Uma história da qual já se conhece o final que querem impor à sociedade. A progressiva abertura da prestação da assistência à saúde a grupos privados estrangeiros ganhou novo capítulo em fevereiro último, com a aprovação da lei nº 13.097, que permite a participação de empresas e do capital estrangeiro, direta ou indiretamente, nas ações e cuidados à saúde.
No entanto, a letra legal corrobora e amplia os contornos de um mecanismo que, infelizmente, entrou como moeda de troca na criação das bases constitucionais da criação do Sistema Único de Saúde (SUS). É o que demonstra Mário Scheffer, professor do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (DMP/FM/USP) e membro da Comissão de Política, Planejamento e Gestão em Saúde da Abrasco em artigo publicado na edição de abril da Cadernos de Saúde Pública, periódico da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz).
No artigo, intitulado O capital estrangeiro e a privatização do sistema de saúde brasileiro, Scheffer analisa historicamente as brechas concedidas ao mercado para a prestação da assistência, atuando contrariamente a um dos principais destaques da Constituição Federal, a garantia da Saúde como um direito de todo e qualquer cidadão e um dever do Estado. “Desde 1998, a Lei dos Planos de Saúde permitiu o capital estrangeiro nos negócios de assistência suplementar, o que levou à interpretação de que mesmo as empresas de planos de saúde proprietárias de hospitais poderiam se beneficiar do investimento exterior. A saúde já estava, portanto, parcialmente aberta a investidores internacionais que tornaram-se acionistas de empresas de planos de saúde e de grupos hospitalares ligados a elas”, explica o autor.
Nesse jogo que o mercado quer impor, o atual governo faz a vez do grande avalista, já não encaminhou o projeto de lei sem discutir com o conjunto da sociedade, nem com nenhum fórum de controle social, nem sequer acolher os pareceres negativos da Advocacia-Geral da União (AGU), permitindo que a legislação brasileira sobre saúde abarque duas políticas opostas sobre a mesma norma.
Scheffer observa que o setor da Educação passou por situação semelhante com a abertura da vagas e de mecanismos de acesso sem a manutenção da qualidade dos serviços.
Num cenário que caminha para a repetição dos erros, o professor e pesquisador destaca a baixa produção científica sobre o tema e convoca a academia ao debate. “Urge uma agenda nacional de pesquisas que ofereça terreno para acompanhar o impacto do capital estrangeiro no processo de privatização nos vários componentes do sistema de saúde: no financiamento, na prestação de serviços, na ges¬tão e nos investimentos em saúde”. Confira o artigo na íntegra na página da CSP, no SciELO, ou baixe o PDF aqui.