
Considerando seu compromisso ético com a Saúde Coletiva, a promoção da equidade, da integralidade e da justiça social na saúde, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco)[1], através desta nota, convoca a comunidade científica, trabalhadoras e trabalhadores da saúde, estudantes, sociedade civil organizada e o Estado brasileiro a denunciarem e tomarem medidas contra o genocídio e as graves violações dos Direitos Humanos em Gaza, e a se mobilizarem em favor da vida e da dignidade do povo Palestino.
Desde o acirramento do conflito armado em 2023, acumulam-se as evidências de que Israel promove um extermínio deliberado do povo Palestino, com o apoio de países como os Estados Unidos da América (EUA), além da tímida reação da Organização das Nações Unidas (ONU) e omissão internacional. Poucos países denunciaram o genocídio como o Brasil. Elencamos, a seguir, algumas das atrocidades que acontecem diariamente em Gaza.
Uso desproporcional da força
Israel já lançou mais de 25 mil toneladas de explosivos em Gaza que, segundo o Euro-Med Human Rights Monitor[2], podem ser duas vezes mais potentes do que a bomba lançada pelos EUA na cidade de Hiroshima (Japão), em 1945, devido ao desenvolvimento tecnológico para aumentar a potência das bombas. Soma-se a isso o uso de armas proibidas internacionalmente pelo exército israelense, com destaque para bombas de fragmentação e fósforo, que reagem rapidamente com o oxigênio causando queimaduras graves de segundo e terceiro graus em civis, semelhantes aos ataques norte-americanos no Vietnã durante os anos de 1970.
Bloqueio à ajuda humanitária
Assassinatos em massa em campos de refugiados se agravam com o bloqueio à ajuda humanitária, escassez de suprimentos, assistência e remoções médicas. Israel usa a fome extrema como arma de guerra. O Programa Mundial de Alimentos (PMA) afirma que 470 mil pessoas passam fome atualmente em Gaza e 90 mil mulheres e crianças precisam de nutrição especializada[3]. Diariamente, palestinas e palestinos morrem por desnutrição e inanição, incluindo crianças. As que ainda não morreram serão marcadas pela fome durante sua vida, com atraso em seu desenvolvimento e graves consequências ligadas à desnutrição. Além disso, há fortes suspeitas de prisões ilegais, torturas e abusos, em evidente descaso e desrespeito à Convenção de Genebra.
Desmantelamento sistemático do sistema de saúde[4]
Entre outubro de 2023 e maio de 2025, a Organização Mundial de Saúde (OMS) registrou 697 ataques a serviços de saúde. Segundo dados publicados no The Lancet, foram destruídas 125 unidades de saúde, 34 hospitais e 186 ambulâncias. Gaza registrou o maior número de mortes de profissionais de saúde (mais de 1.400 mortes), de funcionários da ONU (295 mortes) e de jornalistas (212 mortes), o maior número registrado em zonas de conflitos recentes[5]. Profissionais de saúde e equipes de resgate vêm sendo sistematicamente atacados neste processo. Em junho de 2025, a organização Médicos sem Fronteiras denunciou um processo de limpeza étnica com a destruição, sem precedentes, de serviços de saúde dedicados à população civil[6].
Impactos ambientais: sem água potável, com esgoto e resíduos a céu aberto
Além dos intensos bombardeios, o corte de energia elétrica comprometeu o funcionamento de estações de tratamento de água[7; 8]. Calcula-se que entre 600 mil a 1,8 milhões de pessoas não têm acesso à água potável em Gaza, segundo dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e da Organização das Nações Unidas (ONU), respectivamente, sendo mais da metade delas crianças[9]. Além da fome usada como arma de guerra e morte de civis, Israel utiliza a água para a mesma finalidade[7]. Sem esgotamento sanitário e manejo de resíduos sólidos, esses se acumulam e apodrecem nas ruas, gerando proliferação de vetores e impacto sobre o solo, o ar e os recursos hídricos superficiais e subterrâneos, tornando a situação em Gaza um “inferno na Terra” de acordo com a agência da ONU para os Direitos Humanos para Refugiados da Palestina no Oriente Médio (UNRWA)[10]. Nessas condições, o vírus da poliomielite foi recentemente detectado em Gaza.
Crianças e mulheres são as mais afetadas
Gaza registrou mais mortes infantis do que qualquer outra zona de conflito no mundo, com a maior prevalência de crianças com amputações, reforçando o caráter de limpeza étnica e genocídio do conflito. Há impactos psicológicos severos[11] e as mulheres sofrem aumentos de abortos espontâneos, de partos prematuros e de mortalidade materna[12], em meio à fome e à falta de medicamentos e serviços de saúde reprodutiva[9; 13].
