Aos Deputados e Deputadas Federais,
A Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), vem a partir desta nota, apresentar-se contrária ao PL 551/24, apresentado pelo deputado federal Carlos Jordy (PL-RJ). O presente Projeto de Lei tem como objetivo alterar a Lei nº 10.216, de 6 de abril de 2001, para dispor sobre a internação compulsória de pessoas com transtornos mentais em cumprimento de penas e medida de segurança.
O Projeto de Lei do deputado é uma reação à Resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) nº 487, de 15 de fevereiro de 2023, que fixa prazos para o cumprimento legal de ações que viabilizem a reinserção social de pessoas com algum tipo de problema mental que antes eram apenas trancafiadas em hospitais de custódia e não recebiam o devido cuidado focado no território, fazendo com que se criasse, na prática, uma população institucionalizada sem nenhuma perspectiva de cuidado em liberdade. Dessa forma, é parte de uma agenda para a manutenção do status, anterior a Resolução, dos hospitais de custódia.
Considerando que a Resolução CNJ nº 487/2023 se assenta nas legislações já existentes no país, na Lei 10.216/01 e nas diretrizes e recomendações dos organismos internacionais (ONU – Organização das Nações Unidas e OMS) sobre a implementação de processos de desinstitucionalização; a própria Resolução apenas reafirmou o redirecionamento do modelo assistencial à saúde mental em serviços substitutivos em meio aberto que já é uma política de Estado brasileira desde 2001.
Também é importante ressaltar a pessoa com algum diagnóstico de transtorno mental em medida de segurança continuará sendo acompanhado pelo Judiciário, inclusive em seu Artigo 13 da Resolução recomenda à autoridade judicial a interlocução constante com a equipe do estabelecimento de saúde que acompanha a pessoa e avaliações biopsicossociais a cada 30 (trinta) dias.
Até mesmo antes da Resolução de 2023, o acompanhamento de pessoas absolvidas e que cumprem medida de segurança pelo SUS ocorre seguindo as premissas da lei 10.216 em estados como Goiás, Minas Gerais, Pará e Piauí. Exatamente para uniformizar tal legalidade para todos os outros estados que não seguiam a lei, o Poder Judiciário criou Resolução CNJ n. 487/2023 e o Portal da Política Antimanicomial do CNJ . Assim se garante que o fechamento dos hospitais de custódia seja feito com responsabilidade, considerando cada caso e seus detalhes.
Ocorre que grupos reacionários, que espalham medo, baseadas no ultrapassado conceito de periculosidade, pediram urgência na tramitação de um Projeto de Lei que pode fazer com que o Brasil dê muitos passos para trás na proteção dos direitos humanos das pessoas em sofrimento e que receberam algum diagnóstico de transtorno mental.
Desta forma, se faz necessária a rejeição do PL 551/2024, do deputado federal Carlos Jordy, pois não traz nenhuma inovação ou melhoria a Lei 10.216/01, ao contrário, entra em choque com diversas convenções sobre os direitos das pessoas com deficiência ou com diagnósticos de transtornos mentais, pois (1) determina prazo de internação ou sua ampliação, porém tal conduta não pode ser nem do legislador nem do juiz e sim dos profissionais de saúde; (2) utiliza termo arcaico de periculosidade para se prever o futuro comportamento, que não tem base normativa ou científica recente estabelecida; (3) cria uma nova modalidade de medida forçada, a “liberdade vigiada” sob o motivo de “garantia da ordem pública”, o que seria na pratica oficializar a discriminação, uma vez que amplia a lógica da internação para a solução de qualquer questão; e por fim (4) reforça a prática do asilamento, ou seja, a privação de liberdade, por motivos vagos o que nos faria retroceder ao cenário pre-2001, antes da reforma psiquiátrica brasileira.
Rio de Janeiro, 12 de dezembro de 2024.
Associação Brasileira de Saúde Coletiva – Abrasco