Prezadas/os deputadas e deputados federais integrantes da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher,
Tramitam junto a esta comissão o Projeto de Lei 478/2007 e apensados, que dispõem sobre o Estatuto do Nascituro. Tal projeto põe em risco os direitos humanos das meninas e mulheres, agrava o cenário da saúde das mulheres que abortam, que representa um antigo problema de saúde pública no país, e contraria tanto o Código Penal como a Constituição do Brasil. Diante disso, a ABRASCO, enquanto representante de profissionais, professoras/es, pesquisadoras/es, estudantes e gestoras/es do campo da Saúde Coletiva, solicita a esta comissão a retirada de pauta do projeto, considerando as seguintes questões:
1 – Para caracterizar a figura de direito do nascituro, o PL 478/2007 não se ancora em evidências científicas e sim em doutrina jurídica profundamente influenciada por fundamentalismos religiosos, o que contraria a laicidade do Estado Brasileiro garantida na Constituição de 1988.
2 – Especialmente em seus artigos 12 e 13, o PL incita confusão jurídica e cria barreiras para o acesso à interrupção legal da gravidez nos casos já previstos em lei. Contraria, assim, o código penal brasileiro, que garante a legalidade do aborto para os casos de gravidez em decorrência de estupro e em caso de risco de morte para a gestante. Contraria, também, a decisão mais recente (2012) do STF que tornou legal a interrupção nos casos de anencefalia fetal.
4 – Na prática, isso significa que mesmo que uma gravidez ponha em risco a vida de uma mulher, ela não poderá ser interrompida, podendo custar a vida da gestante.
5 – Significa, ainda, que ao invés de avançar na garantia de uma interrupção segura da gravidez para meninas e mulheres vítimas de violência sexual, o Estado as obrigará a seguir adiante com uma gravidez causada por um ato de violência, consequentemente, contra a vontade dessas pessoas.
6 – Cabe lembrar que uma parcela dessas pessoas é composta por crianças. Mais de 17 mil meninas de 10 a 14 anos se tornaram mães em 2020 e apenas 86 meninas realizaram a interrupção legal da gravidez no mesmo período. O PL 478/2007 além de não avançar na proteção a essas meninas já garantida em Código Penal desde a década de 1940, quer tornar impossível uma política pública que enfrente, de fato, este problema.
7 – Por outro lado, este projeto concede aos estupradores um direito que eles não tinham: o de ter um filho com suas vítimas. As meninas e mulheres estupradas ficam assim obrigadas a dar à luz a filhos com as características e o sangue de seus violadores.
8 – Ao impedir a interrupção da gestação mesmo nos casos de anencefalia fetal, em que há incompatibilidade com a vida ao nascer, o PL impõe às gestantes destes casos o sofrimento de obrigá-las a manter uma gestação sabendo que sairão do hospital para o cemitério.
9 – Todas essas violações e barreiras aos casos de aborto atualmente previstos em lei terão, ainda, como efeito a ampliação da demanda por abortos feitos em condições inseguras, que afetam de forma ainda mais adensada a vida de meninas e mulheres pobres, negras, de periferias, das regiões norte e nordeste do Brasil.
A dimensão do aborto como problema de saúde pública tem, nas últimas décadas, sido exaustivamente comprovada por um conjunto robusto de evidências científicas produzidas por pesquisadoras/es brasileiras/os, sobretudo da Saúde Coletiva. A literatura científica permite inferir que as consequências do PL 478/2007 incluem a ampliação das desigualdades de classe, gênero e raça, e o aumento da realização de abortos inseguros e da morbimortalidade materna.
Ao igualar os direitos de embriões e fetos aos de uma criança, o PL deixa em último plano a vida e os direitos já estabelecidos de meninas e mulheres, violando os seus direitos à vida, à integridade física e à saúde, protegidos pela Constituição e por tratados internacionais de Direitos Humanos nos quais o Brasil é signatário. Considerando que a defesa desses direitos é a própria razão de existir desta comissão parlamentar, convocamos as deputadas e os deputados que a integram a cumprir o seu dever e impedir que este perverso e atrasado projeto de lei vá adiante.
Rio de Janeiro, 13 de dezembro de 2022
Assinam esta nota as seguintes organizações:
Abrasco – Associação Brasileira de Saúde Coletiva