A Abrasco conclama entidades nacionais, organismos internacionais e os atores humanitários a uma ação para interromper o genocídio e as graves violações aos Direitos Humanos em Gaza; que a ajuda humanitária tenha acesso imediato e desimpedido à população, para fornecer recursos essenciais e salvaguardar a saúde pública; e que a vida e dignidade do povo Palestino sejam a prioridade de todo o mundo. A Abrasco se junta à manifestação da Aliança Europeia de Saúde Pública, as Associações Europeias de Saúde Pública e a Federação Mundial de Associações de Saúde Pública que também reconheceram o genocídio em Gaza[14].
Rio de Janeiro, 5 de agosto de 2025
Associação Brasileira de Saúde Coletiva – Abrasco
Referências
[1] Abrasco. Sobre a Abrasco» Abrasco [Internet]. Abrasco. 2023. Disponível em: https://abrasco.org.br/sobre-a-abrasco/
[2] EURO-MEDITERRANEAN HUMAN RIGHTS MONITOR – Euro-Med Monitor. Home page [Site institucional]. Genebra, s.d. Disponível em: https://euromedmonitor.org/en.
[3] WORLD FOOD PROGRAMME – WFP. Palestine emergency [Página institucional]. Roma: WFP, 2025. Disponível em: https://www.wfp.org/emergencies/palestine-emergency.
[4] A recent report from Physicians for Human Rights Israel: https://www.phr.org.il/en/genocide-in-gaza-eng/
[5] De Vogli R, Montomoli J, Abu-Sittah G, Pappé I. Break the selective silence on the genocide in Gaza. Lancet 2025; publicado online Jul 30. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(25)01541-7
[6] MÉDICOS SEM FRONTEIRAS – MSF. Gaza: relatório de MSF denuncia “assassinatos silenciosos” [Notícia]. São Paulo: MSF Brasil, 29 abr. 2024. Disponível em: https://www.msf.org.br/noticias/gaza-relatorio-de-msf-denuncia-assassinatos-silenciosos/.
[7] Israel using water as weapon of war as Gaza supply plummets by 94%, creating deadly health catastrophe: Oxfam. https://www.oxfam.org/en/press-releases/israel-using-water-weapon-war-gaza-supply-plummets-94-creating-deadly-health
[8] Gaza power cut impacts safe water access for hundreds of thousands.
https://news.un.org/en/story/2025/03/1160961
[9] FUNDO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFÂNCIA – UNICEF. State of Palestine: Humanitarian Situation Report No. 40, 30 June 2025 [Relatório]. Jerusalém: UNICEF, 2025. https://www.unicef.org/media/172691/file/State-of-Palestine-Humanitarian-SitRep-No-40,-30-June-2025.pdf.
[10] É o inferno na Terra’: a vida em Gaza em meio a água de esgoto e montanhas de lixo. https://www.bbc.com/portuguese/articles/cy941j928lyo
[11] AQTAM, I. A narrative review of mental health and psychosocial impact of the war in Gaza. Eastern Mediterranean Health Journal, Cairo, v. 31, n. 2, p. 89–96, 2025. DOI: 10.26719/2025.31.2.89. Disponível em: https://www.emro.who.int/emhj-volume-31-2025/volume-31-issue-2/a-narrative-review-of-mental-health-and-psychosocial-impact-of-the-war-in-gaza.html
[12] FUNDO DE POPULAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – UNFPA. Women in Gaza cut off from accessing maternal health supplies as aid blockade enters fourth week [Comunicado à imprensa]. Gaza, 25 mar. 2025. Disponível em: https://www.unfpa.org/press/women-gaza-cut-accessing-maternal-health-supplies-aid-blockade-enters-fourth-week
[13] OFFICE FOR THE COORDINATION OF HUMANITARIAN AFFAIRS – OCHA. Reported impact snapshot | Gaza Strip (30 July 2025) [Infográfico]. Jerusalém: OCHA oPt, 2025. https://www.ochaopt.org/sites/default/files/Gaza_Reported_Impact_Snapshot_30_July_2025.pdf.
[14] EUROPEAN PUBLIC HEALTH ALLIANCE – EPHA. Joint public health statement on Gaza [Comunicado à imprensa]. Bruxelas: EPHA, 18 jul. 2025. Disponível em: https://epha.org/joint-public-health-statement-on-gaza/.