Os debates sobre saúde digital, carreiras no Sistema Único de Saúde (SUS) e equidade foram destaque no segundo dia oficial do 5º Congresso Brasileiro de Política, Planejamento e Gestão da Saúde (5º PPGS), nesta terça-feira (5). A programação, diversa e plural, contou, das 8h30 às 19h, com mesas-redondas, comunicações coordenadas, rodas de conversa, ações culturais e um Grande Debate, que encerrou as atividades no Centro de Eventos do Ceará (CEC), em Fortaleza.
Durante as atividades, houve uma mesa-redonda, na Plenária Preta Tia Simoa, sobre as carreiras no SUS. Entre os expositores estavam a secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde, Isabela Cardoso, e o sanitarista, professor titular da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), e ex-presidente da Abrasco, Gastão Wagner.
Os congressistas puderam conferir também, ao longo do dia, uma sessão de produção artística, e a programação da Tenda Paulo Freire. As comunicações coordenadas e rodas de conversa, espaços para os pesquisadores, professores e estudantes apresentarem suas pesquisas, também movimentaram o 5º PPGS nesta terça-feira (5).
Regulação em saúde e novas tecnologias: como avançar na garantia do direito à saúde e no enfrentamento das iniquidades no acesso e qualidade no SUS?
Na sala “Eu Defendo o SUS”, às 10h15, aconteceu a mesa-redonda “Regulação em saúde e novas tecnologias: como avançar na garantia do direito à saúde e no enfrentamento das iniquidades no acesso e qualidade no SUS?”, que foi mediada pela pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP) da Fiocruz, Mariana Vercesi.
Os convidados especiais foram o diretor do Instituto de Saúde Coletiva (ISC) da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e ex-presidente da Abrasco, Luis Eugênio Portela; a professora e pesquisadora da Faculdade de Saúde Pública da USP, Marilia Louvison; e a advogada do Programa de Saúde do Instituto de Defesa dos Consumidores (Idec), Marina Paullelli.
Responsável por inaugurar as exposições, Marilia Louvison trouxe apontamentos e reflexões, no tópico regulação em saúde, para contribuir como o avanço na garantia do direito à saúde e no enfrentamento das iniquidades no acesso e qualidade do Sistema Único de Saúde (SUS).
“O que há de mais moderno nas tecnologias em saúde, para a regulação, é a decência. Precisamos incorporar inovações pensando no público, democraticamente, e não só de uma forma instrumental. O SUS precisa se aproximar das pessoas”, afirmou.
Marina Paullelli abordou, com ênfase, o desrespeito sistemático de operadoras de planos de saúde aos usuários, num cenário com falta de regulação adequada por parte das autoridades, como a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Entre as violações identificadas estão os reajustes abusivos, negativas contratuais e rompimentos unilaterais dos contratos.
“O Idec avalia que o patamar onde a gente se encontra na regulação é justamente de uma omissão regulatória, são diversos pontos em que a agência deixa de se atentar e, inclusive, sem considerar, muitas vezes, a avaliação do corpo técnico da Agência para analisar pontos importantes dos contratos”, explicou.
O professor Luis Eugênio ressaltou a urgente necessidade de refletir sobre o conceito de saúde digital e sobre a incorporação dessas tecnologias, pela ótica da Saúde Coletiva. Além disso, o pesquisador indicou a necessidade de regulamentar esses processos de incorporação tecnológica.
“O grande risco é estarmos, simplesmente, incorporando outras tecnologias, desenvolvidas com outras lógicas, da mercantilização e lucro, por exemplo, e venhamos a criar mais problemas para os tantos problemas que já temos. Saúde digital requer investimento do campo da Saúde Coletiva na reflexão de quais tecnologias são adequadas para atender às nossas necessidades de saúde”, explicou.
“Fazer ciência na saúde coletiva: como enfrentar os desafios históricos e contemporâneos nas instituições públicas”
À tarde, a partir das 15h10, também na sala “Eu defendo o SUS”, realizou-se a mesa-redonda “Fazer ciência na saúde coletiva: como enfrentar os desafios históricos e contemporâneos nas instituições públicas”. A responsável pela atividade e mediadora da conversa foi a pesquisadora da ENSP/Fiocruz e presidente da Comissão Científica do evento, Isabela Soares Santos.
