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 NOTÍCIAS 

O nebuloso terreno das relações público-privado em debate

As diversas estratégias dos interesses privados, principalmente das indústrias, nos espaços e regulamentações públicos e estatais, e em destaque aos locais de produção de conhecimento, foram tema da oficina “Interesses conflitantes na relação público e privado no âmbito da universidade”, realizada pela Frente pela Regulação da relação Público-Privado em Alimentação e Nutrição, que reúne, entre outros participantes, membros do Grupo Temático Alimentação e Nutrição em Saúde Coletiva (GT ANSC).

A atividade aconteceu em 22 de agosto no Instituto de Nutrição da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (INU/Uerj)e reuniu docentes da UFRJ, Uerj, UFF, UniRio, Unifesp-Baixada Santista, UnB, além de nutricionistas do Inca, do Conselho Federal de Nutrição e ativistas de movimentos de agroecologia e de saúde. A transmissão da mesa foi feita pelo Telesaúde e contou com 22 pontos de recepção, a maioria assistidos por turmas e grupos espalhados por diversos estados do país.

A professora Luciene Burlandy, da UFF, iniciou o evento apresentando uma sistematização e o histórico sobre o tema, que teve suas primeiras discussões por esse grupo no congresso World Nutrition 2012, quando foram discutidas as ações sistemáticas da indústria de alimentos, interessada em influenciar órgãos, espaços acadêmicos e governos em prol de seus interesses. Na ocasião, percebeu-se a necessidade de se articular instituições e atores sociais sobre esse tema. “Enfrentamos um terreno nebuloso, e para o qual é necessário entender os movimentos heterogêneos e as contradições, pois estamos lidando com uma rede de interesses”, disse Luciene. Da prestação de serviços, passando por participações em espaços decisórios, ações regulatórias e pactos, os entes privados estão em constante contato com o meio público, daí a importância para a Frente em buscar elementos para a construção de um código de conduta e estratégias que consolidem mecanismos de transparência pública dessas interações. “Precisamos sair de um pensamento dual e olhar para as práticas, tanto de órgãos públicos como de entes privados, e pensá-las a partir de princípios”, abordou a professora.

Conflitos na saúde: Luis Eugenio Souza, presidente da Abrasco, abordou essa nebulosa relação a partir do viés das pesquisas em inovação em saúde. Mola da concorrência intercapitalista como aponta o conceito do economista Joseph Schumpeter, as pesquisas em inovação têm seus rumos definidos por pequenos grupos, formado pela indústria, médicos e demais prescritores especializados, além de associações de pacientes, familiares e de profissionais, governo e mídia. Cada um a seu modo, exercem elementos de pressão e trabalham pelos seus interesses, nem sempre similar aos da população geral.

Segundo o pesquisador, levantamentos internacionais indicam que o oligopólio do segmento de equipamentos médicos e medicamentos farmacêuticos concentram cerca de 50 empresas, com divisão de nichos de mercado entre elas e forte concorrência devido ao esgotamento dos princípios ativos das moléculas hoje em uso. “Essas indústrias hoje se voltam para pesquisas em biomedicamentos, numa lógica hegemonizada pelos mecanismos do capital financeiro, ganhando milhões no mercado de ações com anúncios de suas descobertas”, frisou Luis Eugenio. Dados recentes do Ministério da Saúde (MS) brasileiro apontam que os gastos com esses fármacos, que representam 5% da carteira de compras do MS, drenam cerca de 40% dos recursos. Outra estratégia da indústria é o lançamento de drogas similares às já de amplo acesso já existentes no mercado, garantindo assim ganhos sobre as patentes.

Entre as formas citadas para garantir transparência na relação empresas-governos, o presidente da Abrasco destaca a ampliação da comunidade de tomadores de opinião; restrições das ações da indústria, como a prática de financiamento de ensaios clínicos, de patrocínio de eventos e programas de formação e educação profissional e a proibição total de propaganda direta ao consumidor.

Publicidade e Formação em Nutrição: Coube aos professores Francisco Romão, da Uerj, e Elisabetta Recine, da UnB, levarem o tema para o universo dos cursos de graduação em Nutrição. Romão destacou a difícil queda de braço travada nas salas de aula entre o pensamento crítico e o adesismo às estratégias do mercado, propaladas pela publicidade e por institutos ligados à indústria, cada vez mais interessados em patrocinar eventos científicos. “A ciência e o conhecimento, aos olhos da empresa, são apenas mais uma estratégia de marketing e de venda de produtos”, comentou Romão enquanto mostrava a mudança de posicionamentos publicitários das indústrias de alimentos, de produtos femininos e do tabaco, interessadas em adequar suas linguagens através dos tempos e das temáticas em voga na sociedade, como a saúde. O objetivo: não perder consumidores.

Já Elisabetta destacou o processo de hiperespecialização da indústria alimentícia, que volta suas baterias para a associação de produtos alimentícios à saúde, como suplementos alimentares e outros, transformando divisões dessa indústria em verdadeiros ‘departamentos farmacêuticos’. “Temos de pensar como trabalhar esses aspectos na formação para a formação de alunos com espírito crítico no mundo como está hoje e em um curso como uma forte visão biológica, deixando a discussão sobre o alimento à sombra das visões que privilegiam somente os nutrientes”, reforçou a professora, citando também o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN) como um importante campo de batalha da tensão público-privado.

Oficina: À tarde, os participantes dividiram-se em quatro grupos e temas: produção do conhecimento; formação em graduação de Nutrição; patrocínio de eventos, e financiamento de entidades – para aprofundar o debate. “Essa dinâmica permitiu identificar ideias chaves que não podem ficar de fora de um código de conduta para as universidades, além de mostrar para nós mesmos que já existem formas de responder esses conflitos”, disse Inês Rugani, integrante do GT ANSC e diretora do INU/Uerj. Os relatórios produzidos pelos grupos foram lidos na plenária final e serão sistematizados para a redação da proposta do código de conduta.  Os interessados em participar desse debate e replicar a oficina em suas universidades e espaços de trabalho podem entrar em contato com a Frente pela Regulação da relação Público-Privado em Alimentação e Nutrição pelo e-mail frente.rppan@gmail.com

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