A Associação Brasileira de Saúde Coletiva – por meio dos Grupos Temáticos Racismo e Saúde, Violência e Saúde, e Saúde Mental – manifesta repúdio às ações violentas da Polícia Rodoviária Federal (PRF) que provocaram a morte por asfixia mecânica de Genivaldo de Jesus Santos, em Umbaúba (SE), no dia 25 de maio, assim como rechaça a operação militar que resultou na morte de mais de 20 pessoas em Vila Cruzeiro, na cidade do Rio de Janeiro (RJ), no dia 24. No Rio, a ação conjunta foi tocada pelo Batalhão de Operações Especiais (BOPE) da Polícia Militar, pela Polícia Federal e também pela PRF.
O Estado brasileiro pratica a sua soberania como o principal instrumento do direito de matar, exerce seu poder institucional ditando quem pode viver e quem pode e deve morrer – quando e como. O próprio Estado cria instrumentos institucionais, legalizados por normas, inclusive jurídicas, que permitem e justificam o extermínio dos grupos racializados: a legalidade deste poder tem resultado na destruição material de corpos negros e negras, assim como dos povos originários.
O caso de Genivaldo de Jesus Santos, diagnosticado com transtorno mental grave, torturado até a morte com uma bomba de gás lacrimogêneo e spray de pimenta – dentro de uma viatura da PRF – assim como a chacina na Vila Cruzeiro, demonstram como o racismo institucional fundamenta e regula a distribuição das mortes da população negra brasileira, tornando possíveis as “funções assassinas do Estado”. Esse discurso de alterização, que nega e estigmatiza o outro, animalizando-o, transformando-o em desviante, fora da lei, resulta no processo de naturalização para a aceitabilidade social e institucional do fazer o outro morrer, numa ampla expressão da violência estrutural. A “política da raça” do estado Brasileiro se resume no que o Achile Mbembe denomina de “política da morte” ou “necropolítica”.
O direito humano à vida e à justiça social são prerrogativas inalienáveis da democracia plena, sendo esses princípios fundamentais da Constituição Federal Brasileira de 1988. Por isso, repudiamos todas as manifestações de racismo, em suas diferentes expressões e dimensões, sobretudo as institucionalizadas, cujos aparatos jurídico, político e estatal permitem práticas, atitudes e valores que insistem em controlar, invisibilizar e exterminar a população negra. Ambas ações se configuram em violação dos direitos humanos, e além de ceifar vidas, impactam negativamente a saúde mental de familiares e amigos/as que perdem seus entes queridos de forma violenta. Por isso, a pauta antirracista e antimanicomial são inadiáveis, inegociáveis e nos mobiliza.
Por fim, ressaltamos que não há justificativa plausível para quaisquer tipos de condutas racistas e violentas, haja vista estas se caracterizarem como violação de direitos. A Constituição Federal postula o repúdio ao racismo (Art. 4º, inciso VIII) e afirma o direito à vida, à saúde e à segurança. Todavia, esta garantia fundamental tem sido restrita a um público seleto, enquanto a maioria da população brasileira, pessoas negras e indígenas, é exterminada diariamente por todo o país.
Nesse contexto, a Abrasco defende a apuração dos fatos e o cumprimento da lei, e repudia todas as ações racistas e violentas das instituições de segurança pública do Estado brasileiro.
Rio de Janeiro, 28 de maio de 2022
Assinam esta nota:
Abrasco – Associação Brasileira de Saúde Coletiva
Aliança Pró-Saúde da População Negra
Assessoria de Comunicação da Fundação Oswaldo Cruz de Pernambuco
Associação Cultural de Mulheres Negras-ACMUN
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde de Alagoas
Grupo de Estudos Afro-Amazônico e Núcleo de Estudos Afro Brasileiro da Universidade Federal do Pará
ILERA: Encontro de Saúde da População Negra – IMS/CAT UFBA
Mestrado Profissional de Saúde da População Negra e Indígena da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia
Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre Desigualdades Sociais (NUDES) do Programa de Pós Graduação em Saúde Coletiva da Universidade Estadual de Feira de Santana, Bahia
Núcleo de Diversidade e Inclusão da Fundação Oswaldo Cruz de Pernambuco
Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade de Brasília
Núcleo de Estudos Afro Brasileiro da Universidade Federal de São Carlos
Núcleo de Estudos Afro Brasileiro e Indígena da Universidade Federal do Vale do Jequitinhonha e Mucuri
Programa de Pós Graduação em Antropologia da Universidade Federal do Pará
Programa de Pós Graduação em Saúde Coletiva da Universidade Estadual de Feira de Santana, Bahia
Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros, Indígenas e Africanos da UFRGS (NEABI/UFRGS)