No dia 16 de maio de 2001 o Brasil, instado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e pela Organização Pan-americana de Saúde (OPAS), devido aos elevados índices de morbimortalidade por acidentes e violências e à pressão da sociedade civil, promulgou a Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências (PNRMAV) por meio da Portaria no 737 do Ministério da Saúde. Portanto, no ano de 2021, esta jovem política completa seu aniversário de 20 anos.
À época, a promulgação da PNRMAV representou uma vitória da sociedade e do movimento social da saúde por institucionalizar o tema da violência como um grave problema de saúde pública e por seu reconhecimento enquanto tal pelo Estado brasileiro. Brasil e Canadá saíram na vanguarda, sendo os únicos países das Américas com uma política de saúde especificamente dirigida à prevenção dos acidentes e violências.
Desde então vêm sendo formuladas e desenvolvidas ações governamentais para o enfrentamento de diversas violências e acidentes incluídos na política e para apoio a grupos vulnerabilizados, tendo como base suas diretrizes, dentre as quais: qualificação das informações e criação de sistemas para registro dos casos; vigilância, monitoramento e notificação; formação dos profissionais da rede de serviços de saúde para o diagnóstico e atendimento integral às vítimas; ampliação, organização e estruturação dos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS) para o atendimento; e desenvolvimento de estudos e pesquisas. A PNRMAV reconhece que as violências atingem de forma desigual a população brasileira e propõe a construção de ações que façam sentido nas realidades locais e estejam de acordo com as necessidades de saúde específicas das populações. O setor de saúde buscou articular-se tanto internamente quanto com demais setores sociais, no sentido de potencializar as ações de prevenção da violência e de promoção da saúde.
Entretanto, passados 20 anos, observamos que, embora essa relevante política pública nunca tenha sido devidamente priorizada na pauta governamental, a despeito do grave quadro epidemiológico, vem passando por progressivo desmonte através da precarização de uma série de ações que representavam avanços na sua implementação. A esse respeito citamos o pouco incentivo à formação profissional para atender de forma qualificada às vítimas, a retirada de apoio à rede dos Núcleos de Prevenção da Violência e de Promoção da Saúde, o fechamento de serviços especializados para atendimento a vítimas, a desorganização das redes de proteção e o não incentivo ao monitoramento e à notificação de violências, dentre outras.
O momento atual de pandemia da Covid-19 evidencia como diversas expressões da violência têm se agravado e exacerbado, aumentando a vulnerabilidade das populações em função do enfraquecimento das instituições sociais de redes de proteção, da crise econômica e social, do aumento das demandas dos serviços de saúde e da restrição do atendimento em função de mudanças do processo de trabalho, da dificuldade de acesso aos serviços de saúde, assistência social, segurança pública e serviços especializados de atenção a pessoas em situação de violência, além do convívio intenso com agressores e da perda de referências em equipamentos outrora garantidos pela Política.
Frente ao desmonte de ações e à desvalorização da PNRMAV, é preciso reafirmar sua importância enquanto uma política pública de saúde que visa à mitigação do sofrimento das vítimas diretas e indiretas, das lesões, dos traumas psicológicos e das mortes provocadas pelas distintas expressões de violência no Brasil. São milhares de vidas perdidas todos os anos para a violência, sobretudo de homens jovens, mas também de outros segmentos: mulheres, crianças, adolescentes, idosos, população negra, LGBTQI+, do campo, água e florestas, e trabalhadores(as), dentre outros. Mais do que nunca a PNRMAV precisa ser revitalizada, retomada e continuamente implementada como uma política de saúde em todas as regiões do país. Neste 20o aniversário, a defesa da PNRMAV é fundamental para se avançar na construção de uma sociedade democrática, na qual a garantia de acesso universal a direitos sociais seja uma prerrogativa e a vida seja valorizada.
VIDA NOVA PARA A PNRMAV, VIDA LONGA PARA ELA!
Assinam esta nota:
Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS)
Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO)
Departamento de Estudos sobre Violência e Saúde Jorge Careli (CLAVES)/ENSP/FIOCRUZ)
Programa Institucional de Articulação Intersetorial Violência e Saúde (FIOCRUZ)
Programa de Investigação Epidemiológica em Violência Familiar (PIEVF/IMS/UERJ)
Instituto de Pesquisa, Prevenção e Estudos em Suicídio (IPPES)
Laboratório Interdisciplinar de Estudos sobre Violência e Saúde (LIEVES/DMP/FMUSP)
Laboratório de Estudos sobre Violência, Saúde e Acidentes (LAVISA/UFES)
Núcleo de Saúde Mental e Violências (IESC/UFRJ)
Núcleo de Prevenção as Violências e Promoção da Saúde de Vitória/ES
Núcleo de Prevenção as Violências e Promoção da Saúde de São Paulo/SP