A nova estratégia das empresas de plano de saúde para cooptarem mais usuários é lançar planos individuais com outros tipos de contratos: a ideia é que as pessoas paguem planos específicos para determinados tipos de doenças ou serviços. Se aprovada, a medida permite, por exemplo, um plano só para consultas (que não oferece exames ou emergências) , outro só para tratamento de câncer (que não oferece tratamento para outras doenças). Um dos argumentos utilizados pelo setor é que “desoneraria” o Sistema Único de Saúde. A abrasquiana Ligia Bahia contradiz: “Entre os anos de 1990 e 2015, dobrou o número de usuários na saúde suplementar, e isso não fez o SUS melhorar”. Confira trechos da matéria do O Globo sobre:
Empresas querem vender plano de saúde só para consultas ou exames, sem direito a emergência
Com poucas perspectivas de forte crescimento do emprego formal no curto e no médio prazos e com uma perda acumulada de três milhões de usuários, as operadoras de planos querem aumentar o número de beneficiários da saúde suplementar com uma nova tentativa de mudar a regulação para voltar a vender contratos individuais. A modalidade hoje representa só 20% do setor, sendo a maior parte do mercado de planos coletivos empresariais.
Para a volta dos individuais ao mercado, as empresas demandam mudanças no marco legal. Na prática, querem que os reajustes deixem de ser limitados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). A ideia é que cada operadora apresente sua variação de custo e a agência verifique e autorize. Além disso, as operadoras querem ampliar os tipos de contratos, o que chamam de modulação de produtos.
A proposta que será apresentada no 5º Fórum da Fenasaúde, que acontece dia 24, em Brasília — com a presença do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, com representantes do Judiciário e do Legislativo — prevê a possibilidade de contratação de módulos só com consultas, outro de exames, um de terapias (como tratamento de câncer) e ainda outro hospitalar, sendo este último o único que daria direito à emergência.
Ou seja, quem tiver plano só de consulta, vai ter que pagar pelos exames ou recorrer ao SUS. Já quem tem um conjugado de consultas e exames, mas não o de terapia e descobrir um câncer, vai ter que se tratar no serviço público. E em todos esses casos, quem não contratou o pacote de hospital, se quebrar um braço, vai para o hospital público ou paga pelo atendimento.
Integração com o SUS
Na avaliação de Vera Valente, diretora executiva da Fenasaúde — que reúne as maiores empresas do setor — essa modulação permitiria a contratação de planos por quem hoje é 100% dependente do SUS:
— Essa medida desoneraria o serviço público. E mesmo que o usuário precise fazer o tratamento no SUS, ele chegará lá com outra condição, pois estará recebendo uma atenção continuada — diz Vera, que prevê competição entre empresas pelo menor reajuste. — Com a portabilidade, o consumidor pode trocar de empresa, caso a que esteja aplique reajustes muito altos.
Médica sanitarista e professora da UFRJ, Ligia Bahia não acredita que a modulação dos planos venha a ter um efeito sobre o SUS:
— Entre os anos de 1990 e 2015, dobrou o número de usuários na saúde suplementar, e isso não fez o SUS melhorar. Por outro lado, não há lógica de fazer pré-pagamento para ter direito a um plano que só prevê consultas, se for assim, é melhor recorrer a clínicas populares. Ao compartimentar todos os serviços do plano, o risco é encarecer o contrato que hoje é de referência, que virá com todos os adicionais, assim como vimos acontecer com os carros.
Apesar de afirmar que ainda não foi feito um estudo econômico que permita dizer o quanto o plano em módulos será mais barato que o tradicional e quantas pessoas poderão ser incluídas na saúde suplementar nesse sistema, a diretora executiva da Fenasaúde afirma que quem vai hoje à clínica popular teria benefício contratando o novo modelo.
Para Christiane Cavassa, vice-presidente do Ministério Público do Consumidor (MPCon), o que preocupa é a redução de direito dos consumidores sem contrapartida:
— Não há demonstração clara de contrapartida para o consumidor. Além disso, há a preocupação de que o plano tradicional, tal qual conhecemos, deixe de ser vendido, assim como aconteceu com o individual nos últimos anos. Fora o risco do reajuste ilimitado. Se as empresas vão disputar por reajustes menores num mercado mais livre, por que já não o fazem?
A promotora se preocupa ainda com o fato de a acessibilidade aos planos de saúde estar presente na proposta de Agenda Regulatória da ANS. Em nota, a agência elenca entre os temas da Agenda Regulatória 2019-2021 a garantia de acesso da população aos planos de saúde; a adoção de modelos eficientes de remuneração e atenção à saúde; o aperfeiçoamento do processo de revisão do rol de Procedimentos. A agência, no entanto, não quis comentar a proposta das empresas.
Para Reinaldo Scheibe, presidente da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), o excesso regulatório está matando o sistema:
— Se não há estrutura no interior para que se forneça um determinado transplante ou exame, nem vou, pois posso ser multado. Nesse novo sistema, posso oferecer uma atenção básica a quem hoje não tem nada. Com a obrigatoriedade de oferecer todo o rol, não conseguimos chegar ao interior.