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 NOTÍCIAS 

O direito à saúde retorna ao palco da política

Vilma Reis

Em artigo publicado no jornal Brasil de Fato, o médico e professor da Faculdade de Medicina da UFPE (Campus Caruaru) Thiago Henrique dos Santos Silva mostra como o debate público da saúde ganhou novas dimensões com o lançamento do programa Mais Médicos e como o movimento da Reforma Sanitária deve conduzir a luta por melhoras efetivas no setor.

Thiago Silva considera o programa “o ápice” dentro da agenda neodesenvolvimentista do governo federal para a área, pois trouxe debates esquecidos pela sociedade brasileira, assodada pela plataforma neoliberal da década de 1990. Nos últimos anos, o debate político e a condução de políticas públicas na área da saúde vem migrando para a ampliação da cobertura e da qualidade de serviços nos moldes dos interesses dos grandes grupos econômicos da saúde, reforçando o discurso de que “nesta agenda não existe dicotomia entre ampliação do acesso e da qualidade e o desenvolvimento do capitalismo, outrora o principal culpado pela falta de saúde da população”.

O médico, que entregou o cargo de diretor do Sindicato dos Médicos de Pernambuco quando a entidade se posicionou contrária ao programa, acredita que está na mobilização da sociedade em torno das pautas do Saúde +10 a possibilidade do movimento da Reforma Sanitária avançar nas reivindicações em prol de uma saúde universal, integral e igualitária, subsidiada por fundos públicos e não pautadas por interesses privados. “O cavalo da luta pela Saúde está passando selado à nossa Frente!” Confira aqui o artigo e leia-o na íntegra abaixo.

“Havia um desafio grande para todos aqueles que defendem e lutam pela Reforma Sanitária e pela plena implementação do SUS: colocar a Saúde no centro da agenda política do País, num cenário onde as condições de vida e de saúde sejam discutidas nas praças, nas esquinas, nas escolas, na mídia e nos espaços de representação política. Este foi o grande desafio dos anos 90 e da última década, quando a saúde só aparecia no noticiário e na boca do povo nas épocas eleitorais ou por conta de escândalos relativos a corrupção ou pelas longas filas dos hospitais. Foram tempos difíceis para todas as bandeiras sociais, afinal o descenso da luta de massas e o avanço neoliberal não deram espaços para muito mais que isto.

Em constante conflito com os rumos das políticas econômicas desenvolvidas nestes períodos, o projeto da Reforma Sanitária – que visava em última análise a transformação do modo de produção de vida – foi tendo seu horizonte rebaixado ao Sistema Único de Saúde, e mesmo este foi sendo cada vez mais rebaixado ao “SUS possível”. Toda sorte de incursões nos rumos das políticas de saúde foram feitas pelos mais variados atores políticos, dos Partidos de esquerda ao Banco Mundial, e o que temos hoje é o produto da correlação de forças na sociedade brasileira desde 1988.

Sem romper com os ditames do neoliberalismo, mas dando espaço para uma agenda desenvolvimentista (mesmo que débil), o atual Governo posiciona o setor Saúde dentro da agenda global neodesenvolvimentista. Com pouco conteúdo da agenda da Reforma Sanitária, era percebido no tom gerencialista e conciliador de interesses do discurso de posse de Alexandre Padilha os rumos que seguiriam as políticas de saúde sob seu comando: “fazer mais com o pouco que temos” era o lema, e “acesso com qualidade” a meta-síntese.

Ampliação do acesso através do uso dos fundos públicos na área da saúde, mesmo que sob administração indireta das Organizações Sociais e OSCIPS, mesmo que retirando direitos dos trabalhadores através da EBSERH e das Fundações Estatais; ampliação do acesso mesmo que mantendo e aumentando isenções fiscais para os planos e operadoras de saúde (e até financiamento do BNDES); ampliação do acesso mesmo que dentro de uma lógica medicalizada e médico-centrada, fortalecendo no imaginário popular a lógica curativista através da ampla construção de UPAs; ampliação do acesso mesmo mantendo o subfinanciamento crônico; busca de qualidade através do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB) e da “caça às bruxas” dos pequenos planos privados de saúde que não conseguiam (ou não queriam) prestar um bom atendimento ao consumidor, mesmo que esta “caça” fortaleça o monopólio dos grandes planos e operadoras. Não, nesta agenda não existe dicotomia entre ampliação do acesso e da qualidade e o desenvolvimento do capitalismo, outrora o principal culpado pela falta de saúde da população.

