“O nome do bicho é capitalismo, minha gente… não tem outra saída, ou a gente lida com o consumismo, ou nós vamos destruir nosso planeta” disse José Geraldo Martins, do Movimento dos Atingidos por Barragens, um dos painelistas da tarde desta terça-feira, 27 de novembro, segundo dia do 8º Simbravisa. Ele e mais Marcus Vinicius Polignano e Cristiane Andrade Viana foram coordenados por Rodrigo Romão, no painel Vigilância Sanitária em Emergências, Calamidades e Catástrofes que pontuou o maior desastre ambiental na área de mineração do mundo que aconteceu no município de Mariana, Minas Gerais, em 5 de novembro de 2015. Pouco mais de três anos após o incidente, outra barragem: Brumadinho, também em Minas.
“Como não resolvemos Mariana, colhemos Brumadinho”
Quem abriu o painel foi o professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal, Marcus Polignano que classifica os rompimentos como “crimes”. Para o docente, o desastre de Mariana não deixou lições, o coordenador-geral do Manuelzão, um projeto de extensão da UFMG que luta pela revitalização de cursos d´água diz que a situação era absolutamente anunciada, uma barragem não se rompe do dia para a noite, a barragem ruiu por dentro, pela estrutura.
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Polignano expressou preocupação com a situação de ausência de políticas públicas sobre a questão da mineração e do abastecimento de água e a fragilidade de todo o sistema de fiscalização e licenciamento dessas barragens: – “O Brasil precisa conhecer nossa série histórica de rompimentos sistemáticos e desastrosos nas barragens de mineração. Por que não vemos rompimentos de barragens de hidrelétricas só nas de mineração? Porque essas são as mais precárias possíveis já que guardam o lixo do lucro, então quanto mais barato for mais dinheiro fará. Como não resolvemos Mariana, colhemos Brumadinho, amortecemos as ações que o empreenderdor de má qualidade faz na sociedade, o sistema continuou funcionando e atenuamos os impactos desses empreendimentos. Aqui neste simpósio peço: vamos ampliar o conceito de vigilância sanitária? O SUS precisa incorporar isso”, pediu o professor.
Marcus ressaltou a gravidade da ausência de políticas públicas sobre a questão da mineração e do abastecimento de água: – “Precisamos operar na estratégia de previsão de desastres, se podemos prevenir podemos evitar. Mas nenhum serviço está preparado e o que vemos é correria generalizada, os comitês estaduais de saúde de desastre são uma fragilidade. Existe uma dinâmica da tragédia, que é de contaminação química, a cada chuva tudo volta nesta rota de exposição e o que era lama vira pó e entra nas casas das pessoas. É papel da saúde coletiva e do sistema de vigilância sanitária lutar contra isso.” alertou.
A seguir Cristiane Andrade Viana, da Prefeitura de Brumadinho, trouxe uma reflexão sobre a intervenção nos riscos sanitários decorrentes de um desastre e a experiência da vigilância sanitária de Brumadinho: – “Houve derramamento de cerca de 13 milhões de m3 de rejeitos de minério na área administrativa da Vale e comunidades de Córrego do Feijão e Parque da Cachoeira, atingindo o Rio Paraopeba, 256 corpos de vítimas já foram localizados e ainda temos 14 desaparecidos. A tragédia trouxe impacto industrial, ambiental, sociopolítico, cultural e econômico, além dos fatores de impacto na saúde dos afetados, sobretudo a saúde mental” informou.
Cristiane falou ainda sobre o Centro de Operações de Emergências em Saúde Pública – COES, de Brumadinho, que tenta identificar, quantitativa e qualitativamente os estabelecimentos de saúde e de interesse à saúde impactados diretamente pelo desastre, como monitorar a geração de resíduos de serviços de saúde por ocasião de doação de produtos químicos (medicamentos e outros produtos, materiais médicos, etc.) nos pontos de recebimento de doações.
“O nome do bicho é capitalismo”
Zé Geraldo, militante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), trouxe dados geográficos, físicos, químicos e biológicos, que mostraram as consequências após o rompimento das barragens em Mariana e Brumadinho: – “São 4 anos do crime na bacia do rio Doce e 1 ano do crime no rio Paraopeba, não se trata de um desastre ou de uma tragédia, é um crime. O nome é crime. Ficou mais do que provado que as mineradoras estavam cansadas de saber que as barragens iriam se romper, encontramos documentos com os valores já estipulados de indenizações que eles pagariam às vítimas! A Vale matou 700 quilometros de rio e está matando o litoral… as pessoas pagam hoje pela água envenenada que a indústria sujou. Quero fazer um pedido aqui no Simbravisa: olhem para questão da água após esses crimes, rico compra água mineral e pobre toma água de rio contaminado. Prestem atenção aos relatos de adoecimento, a maioria dos médicos aqui em Minas nem questionam se determinada doença pode ser fruto de contaminação e quem se beneficia é a empresa” disse Zé Geraldo.
O painel aconteceu horas depois de um terremoto de 3.2 na Escala Richter assustar os moradores de Congonhas e Zé Geraldo apontou os riscos: – “Congonhas tem barragem da Companhia Siderúrgica Nacional muito maior que as que romperam em Brumadinho, caso rompa, o rejeito chega em oito segundos a um bairro de mais de 5 mil habitantes no centro urbano do município. Lembremos que a barragem de Brumadinho tinha laudo de estabilidade, vocês acreditam em laudo que a própria empresa manda fazer?” questionou.
Geraldo abordou ainda a questão de uma possível descontaminação das áreas atingidas e citou o exemplo da Espanha na tragédia de Aznalcóllar, de acordo com o porta-voz do governo de Andaluzia, Juan Carlos Blanco, foi feito um investimento de 163 milhões de euros para conseguir recuperar as áreas atingidas: – “Quem acha aqui que a Vale pagaria isso? E mais, quem vai obriga-la a pagar isso? Nas últimas eleições quando as empresas ainda podiam fazer doação para campanha, as mineradoras doaram aqui em Minas para todos os candidatos, derrotados e vitoriosos, todo mundo levou. O nome do bicho é capitalismo, gente, o capitalismo financeiro que precisa explorar tudo para poder dar lucro, não tem outra saída, ou a a gente lida com o consumismo, ou vamos destruir nosso planeta e nossos netos vão comprar ar engarrafado igual a gente já está comprando água”.