São cada vez mais frequentes e preocupantes as notícias sobre a demissão de servidores ou contratados de funções de gestão no Ministério da Saúde. Preocupa ainda mais a baixa qualidade técnica dos que os substituem, muitas vezes pessoas em cujo currículo não há referências a qualificações no campo da gestão em saúde pública. Segundo noticiado pela imprensa, em meados de junho passado já tinham ingressado na equipe do ministro Pazuello 25 militares de várias patentes. Além de militares, outras substituições vêm sendo realizadas, sendo os cargos preenchidos por indicações de partidos políticos que o presidente da república considera importantes para a ampliação de sua base política.
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Deve ser ressaltado que essa “dança das cadeiras” acontece em meio a um recrudescimento da Covid-19 no Brasil e que essas substituições atingiram muitas vezes quadros técnicos que estavam à frente de tarefas de coordenação no enfrentamento da pandemia. Sabendo-se que a passagem de tarefas exige algum tempo e que a mudança de gerentes pode implicar em substituições de subordinados a eles, fica nítido o risco da perda de continuidade em ações de combate à doença. Vale notar que as substituições alcançaram, além dos secretários, diretorias de departamento, coordenações gerais e coordenações de programas.
Ao lado da substituição de técnicos, a ascensão do General Pazuello introduziu no ministério um regime de caserna, tanto no que se refere às informações para fora do mesmo, como a desastrada tentativa de desinformar o país sobre a evolução diária da doença, quanto para dentro do ministério, instituindo esquemas de vigilância sobre as comunicações entre o pessoal técnico e administrativo, acompanhados de ameaças de retaliação aos recalcitrantes. Pela própria natureza do serviço, é compreensível a preocupação com a limitação da circulação de informações em instalações militares. Mas a imposição desse preceito ao Ministério da Saúde transforma uma necessidade de serviço em uma prática de censura. Ela não apenas fere direitos de privacidade como também prejudica a circulação de informações entre os componentes organizacionais do ministério. Se essa prática já é inteiramente condenável em uma situação ausente de crise sanitária, assume contorno quase criminoso na vigência de uma pandemia da dimensão da Covid-19.
Ao longo de vários governos, a existência do SUS com sua arquitetura descentralizada e hierárquica entre as três esferas da administração pública, propiciou uma paulatina agregação de quadros, atualmente detentores de padrões técnicos e de uma “cultura” institucional nada desprezível. Esses quadros foram os que tiveram competência para criar, gerenciar e, na troca de ministros, dar continuidade a programas como a vigilância em saúde, a assistência farmacêutica, os programas de transplantes de órgãos, a extensão do Programa Nacional de Imunizações, a Estratégia de Saúde da Família e muitos outros, exemplos acabados de boa administração pública no campo sanitário.
É lamentável que esse patrimônio esteja sendo agredido e, em certos casos, destruído por uma administração que, de saúde pública, entende pouco ou nada. A entidades da saúde coletiva e da bioética vêm por meio desta protestar contra esse estado de coisas e igualmente solidarizar-se com os servidores efetivos e contratados do Ministério da Saúde.
Rio de janeiro, 01 de julho de 2020.
Associação Brasileira de Saúde Coletiva – ABRASCO
Associação Brasileira Rede Unida – REDE UNIDA
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde – CEBES
Sociedade Brasileira de Bioética – SBB