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Nota de repúdio de membros da CTAI-Covid à audiência pública sobre a vacinação de crianças

Comunicação Abrasco

Foto: Sumaia Vilella – EBC

Nota pública elaborada por membros da Câmara Técnica de Assessoramento em Imunização da Covid-19 (CTAI-COVID) sobre a vacinação em crianças a respeito do posicionamento do Ministério da Saúde através da NOTA TÉCNICA Nº 2/2022-SECOVID/GAB/SECOVID/MS, em relação à vacinação não obrigatória de crianças de 05 a 11 anos contra Covid-19.

Entre os critérios da escolha das doenças e agravos de notificação compulsória estão sua magnitude, potencial de disseminação, transcendência, vulnerabilidade, pela emergência de novos agentes e a disponibilidade de medidas de controle. A COVID-19 agrega todos estes critérios e se tornou a maior pandemia do presente século. Enquanto em boa parte do ano de 2020 só contássemos com medidas de controle não farmacêuticas, como uso de máscaras, distanciamento, etiquetas de higiene e não aglomeração, no final de 2020 várias vacinas foram aprovadas e disponibilizadas como uma das melhores estratégias preventivas contra a COVID19, salvando milhares de vidas.

O Brasil, apesar de tarde, adotou esta estratégia e a estrutura do Programa Nacional de Imunizações (PNI) e do SUS garantiu que atingíssemos coberturas vacinais mais altas da vacina contra a COVID-19 antes mesmo que os EUA. Vacinou-se boa parte da população brasileira sob maior risco e, graças a isto, internações e óbitos diminuíram no país de forma drástica. Entretanto, com o aparecimento de variantes mais transmissíveis e por serem as últimas a terem aprovada a vacina contra COVID-19, as crianças se tornaram parte da população mais vulnerável no contexto de ampla vacinação.

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Entre o início da pandemia até a primeira semana de dezembro de 2021, 23.277 casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) por COVID-19 e 1.449 mortes foram registradas em menores de 12 anos. Entre 5 e 11 anos de idade, no mesmo período, um total de 6.163 casos e 301 mortes ocorreram nesta faixa etária por causa da COVID-19. Além da SRAG, a síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica (SIM-P), associada à COVID-19, registrou mais 2.435 casos suspeitos em crianças e adolescentes menores de 20 anos no país, até o dia 27/11/21, sendo que 58% (1.412) dos casos foram confirmados e 85 foram a óbito. Estes dados mostram, inequivocamente, o quanto as crianças se tornaram, mesmo que em menor proporção que os adultos e mais velhos, um grupo de risco importante que precisa de proteção, cuja responsabilidade em relação aos cuidados e acesso à saúde cabe à família e ao estado prover, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente. 

No dia 4 de janeiro de 2022, contrariando tanto o histórico do PNI e do Programa Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19 (PNO), quanto a manifestação das diversas autoridades técnico-científicas especializadas na área, da ANVISA, e dos membros desta CTAI, realizou-se audiência pública para embasar a vacinação da população de 5 a 11 anos em nosso país, com participação de representantes alheios ao tema e desprovidos de análises sólidas para embasamento de opinião a respeito. Tais representantes foram escolhidos de forma não esclarecida, contrastando com os representantes de diversas entidades que estão diretamente associadas ao tema, representadas nesta CTAI e que já haviam se manifestado sobre o assunto tanto quando da avaliação por parte da ANVISA quanto por parte desta câmara. Como previamente alertado, ficou clara a inadequação de tal fórum para tratar de tema tão caro à saúde pública nacional, principalmente enquanto etapa para definição final da operacionalização desta campanha de vacinação pediátrica.

Felizmente, mais uma vez, ficou clara a diferença no nível de evidência apresentado pelos palestrantes que lá estavam defendendo a segurança e a necessidade epidemiológica de iniciar, o quanto antes, a vacinação das crianças brasileiras de 5 a 11 anos com a vacina aprovada pela ANVISA, em contraste com os que lá estavam para manifestar opinião contrária, não baseadas na ciência atual sobre a temática. No entanto, tal distinção é particularmente clara para quem tem formação científica, enquanto para a população geral nem sempre tais distinções são de fácil percepção, motivo pelo qual não se utiliza este tipo de expediente para discussão de temas eminentemente técnico-científicos. Além do próprio descuido em relação a cuidados mínimos de proteção individual e coletiva como uso adequado de máscara em ambiente fechado.

Apesar da consulta pública ter apresentado perguntas mal formuladas, aqueles que se manifestaram foram contrários à necessidade de prescrição médica. Na audiência pública, mais uma vez ficou claro e cristalino que isso não só não é necessário, como é um dos muitos outros empecilhos levantados pelo governo para o andamento adequado da campanha, como a recomendação de uma consulta médica antes de vacinar, a exigência de um termo de assentimento para vacinar, e necessidade de manter a criança em observação no local de vacinação por 20 minutos após aplicação, por exemplo.

