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 NOTÍCIAS 

O problema grave da insalubridade nas prisões brasileiras

Flaviano Quaresma

No final de junho de 2017, o jornal O Globo publicou reportagem na qual divulga dados de pesquisa realizada pelo Instituto Igarapé, sobre óbitos de presos em presídios no Estado do Rio de Janeiro. A chamada destacou que cinco presos morrem por mês nos presídios fluminenses e que a maior parte é por doença. A Associação Brasileira de Saúde Coletiva, diante da alarmante situação, conversou com Martinho Braga e Silva, que além de ser coordenador da Comissão de Ciências Sociais e Humanas em Saúde da Abrasco, é pesquisador e professor do Instituto de Medicina Social da UERJ, e que concentra seus estudos para o tema. No próximo semestre, Martinho está com a disciplina “Tópicos especiais em Ciências Humanas e Saúde I: Saúde Penitenciária”, que se encontra com inscrições abertas entre 1º a 11 de agosto para alunos do Programa de Pós-Graduação do IMS e externos de outras Instituições.

De acordo com o pesquisador, hoje o maior problema do sistema prisional no mundo é o encarceramento em massa, fenômeno presente principalmente nos EUA na passagem do século XX para o XXI e em menor grau no Brasil. “Não sei ao certo qual é o maior problema do sistema prisional brasileiro, mas certamente insalubridade é um deles, superpopulação também.  A insalubridade dos presídios coloca as pessoas, que se encontram reclusas nestas instituições, em uma situação de vulnerabilidade. Elas podem adquirir outros agravos e doenças simplesmente por habitarem em celas geralmente sujas e mal-cheirosas”, ressalta. Apesar da Lei de Execução Penal estabelecer a “humanização” como filosofia para ressocialização tal como proposta no século 19, a expressão mais comum utilizada para se referir aos presídios brasileiros é de que eles são um “um barril de pólvora”. Um levantamento do Conselho Nacional do Ministério Público mostra que, entre 2012 e 2013, ocorreram 121 motins em 1598 unidades prisionais, com 700 mortes.

No estudo desenvolvido por Ana Paula Pellegrino, com dados divulgados pelo O Globo, entre 2010 e 2016, dentre as 442 mortes ocorridas nas cadeias, 278 ocorreram por doenças e 17 casos por insuficiência respiratória (mortes que o Ministério Público classifica apenas dessa forma e não como doença). E em 117 casos não se sabe o que causou a morte dos internos. Martinho, que participou das primeiras discussões sobre a criação de uma política de saúde para o setor penitenciário, disse que há denúncias, inclusive endereçadas à comissão interamericana de Direitos Humanos, e que a maioria é sobre insalubridade e superlotação. “Quem entra no sistema prisional tem mais chances de contrair doenças infectocontagiosas. Em alguns lugares a prevalência de tuberculose dentro dos presídios é 40 vezes maior do que fora”, conta.

Cecília Minayo, em pesquisa apresentada em novembro de 2016 no 7º Congresso Brasileiro de Ciências Sociais e Humanas em Saúde, em Cuiabá (MT), ressaltou que detentos reclamam da violência praticada por agentes e dizem que consideram correr risco de lesão ou morte nos presídios. “Nosso estudo identificou também que os níveis de depressão e estresse da população carcerária está muito acima dos diagnosticados na sociedade em geral. A qualidade nutricional das refeições é deficiente e há inadequação também quanto à qualidade sensorial, que leva em conta cor, textura e sabor, sendo a dos apenados inferior que a dos funcionários. Constatou-se ainda irregularidades nas condições higiênico-sanitárias das unidades, o que compromete a salubridade dos alimentos”, revela.

Martinho acredita que uma saída para parte dos problemas é a iniciativa de participação social das pessoas em situação de privação de liberdade, seja em conselhos de saúde seja através do investimento na formação de dezenas de agentes promotores de saúde, espécie de “agente comunitário de saúde” da prisão. “Uma pessoa privada de liberdade que compõe a equipe de saúde colaboraria em muito para alterar a situação carcerária atual, como mostra iniciativa na cidade de Uberaba-MG, nas quais estão envolvidas as pesquisadoras Cristiane Simon e Edna Valim”, disse.

O objetivo do levantamento realizado pelo Ministério Público e o Instituto Igarapé, é discutir a situação no sistema penitenciário do Rio e buscar soluções para os problemas. Uma delas é a reativação do Conselho da Comunidade, grupo formado por profissionais de diferentes instituições e da sociedade para auxiliar no contato com os presos. O sistema penitenciário do Rio tem 51 mil detentos divididos em 43 unidades. Apesar do alarmante índice dos dados da pesquisa, detalhes minuciosos ainda são precários. A maioria é composto de dados gerais e superficiais, como no caso das mortes indicadas por hemorragia (das quais não se tem dados sobre as causas), das mortes por insuficiência respiratória (das quais não se tem dados sobre as causas) e das mortes com causas “gerais” não informadas. Veja esses dados AQUI.

Cecília Minayo lembra que a prisão se apoia na crença de dois princípios fundamentais: a privação da liberdade para os que cometem transgressões às normas socialmente concertadas e o presumido papel do sistema em transformar os indivíduos “ressocialização”. “O ‘estatuto’ prisional é fundamentado pela ideia e a apreciação da liberdade individual e do quanto ela é cara e indispensável a qualquer ser humano, e assim, sua restrição funciona como penalidade.  A Lei de Execução Penal segue o mesmo rumo traçado pelo mundo ocidental em relação à punição do crime, visando a que sua aplicação redunde na ressocialização do preso. Ela estabelece que o objetivo do aprisionamento é oferecer condições para a harmônica integração social da pessoa sentenciada e internada. E estabelece como base do cumprimento das penas privativas de liberdade e restritivas de direitos, um programa individualizado. A assistência material, jurídica, educacional, social, religiosa, assim como a assistência em saúde está prevista, visando a colaborar para o retorno do preso à convivência em sociedade. Mundialmente, estima-se que a população encarcerada esteja em torno de 9,8 milhões”, pontuou a pesquisadora.

Martinho afirma que fortalecer o princípio constitucional da participação da comunidade, além daquele do atendimento integral e da descentralização da gestão, é uma das recomendações da pesquisa avaliativa coordenada por ele entre os anos de 2011 e 2013, que colaborou para a formulação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional em 2014. Detalhes constam no livro “Saúde Penitenciária no Brasil: Plano e Política”, publicado pela editora Verbena em 2015.

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