Eram tempos difíceis para aqueles que lutam por uma saúde integral e tinham os pressupostos da Reforma Sanitária como horizonte. Porém, as contradições deste governo de composição uma hora iriam aflorar. Como em todos os outros setores da sociedade, a agenda neodesenvolvimentista gera contradições melhores para a classe trabalhadora do que o neoliberalismo puro. A crescente retomada da capacidade de luta da classe trabalhadora e da capacidade de indignação dos setores médios, como mostram as jornadas de Junho, mexeram na conjuntura e aceleraram o aparecimento destas contradições. No setor saúde o ápice das contradições é sintetizada no Programa Mais Médicos.

O programa mais progressista e com mais impacto gestado nos últimos anos pelo Ministério da Saúde (que correu o risco de ser engavetado devido à pressão das entidades médicas), apesar de não romper com a agenda hegemônica neodesenvolvimentista, aflora contradições por demais caras para nós, lutadores da saúde. E mais importante até do que as contradições – nas quais nós, lutadores da saúde, teremos que incidir – ele mexe com a nossa questão setentrional: tira a bandeira do Direito à Saúde da vala comum do esquecimento (donde era facilmente manejável pelo conservadorismo) e a recoloca no centro da agenda política nacional, colando-a subjetivamente numa agenda progressista: vinda dos médicos e médicas cubanos/as, ampliação dos investimentos na Atenção Básica, residência médica universal, tentativa de regulação do mercado de especialidades médicas e o resgate de que é papel do Estado prover Saúde de qualidade para seus cidadãos.

As pesquisas mostram mais de 70% de aprovação de toda a população frente ao programa, todos os meios de comunicação vem veiculando matérias que discutem a saúde e o SUS como promessa inacabada, as pessoas comentam que é importante o governo prover médicos onde não tem, enfim , o direito à Saúde voltou a ser debatido por toda a sociedade e não apenas por aqueles ligados ao Setor. Gostemos dele ou não, o programa fez aflorar contradições para o conjunto da sociedade brasileira até então debatidas apenas por poucos setores sociais, ou seja, mesmo mexendo com a epiderme dos problemas, está nos abrindo possibilidades antes não colocadas. Não é à toa que a área econômica do Governo esteja abrindo espaço para o debate do financiamento, afinal, como ampliar acesso de mais milhões de pessoas à saúde sem abrir o bolso?

Em um cenário como este a palavra de ordem não pode ser outra: unidade! A primeira contradição que temos o dever de incidir é sobre o financiamento. Somar forças ao movimento Saúde +10 e pressionar o Governo e o Parlamento para ampliar os fundos públicos para a Saúde pública (e não para o setor privado) é premente. Porém, se faz fundamentalmente necessário construirmos força social em torno do Projeto original da Reforma Sanitária: precisamos que os Conselhos de Saúde, Movimentos Sociais do campo e da cidade, Sindicatos, trabalhadores e trabalhadoras da saúde, sanitaristas, fóruns e Frentes de luta pela Saúde e o Movimento Sanitário se unam numa única agenda. E esta agenda deve contemplar a formação de novos lutadores do campo da saúde e disputar ideias na sociedade, construir força para incidir na conjuntura de maneira qualificada (a partir das lutas concretas) e manter um mínimo de organização de uma frente ampla com agenda unitária, a partir de uma meta-síntese constantemente presente nos editoriais recentes dos que debatem a saúde “Queremos Mais Saúde”.Lutadores e

Lutadoras da Saúde, uni-vos! O cavalo da luta pela Saúde está passando selado à nossa Frente!

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