
Associação Brasileira de Saúde Coletiva – Abrasco
Confira o histórico das atrocidades:
Em março, a Universidade Federal de Santa Catarina divulgou uma Nota de Repúdio, leia na íntegra:
No dia 25 de março de 2014, a comunidade da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) foi vítima de uma ação violenta e desnecessária – comandada por delegados da Polícia Federal (PF) –, que feriu profundamente a autonomia universitária, os direitos humanos e qualquer protocolo que regulamenta as relações entre as instituições neste país.
A partir do momento em que fomos informadas, por terceiros, sobre a ação da PF, suspendemos a reunião – que estava em andamento com o comando de greve local dos técnicos-administrativos em educação – e, imediatamente, telefonamos para o superintendente da Polícia Federal em exercício, Paulo Cassiano Junior, para solicitar esclarecimentos sobre a ação que estava sendo realizada. Lembramos ao delegado que, em todos os contatos com a Polícia Federal, sempre foi solicitado que quaisquer ações de repressão violenta ao tráfico de drogas fossem realizadas fora das áreas da Universidade, e que – em nenhum momento – fomos informadas sobre a realização do procedimento que ocasionou o tumulto.
Segundo relatos que nos foram feitos por telefone, a imagem era de terror: antes mesmo de quaisquer conflitos existirem, já estava presente um grande efetivo – a tropa de choque, com armas de bala de borracha e cachorros –, pronto para o conflito; foi isso que encontraram os que foram até o local, inclusive representantes da Reitoria. Tentamos, incansavelmente, negociar com o superintendente em exercício. A intransigência era clara e foi percebida por todos os presentes.
Foram agredidos muitos estudantes, técnicos-administrativos e professores. Estavam presentes vários membros da Administração da Universidade. A Direção do Centro de Filosofia e Ciências Humanas acompanhou todos os momentos. O Diretor do CFH, Paulo Pinheiro Machado, foi agredido. Estavam presentes também o Chefe de Gabinete da Reitoria, Carlos Vieira, o Procurador Chefe, Cesar Azambuja e outros Secretários e Diretores da Administração Central. Toda a comunidade e autoridades universitárias foram profundamente desrespeitadas.
Já havíamos destacado, em vários momentos, que agir dessa forma dentro do campus poderia colocar em risco a vida das pessoas. As crianças saiam do Núcleo de Desenvolvimento (NDI) e entraram em pânico no momento em que as bombas de gás começaram a ser lançadas. O cenário rememorava os períodos vividos nos mais violentos regimes de exceção.
Enquanto os relatos chegavam ao Gabinete, estávamos em constante contato com a Secretaria de Relações Institucionais, com o Ministério da Justiça e a Secretaria de Direitos Humanos em Brasília, solicitando uma mediação desses órgãos para que não ocorresse um previsível desfecho violento.
Reafirmamos nosso total repúdio ao lamentável episódio vivido hoje pela Comunidade Universitária, reiterando que, em nenhum momento, solicitamos ou fomos previamente informadas dessa ação.
Para que tanta truculência, intransigência e obstinação em levar adiante uma situação que já se anunciava como tragédia, uma vez que outros caminhos mais lúcidos e racionais foram apresentados, os quais seriam dignos de uma autoridade de Estado?
Comprometemo-nos a tomar as medidas cabíveis para preservar a UFSC e defender todos os que foram vítimas desse ato de violência.
Florianópolis, 25 de março de 2014.
Roselane Neckel e Lúcia Helena Martins Pacheco
E no dia seguinte, foi divulgada a Nota Oficial da Polícia Federal:
Em relação aos fatos ocorridos ontem, 25/3, no campus da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a Polícia Federal informa:
1 – Em 29 de agosto de 2013, a reitora da UFSC, juntamente com seu Chefe de Gabinete e o Procurador Federal da instituição, procurou a Polícia Federal solicitando providências do órgão para reprimir o tráfico de drogas no ambiente universitário;
2 – Concomitantemente, requisição do Ministério Público Federal motivou a instauração do Inquérito Policial nº 216/2013 – SR/DPF/SC para apurar a incidência do mesmo crime noticiado pela reitora da universidade;
3 – Ontem, 25/3, Policiais Federais prenderam em flagrante estudantes portando maconha no âmbito da investigação mencionada;
4 – Após as prisões, a equipe de policiais foi surpreendida por um grupo de professores, servidores e estudantes que se aglomeraram e impediram o deslocamento da equipe;
5 – Com a hostilidade crescente do grupo, que montou uma barricada feita de tapumes e passou a arremessar pedras e paus de madeira contra os Policiais Federais, foi solicitado reforço à Superintendência da PF e à Polícia Militar de Santa Catarina, sendo usada a força tática moderada e necessária de todos os policiais para reprimir o resgate de um dos estudantes pelo grupo de manifestantes somente após intensas negociações;
6 – A Constituição Federal (artigo 144, parágrafo 1º, incisos 1º e 2º) determina a atuação da PF para apurar o tráfico de drogas, bem como infrações penais em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas, como é o caso da UFSC. Desta forma, não cabe alegar que a Polícia Federal deveria avisar ou solicitar autorização à reitoria da Universidade para desempenhar as atividades necessárias ao prosseguimento correto das investigações. Aliás, embora desnecessária, houve autorização expressa da reitoria para a realização das diligências;
7 – A Polícia Federal exerce suas funções em respeito à dignidade da pessoa humana e aos direitos humanos. Assim sendo, apurará qualquer excesso cometido em sua atuação e instaurará inquéritos policiais para apurar os seguintes crimes: a destruição de uma viatura da instituição e a de um veículo da UFSC, o ferimento causado a dois Policiais Federais e a dois Policiais Militares e a destruição de câmeras do circuito interno da UFSC.
Ainda em março, o superintendente em exercício da Polícia Federal, delegado Paulo César Barcellos Cassiano Júnior, disse que sentiu “nojo” ao ler a nota oficial da reitora da Universidade Federal de Santa Catarina, Roselane Neckel, que repudiou a ação da PF no campus. Leia aqui a entrevista na íntegra.