O final da audiência pública, infelizmente, reservou outro agravante, agora de ordem legal, não apenas moral e técnica, que foi o fato de que uma parlamentar apresentou às câmeras de transmissão os documentos de declaração de conflitos de interesses dos palestrantes que lá estavam defendendo a ciência, a ética científica, e a saúde pública de nossa população. Muitos estudos sobre medicamentos, incluindo vacinas, precisam ocorrer em diferentes países do mundo para garantir uma diversidade biológica, de cultura e condições socioeconômicas e demográficas, entre outras. Naturalmente, tais estudos procuram contar com a participação de cientistas do país em questão, especializados no tema, para garantir o rigor científico necessário e a avaliação independente dos interesses do fabricante. O Brasil já fez parte de inúmeros estudos, incluindo o de algumas vacinas, e ao contrário do que tentou mostrar a parlamentar, a ética prevista pelas leis brasileiras, obriga o bom pesquisador a declarar possível conflito de interesse, mostrando a idoneidade e responsabilidade do pesquisador. Muitos dos maiores pesquisadores em vacinas no país já estiveram previamente, ou mesmo nos estudos mais recentes, colaborando com a execução e avaliação de medicamentos ou vacinas. Tal conduta, ao invés de torná-los necessariamente reféns dos interesses dos fabricantes, visam garantir que os estudos realizados no nosso país atendam aos mais altos níveis de rigor. No caso desta parlamentar, exibir tal documento, que possui dados pessoais como CPF, telefone, e e-mail pessoais, tinha a intenção de semear dúvidas sobre a idoneidade dos profissionais envolvidos ou sobre a efetividade das vacinas junto à população. Além do mais, divulgar dados pessoais sem autorização prévia fere a LGPD. O mais grave é que, posteriormente, cópias desses mesmos documentos foram amplamente divulgadas por terceiros, sem autorização e sem censura dos dados sensíveis, em mídias sociais. É absolutamente necessário que as autoridades competentes tomem as devidas providências para apurar a origem de tal vazamento e a responsabilização das partes envolvidas. Também causa indignação que o presente fato tenha ocorrido em ambiente promovido pelo Ministério da Saúde que nada fez para impedir a ação da parlamentar durante a audiência nem os desfechos seguintes.

​​Todos estes fatos lamentáveis devem, com certeza, gerar um prejuízo na hesitação da vacinação. O governo já tentou fazer isso, sem sucesso, na vacinação com adultos. Em seguida, tentou com os adolescentes e fracassou. Agora jogou todas suas cartas na desconstrução da credibilidade do PNI e do SUS, dando espaço para os movimentos antivacina. ​​Os movimentos antivacinas, ao invés do que muitos pensam, não são isolados, mas sim são formados por organizações multimilionárias que treinam ativistas, adaptam mensagens antivacinas para públicos diferentes e organizam reuniões com grandes conferências comerciais anualmente. Apesar das mentiras e manipulação de informações, eles possuem um nível assustador de organização, empregando de forma sofisticada as empresas de mídia social, através de uma infraestrutura online de sites sobre vacinas, páginas do Instagram, Facebook, canais do YouTube e contas do Twitter. O objetivo deles é aprofundar os medos e a hesitação da vacina das pessoas, semear dúvidas sobre se as pessoas devem tomar a vacina e converter novos indivíduos em divulgadores de mentiras. São milhões de pessoas sendo atingidas nos EUA, na Europa e em outros países ouvindo que a COVID-19 não é perigosa, mas sim as vacinas que o são, e que não se deve confiar nos médicos ou nos cientistas. Embora estas mentiras sejam extremamente prejudiciais para a saúde, não há, ou são limitadas (Imran Ahmed. Center for Countering Digital Hate, Washington, DC, USA. Dismantling the anti-vaxx industry. Nature. Published online: 15 March 2021), barreiras legais que façam com que estas empresas de mídia social removam esses grupos por violarem seus termos de serviço. No Brasil, o governo, que deveria ser responsável por uma comunicação oficial clara, oportuna e confiável em relação à saúde pública, não só não pune esses grupos e suas fake news com rígida regulamentação governamental, como também ele mesmo faz este trabalho de disseminar estas informações e/ou dá voz aos antivacinas. No final, quem mais sofre é a população e, agora, as crianças. 

Finalmente, de forma sábia, e como têm feito no enfrentamento da pandemia, a maioria dos estados já anunciaram que não exigirão o termo de assentimento nem tampouco a prescrição da vacina. E mais, caminham no sentido de adotar uma forma de comunicação mais clara para a população de que, assim que a vacina chegar, vá aos postos de vacinação. Entretanto, esses conflitos na comunicação do órgão maior com a população tem sido importante complicador desde o início da campanha.

Assinam este documento (em ordem alfabética) os seguintes membros da CTAI-COVID:

Daniel Villela, representante do Programa de Computação Científica da Fiocruz (PROCC/Fiocruz).

Gecilmara Pileggi, representante da Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR).

Jorge Kalil, especialista Ad Hoc.

José Cássio Moraes, representante da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO).

Juarez Cunha, representante da Sociedade Brasileira de Imunizações.

Isabella Ballalai, representante da Sociedade Brasileira de Imunizações.

Ligia Regina Franco Sansigolo Kerr, representante da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO).

Marcelo Ferreira da Costa Gomes, representante do Programa de Computação Científica da Fiocruz (PROCC/Fiocruz).

Marco Aurélio Sáfadi, especialista Ad Hoc.

Renato de Ávila Kfouri, representante da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).

Rosana Richtmann, representante da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).

Tatiana Guimarães de Noronha, representante da Bio-Manguinhos/Fiocruz.

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