A mesa foi composta pela ex-presidente da Abrasco e professora da UNICAMP, Rosana Onocko Campos; a pesquisadora da ENSP/Fiocruz Laís Costa; e a professora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) Angela Figueiredo.
Isabela Soares Santos explica que essa atividade foi fruto de um novo eixo temático incorporado no 5º PPGS. “Essa mesa veio de uma proposta inovadora de trazer um eixo exclusivo para discutir as questões metodológicas da ciência. Do como fazer ciência, como incrementar a ciência e o que a gente faz no campo da Saúde Coletiva”, explicou.
Houve ênfase, ao longo da mesa-redonda, por parte das debatedoras, na necessidade de repensar, nas atividades de pesquisa, contextos, práticas e teorias, que são atravessados por resquícios coloniais, racistas, patriarcais, entre outros elementos. A professora Rosana Onocko Campos destacou ainda a necessidade de olhar criticamente os modelos econômicos e os desdobramentos do neoliberalismo na saúde brasileira.
“Nos países do hemisfério sul, como o Brasil, essa corrente teve efeitos deletérios ao estimular o desfinanciamento em políticas públicas que se encontravam em estado incipiente. Em mais de 30 anos, e sob sucessivos governos democráticos, o SUS se encontra sempre ‘aquém’ das demandas sociais às quais deve responder”, declarou.
“De que equidade estamos falando? Desafios urgentes para a saúde coletiva e para as políticas públicas”
Na plenária Preta Tia Simoa, a partir das 17h20, os congressistas acompanharam o Grande Debate “De que equidade estamos falando? Desafios urgentes para a saúde coletiva e para as políticas públicas”, atividade que encerrou o segundo dia de congresso. A mediadora foi a pesquisadora, consultora e diretora do Programa do Fundo Baobá para Equidade Racial, Fernanda Lopes. A pesquisadora da Fiocruz, coordenadora do Dicionário de Favelas Marielle Franco e uma das criadoras do SUS, Sonia Fleury; e a professora aposentada da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Maria Inês Barbosa, que é pioneira nos estudos sobre a saúde da população negra no Brasil.
Fernanda Lopes abriu o debate destacando a importância do evento, mas enfatizou a necessidade de avançar além do diálogo para ações e monitoramento, a fim de garantir que a equidade se faça presente no SUS. “Trazer para o centro o que foi tangenciado sempre é importante, mas discutir não é suficiente. É preciso monitorar o que está sendo feito e o que se está gerando de impacto para cada um dos grupos populacionais”, enunciou.
Sonia Fleury, entre os tópicos abordados, mencionou a capacidade de resposta do SUS às demandas sociais e reforçou o quão fundamental é a garantia da manutenção dos princípios e diretrizes do sistema. “A criação do SUS como direito e cidadania incorpora – no artigo 196 – o princípio da determinação social, o que traz um conjunto de políticas sociais para a saúde. É importante e necessário para tentar estabelecer um princípio de justiça para regular as relações sociais e econômicas do país”, explicou.
Maria Inês Barbosa lembrou, ao longo da sua fala, que os avanços sociais são fruto de articulação e luta. “Ter este espaço, para dialogar sobre esses temas, não caiu do céu. O Brasil que eu quero é um outro retrato. Avançamos ao considerar a determinação social do processo saúde-doença, mas foi preciso que o movimento de homens e mulheres negras apontasse a lacuna, no contexto histórico brasileiro, do racismo”, destacou.
A atividade de encerramento do segundo dia do 5º PPGS também contou com homenagens a nomes que muito contribuíram com a Saúde Coletiva, que nos deixaram recentemente. Os homenageados foram os professores José Ivo e Maria Filomena e a militante e ativista Jaqueline Rocha. Mario Testa, importante intelectual e referência no campo da Saúde Coletiva na América Latina, que faleceu nesta terça-feira (5), também foi homenageado.