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O que fizeram com a saúde dos brasileiros – Entrevista de Jairnilson Paim ao portal Estadão

Bruno C. Dias

Em entrevista ao Blog de Ricardo Guerra, no site do jornal O Estado de S. Paulo, Jairnilson Paim, professor do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (ISC/UFBA), aborda como persistem nas práticas médicas as desigualdades sociais, o negativo legado da ditadura militar e seus reflexos no Sistema Único de Saúde (SUS) e outros aspectos das políticas públicas em saúde no país. Confira trechos da publicação e acesse na íntegra aqui.

Pergunta Blog: Um estudo recentemente publicado (Consejo Ciudadano para la Seguridad Pública y la Justicia Penal) apontou que existem 16 cidades brasileiras entre as 50 cidades mais violentas do mundo. O nosso país também tem uma série de outros problemas, como a pobreza, a desigualdade e outras questões relacionadas com a seguridade social (saúde, educação, previdência, transporte, etc.). O SUS tem condições de se tornar realmente eficiente e obter êxito dentro deste quadro social?

Jairnilson Paim: O conceito de intersetorialidade, de ação intersetorial, é muito importante para entender o papel do SUS nessa questão. A questão da violência é multicausal. Portanto, ela tem vários determinantes sociais. De fato, o SUS sozinho não pode fazer muita coisa contra a violência. No entanto, o SUS, além de atender emergências em domicílio ou nas ruas com o SAMU, também contribui através da vigilância epidemiológica. Esta vigilância é vital para poder entender a ocorrência e distribuição de atos de violência na sociedade e, portanto, tentar orientar um conjunto de iniciativas de controle. Contudo, o SUS somente pode trabalhar ou auxiliar no combate contra a violência de uma forma intersetorial juntamente com outros segmentos, como a educação, a segurança pública, a justiça, etc. Assim sendo, essa é a possibilidade de que uma política global de controle de violência venha a ter a participação da saúde. E com isso, eu acho que a questão da violência é exatamente uma das questões para as quais o SUS pode contribuir, mas insisto que somente dentro da perspectiva intersetorial.
Pergunta Blog: Você observa em um de seus artigos que a estabilização ou o ancoramento do conceito e da estrutura de seguridade social no Brasil foi estabelecido tardiamente em relação a varios países da Europa ocidental e a muitos outros. Quanto tempo depois começamos a trilhar por esse caminho?

Jairnilson Paim: Aconteceu quase 50 anos depois.
Pergunta Blog: E quais foram as consequências disso para o desenvolvimento do capital humano em nosso país?

Jairnilson Paim: Obviamente, este atraso teve consequências significativas, e de certa forma nós pagamos por isso até hoje. Certamente, unido a outros fatores sociais, o atraso que tivemos dentro da área da saúde contribui de certa forma para as sérias desigualdades sociais existentes em nosso país. Desde a época de Getúlio Vargas, nós temos tido uma política econômica que alguns economistas chamam de “fuga para frente.” Portanto, os gargalos estruturais da sociedade brasileira nunca foram enfrentados. Em algum instante você havia mencionado a política social do presidente Roosevelt, o New Deal. Aqui no Brasil, a gente não teve nada parecido com isso, nem sequer chegamos perto de tal proposta. De fato, as raízes da nossa dependência e as causas das nossas desigualdades nunca foram enfrentadas de forma arrojada por nenhum governo brasileiro. Nunca nenhum governo trabalhou com estas questões. O governo do João Goulart, somente pelo fato de acenar para algumas mudanças consideradas reformas de base, foi suficiente para dar espaço ao que aconteceu há 50 anos. Eu acho que o conceito de revolução passiva, explicado pelo autor italiano Antonio Gramsci, é muito interessante para poder entender a história do Brasil. Segundo esta perspectiva, entende-se por “revolução passiva” o ato de fazer mudanças e conservações simultaneamente, ou seja, é conservar mudando e mudando para conservar. Essa é uma ideia muito interessante. Não é somente o governo que age dessa maneira, a nossa sociedade também é assim. Alguns cientistas políticos brasileiros, como Luiz Werneck Vianna, aprofundam o assunto e falam que isso tem a ver com a nossa cultura ibérica. O Brasil precisa ser mais estudado. A maioria dos países europeus se desenvolveu através da revolução passiva e não da revolução do tipo jacobino, e isso é muito próximo da situação brasileira. Nós somos diferentes da Argentina, de Cuba e do próprio Haiti. Este último foi um dos primeiros países a fazer uma revolução mais significativa e depois entrou em desgraça. Vou terminar com uma divagação peculiar. Imagine que “quem vai fazer a independência do Brasil”, com o grito do Ipiranga, é o neto de Dona Maria, a mesma que manda enforcar Tiradentes. Você pode imaginar isso? A Dona Maria era mãe de Dom João VI, e diziam que ela era louca.
Pergunta Blog: Então, a estratégia de governo do presidente Getúlio Vargas tinha um pouco desse conceito de revolução passiva, imbuída dentro do sistema?

Jairnilson Paim: Esse é um grande exemplo de um governo utilizando o conceito de revolução passiva. Eu acabei de ler os dois primeiros volumes da biografia do Getúlio, cujo autor é Lira Neto. Ele era incrível. Ele circulava entre os interesses do capital e do trabalho com uma desenvoltura e com uma habilidade genial. Ao mesmo tempo, que ele se colocava como “pai dos pobres”, ou como defensor dos trabalhadores, ele estava viabilizando um determinado tipo de desenvolvimento capitalista no Brasil, dependente do Estado. No entanto, eu não vou afirmar que ele tinha isso tudo na cabeça, mas quando você vai vendo os atos dele e os movimentos que ele vai realizando na história do Brasil, você percebe que isso foi sempre no sentido de conciliar os interesses divergentes. Por exemplo, se existia o Partido Comunista no Brasil, tentando se aproximar dos sindicatos, ele criava o PTB para não dar espaço aos comunistas. Ao mesmo tempo, ele criava o PSD para apoiar os grandes latifundiários brasileiros e não fazia reforma agrária. Sua desenvoltura e articulação dentro do aparelho de Estado eram incríveis.
Pergunta Blog: Em relação a alguns indicadores como a mortalidade infantil, o saneamento básico entre outros, qual foi o legado da ditadura militar?

Jairnilson Paim: No início, especialmente no período da ditadura que vai de 1964 até 1973, os indicadores de saúde, de modo geral (a mortalidade infantil, as mortalidades diversas, a morbidade, etc.), apontam para um agravamento da situação sanitária no Brasil. Também aumentaram os acidentes de trabalho, a prevalência da doença de chagas, a esquistossomose, a incidência da tuberculose, etc. Além disso, várias epidemias surgiram, como a meningite. Somente com a chegada de Ernesto Geisel é que observamos uma reversão parcial de alguns destes indicadores. No entanto, somente obtivemos ganhos e progressos indiscutíveis em termos epidemiológicos e sanitários com a chegada do SUS. De fato, temos muitas evidências disso.

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