09 de setembro de 2013 – Por Bruno C. Dias
Diferentes visões acerca do estado atual do Sistema Único de Saúde (SUS), em particular no campo da Saúde Mental, fizeram da mesa Direitos Humanos, o SUS e a Reforma Psiquiátrica uma das mais enriquecedoras do I Fórum Brasileiro de Direitos Humanos e Saúde Mental, mesmo em pleno feriado de Sete de Setembro.
Também pudera. Os presentes puderam ouvir e aprender com importantes figuras do debate público e político sobre a saúde: os professores Nelson Rodrigues dos Santos, da Unicamp e da direção do Centro de Estudos Brasileiros em Saúde (Cebes) e do Instituto de Direito Sanitário Aplicado (Idisa); Ligia Bahia, da UFRJ e do Conselho diretor da Abrasco e o psicanalista Antonio Lancetti. A coordenação foi de Paulo Amarante, presidente da Abrasme.
Uma detalhada apresentação sobre o modelo da atenção fundador do SUS foi o ponto de partida da apresentação de Nelson dos Santos, que apontou as manobras utilizadas por governos e grupos privados para a desarticulação e mau funcionamento do mesmo. “Pensado a partir das prerrogativas da população, dos profissionais de saúde, dos prestadores de serviço e, por último, dos fabricantes e fornecedores, o que vemos hoje a inversão desse modelo, funcionando de baixo para cima e constituindo num modelo de oferta de serviços, que nada tem de atenção em saúde”.
Ao destacar dados como a pressão dos fabricantes e fornecedores por sistemas viciados de compras e aquisições; os mecanismos dos planos privados de saúde, que recebem subvenção de 30% do Ministério de Saúde garantindo-lhes uma faixa de lucro de 158%, e das políticas de gestão de mão de obra, com cerca 70% da força de trabalho vinculada por meio de contratos precarizados, Nelson dos Santos (foto) vaticinou: “Este nosso modelo, criado a partir das políticas universalistas europeias, deu seus primeiros passos, mas logo começou a ser atacado, resultando em baixa cobertura e baixa eficiência, tornou-se assim o SUS atual, subfinanciado e destinado aos pobres, com quem a sociedade pouco se preocupa”, frisando ainda ver dentro das esferas públicas uma grande articulação que apelidou de ‘anti-SUS’. “Isso mexe no coração da sociedade que tanto lutou para um sistema digno e universalista”.
Ligia Bahia seguiu a estrutura de raciocínio de Nelson dos Santos e contextualizou as mudanças políticas vividas pela sociedade ocidental que possibilitaram o esvaziamento do modelo. “Apesar do nome, o nosso estado de bem estar social é, na verdade, um estado de mal estar social. Houve uma melhoria ao acesso de bens de consumo, mas continuamos subsidiando a indústria automobilística para matar mais gente; salvamos crianças de desnutrição para depois morrerem de homicídios advindos da violência. Espero sinceramente ver nas ruas que este Sete de Setembro nos ajude a conquistar a independência desse pacto de mal estar social que submetem a sociedade brasileira”.
A professora comentou ainda a indicação de Elano Figueiredo, advogado vinculado aos planos de saúde, à diretoria da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). “É mais um diretor que vem do setor privado, um escândalo digno do nome Elanogate como estamos chamando. Pressionamos a Comissão de Ética da Presidência da República, pois não dá para colocar a raposa assim tomando conta do galinheiro”.
Ao finalizar sua fala, Ligia Bahia (foto) lembrou que é papel de todos os profissionais da saúde questionarem a lógica do cumprimento de metas, consultas e internações, “um modelo que não permite a emancipação, nos achata, nos torna chatos e nos infelicita”, e destacou que é possível agir no sentido contrário ao ‘estado de mal estar social’. “Nossas relações com o aparato da justiça tem de ser mais estreitas, pois é uma ferramenta para derrubar o cinismo e a maldade que vemos. Temos de estar mais juntos como estamos aqui hoje e, quando não for possível, sermos mais rápidos na nossa comunicação e no trabalho em rede”.
Antonio Lancetti iniciou sua participação contrapondo as análises anteriores destacando os avanços conseguidos no campo da saúde mental dentro do Sistema Único de Saúde. “Acredito que o SUS está vivo de diversas maneiras. Conseguimos a desativação de mais de 160 mil leitos de hospícios e garantimos os serviços residenciais terapêuticos, nos quais finalmente conseguimos tratar da esquizofrenia. Com todas as dificuldades que temos, foi o SUS que diminuiu as mortalidades e assegurou tantos outros avanços”. O psicanalista afirmou ainda que é importante reconhecer o trabalho da Coordenação de Saúde Mental do Ministério, “que tem resistido a dubiedade do governo Dilma”.
Ao avaliar a conjuntura atual, Antonio Lancetti (foto à esquerda de Paulo Amarante) destacou que a preocupação com as manifestações abriu um espaço para a rearticulação das ações sobre a epidemia do crack, antes massacradas pela mídia e considerou uma “traição” a aprovação da lei da internação compulsória. “Têm sido criados territórios de exceção, fazendo desfilar usuários como se fossem bandidos. Naturalizou-se a ideia de que tem de se internar e prender. Vemos a força de verdadeiras subjetividades drogadas, o que inclui todo o ciclo da droga na sociedade contemporânea, os repressores, os vendedores e também os terapeutas”.
Ao final, os três palestrantes frisaram que é necessária a luta por “um SUS para chamar de meu”, que reúna coragem para agir na contra-hegemonia e faça do debate político uma verdadeira reserva ética da sociedade. “No momento da falta das paixões, são eventos como esse que nos alimentam a seguir e manter a chama acesa”, destacou Lancetti, disparando uma forte salva de palmas de todos os presentes.