Pesquisar
Close this search box.

 POSICIONAMENTO ABRASCO 

Nota de repúdio contra a aprovação da PEC 45/23 e contra a eugenia brasileira

Comunicação Abrasco

Brasília (DF): sessão do Senado que votou em primeiro turno a proposta de emenda à Constituição (PEC 45/2023) que criminaliza o porte e a posse de qualquer quantidade de entorpecentes, a chamada PEC sobre Drogas. Foto Lula Marques/ Agência Brasil

A Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), através do GT Racismo e Saúde, vem a público manifestar seu completo desacordo e grave preocupação com a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição N.º 45 de 2023 (PEC 45/23) que altera o art. 5º da Constituição Federal, para prever como mandado de criminalização a posse e o porte de entorpecentes e drogas afins sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, observada a distinção entre traficante e usuário. Apesar de usar o argumento da defesa da saúde pública, com esta, não guarda a mínima relação. O avanço deste Projeto de Emenda Constitucional trata-se tão somente do próprio avanço das pautas ditas “morais”, cujo único interesse reside na manutenção de um Estado que sabidamente falha diuturnamente na provisão do acesso a direitos fundamentais aos mais vulnerabilizados, mas que prontamente se apresenta nas formas mais desumanas e cruéis, através do braço armado do Estado a estas mesmas pessoas. 

O Brasil ainda é um país onde impera a hierarquia étnica e onde epistemologias não brancas, além de não aceitas, ainda são excluídas. Neste caso específico, fala-se do extermínio ativo da população jovem negra periférica, principalmente masculina, sem entrar no mérito do extermínio passivo. Não é necessário ser grande estudioso da questão ou conhecedor profundo dos fatos, para a compreensão do engendramento médico-político-jurídico que se concatenou no Brasil e no mundo para a criminalização de certos hábitos considerados à época deselegantes, justamente por serem costumes dos povos não brancos, entre eles, os povos negros, como muito bem exemplificado no livro: MACONHA: coletânea de trabalhos brasileiros, no qual o diretor geral de educação sanitária descreve no prefácio, dessa obra, organizada, editada e distribuída gratuitamente pelo Ministério da Saúde no ano de 1958, a proibição da maconha é para o cuidado da “eugenia da ‘raça’”, assim como também é sabido de todos a existência no Brasil de um estado inconstitucional de coisas, a seletividade penal e a persistência mesmo 135 anos após “abolição” da branquitude e suas subjetividades em maioria absoluta nos espaços de poder. 

Como sabiamente concluiu o relator da PEC 45/23,  senador Efraim Filho (União Brasil) às 1:45:35 “-…na periferia se tem uma aplicação e na elite se tem outra aplicação, nos bairros nobres. A culpa não é da lei, a culpa é da aplicação da lei, a lei, ela não descriminaliza, a lei, ela não diz que deve ser aplicada de forma diferenciada por ‘raça’, cor, condição social e quem aplica a lei é a autoridade policial, é juiz e é promotor.” 

Essa discussão, deveria estar sendo feita no seio da Saúde e é constrangedora a necessidade da assunção de que é a saúde, através da Anvisa, que sustenta toda essa lógica retrógrada e como antes descrito criada para o “cuidado da eugenia da ‘raça’”. Compreendendo os fundamentos do Estado brasileiro e os direitos evocados na Constituição Federal de 1988, o repúdio ao avanço das pautas de extrema direita no Brasil, no Senado e em todos os espaços de poder e nesta oportunidade específica, o repúdio à legitimação da pior política de drogas do mundo. Não é pedir mais que acesso a direitos fundamentais, o direito à autodeterminação, à liberdade, à autonomia, à saúde e à vida, para as pessoas historicamente aviltadas e vilipendiadas sobre território nacional. 

Referências

Brasil. Projeto de Emenda à Constituição n.º 45 de 2023. Altera o art. 5º da Constituição Federal, para prever com o mandado de criminalização a posse e o porte de entorpecentes e drogas afins sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, observada a distinção entre traficante e usuário. Brasília, DF: Senado Federal; 2023.   [Acesso em 21/04/2024]. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2410440&filename=PEC%2045/2023%20(Fase%201%20-%20CD)

Gomes-Medeiros D, Faria PH, Campos GWS, Tófoli LF. Política de drogas e Saúde Coletiva: diálogos necessários. Rio de Janeiro: Cad. Saúde Pública, 2019. 35(7):e00242618 [Acesso em 20/04/2024]. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csp/a/JJ5FM4Lk4RctsyTwbhFpfdk/

Rybka LN, Nascimento JL, Guzzo RSL. Os mortos e feridos na “guerra às drogas”: uma crítica ao paradigma proibicionista. Campinas: Estud. psicol., 2018. 35(1) I 99-109  [Acesso em 20/04/2024]. Disponível em: https://www.scielo.br/j/estpsi/a/HhsZqTPYTgtJjCVdLWYK9Bx/ 

Brasil. Ministério da Saúde, Serviço Nacional de Educação Sanitária. Maconha: coletânea de trabalhos brasileiros. 2 ed. Rio de Janeiro: 1958. [Acesso em 20/04/2024]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/maconha_coletania_trabalhos_brasileiros_2ed.pdf

Clique aqui e acesso o documento na íntegra

Associe-se à ABRASCO

Ser um associado (a) Abrasco, ou Abrasquiano(a), é apoiar a Saúde Coletiva como área de conhecimento, mas também compartilhar dos princípios da saúde como processo social, da participação como radicalização democrática e da ampliação dos direitos dos cidadãos. São esses princípios da Saúde Coletiva que também inspiram a Reforma Sanitária e o Sistema Único de Saúde, o SUS.

Pular para o conteúdo