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O que há por trás das discussões dos planos de saúde na Câmara

Flaviano Quaresma


Uma comissão especial da Câmara dos Deputados discute 140 projetos para alterar a Lei 9.656/98, que fixa normas sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde. O relator, deputado Rogério Marinho (PSDB-RN) pode apresentar em julho seu parecer.

Alterar a cobertura dos planos e rever o ressarcimento do Sistema Único de Saúde (SUS) são alguns dos pontos em discussão no colegiado. A matéria tramita em regime de urgência e chegou a entrar na pauta do Plenário da Câmara no início do mês, mas não foi apreciada.

Por outro lado, o setor o aguarda a resposta da Agência Nacional de Saúde (ANS) sobre a proposta dos chamados planos de saúde populares. O documento foi enviado para a agência em março pelo Ministério da Saúde.

Dentre os pontos sugeridos estão estabelecer a obrigatoriedade de segunda opinião médica para procedimentos de alto custo, aumentar os prazos para marcação de consulta ou de cirurgias programadas e que o reajuste seja feito por planilhas de custo e não pela média de preços cobrados nos planos de saúde coletivos.

O grupo de trabalho organizado pelo ministério também propôs aumentar em 50% a coparticipação do usuário. Nessa modalidade, o paciente paga, além do valor mensal do plano, uma taxa a cada vez que passar por uma consulta ou fizer um exame, por exemplo.

Outra medida sugerida foi a regionalização dos planos, que desobriga empresas a ofertarem serviços indisponíveis na região. Na prática, a medida pode impedir o acesso de usuários no interior a alguns exames, por exemplo.

Devido ao amplo número de propostas discutidas na comissão, não é possível saber, em detalhes, quais alterações deve ser feitas. A falta de transparência na discussão é um dos pontos criticados por especialistas.

“Os 140 projetos de lei não tratam desses temas (dos planos de saúde populares), mas da ampliação da cobertura, isonomia, então estranhamos quando vimos que as discussões não estavam em torno dos PLS, mas de rever o ressarcimento ao SUS e o rol de cobertura (…) Não é um debate documentado”, afirmou ao HuffPost Brasil Ana Carolina Navarrete, pesquisadora em saúde do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor).

Nas audiências públicas na Câmara, representantes de empresas defenderam os planos regionalizados, a coparticipação e uma nova definição do rol de cobertura como forma de reduzir os custos das empresas.

De acordo com o diretor-executivo da Federação Nacional de Planos de Saúde (FenaSaúde), José Cechin, de 2007 a 2016, o reajuste de preços feitos pelas operadoras de planos de saúde foi de 115,4%, diante da inflação de 74,7% (IPCA). Ele destaca, contudo, que a despesa assistencial per capita paga pelas operadoras aumentou 158,7%.

“Os reajustes autorizados foram altos e pôem as pessoas que pagam em dificuldades crescentes. Entendemos essa dificuldade. Mas o fato é que os reajustes são altos porque as despesas têm crescido nessa faixa e se a operadora não repassa para as mensalidades os custos ela vai em pouco tempo entrar em insolvência”, afirmou Cechin ao HuffPost Brasil.

A fim de reduzir a judicialização na área, a FenaSaúde defende uma alteração na lei dos planos para que “a ANS possa definir o rol de cobertura e que faça uma análise efetiva de custos e acompanhe o relatório de impacto financeiro das mensalidades dos planos”, de acordo com Cechin. A entidade, contudo, é contra a redução dos serviços oferecidos pelos planos.

O faturamento das operadoras de planos de saúde aumentou 12,8%, para R$ 158,3 bilhões, em 2016. Os custos, por sua vez, cresceram 14,4% para R$ 125,5 bilhões, segundo dados da ANS. O setor encerrou o ano passado com lucro de R$ 6,2 bilhões, o que representa um crescimento de 70,6% quando comparado a 2015.

Marinho, que foi relator da reforma trabalhista na Câmara, defende a revisão da Lei a fim de preservar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos, para garantir a “saúde” das empresas. Ele pode abordar aspectos dos planos populares em seu parecer. Na interpretação do Idec, a regionalização, por exemplo, não poderia ser tratada por meio de resolução da ANS.

Nesta semana, o Idec, junto com outras entidades, como a Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva) e o ProconsBrasil, divulgaram um manifesto contra as alterações em discussão na Câmara.

Em meio à crise política e de credibilidade do Congresso Nacional, esta é mais uma afronta à sociedade. É inaceitável o método de trabalho da comissão especial, funcionando em regime de urgência, com a realização de poucas audiências públicas sobre um tema que requer discussões aprofundadas e com ampla participação de todos os segmentos interessados.

De acordo com o manifesto, há 47,6 milhões de consumidores de planos de assistência médico-hospitalar individuais, familiares e coletivos. O texto destaca a “crescente insatisfação” dos brasileiros devido a exclusões de cobertura, barreiras de acesso para idosos e doentes crônicos, reajustes proibitivos, rescisões unilaterais de contratos, demora no atendimento e problemas na relação entre operadoras e prestadores de serviços.

O documento chama atenção também para as relações entre os parlamentares e as operadoras. Conforme dados da Justiça Eleitoral, empresas do setor doaram R$ 54,9 milhões nas eleições de 2014, o que contribuiu para eleger 29 deputados federais e 3 senadores.

O próprio ministro da Saúde, Ricardo Barros, deputado federal licenciado, teve como principal doador da campanha Elon Gomes de Almeida, sócio do Grupo Aliança, administradora de benefícios de saúde, que disponibilizou R$ 100 mil para o então candidato. O presidente da comissão, deputado Hiran Gonçalves (PP-RR) é próximo ao ministro.

Especialistas apontam que o setor tem sido beneficiado pelo Congresso Nacional “desde a aprovação da lei 9656/98, que contém várias lacunas e brechas a favor desse mercado”.

O lobby empresarial impediu os trabalhos da CPI dos planos de saúde, conseguiu emplacar representantes do setor em cargos diretivos da ANS e obteve a aprovação de medidas provisórias que garantem não pagamento de multas, refinanciamento de dívidas, subsídios, isenções, anistias fiscais, autorização do uso de reservas técnicas até em aplicações financeiras e outros benefícios econômicos.Manifesto de entidades contra mudanças nos planos de saúde.  – Manifesto de entidades contra mudanças nos planos de saúde

De acordo com Ana Carolina Navarrete, a proposta dos planos populares tem como objetivo a desregulamentação do setor. “Empresa vai poder descumprir o prazo ou negar cobertura e o consumidor não vai conseguir se proteger. Está criando um setor subregulado”, afirma. Estudo do Idec mostra que 118 plano de saúde em São Paulo cobram até R$ 340,00.

Professor do departamento de Medicina Preventiva da Universidade de São Paulo (DMP/FM/USP) e vice-presidente da Abrasco, Mário Scheffer também critica o debate na Câmara. “Um Congresso com crise de credibilidade e como os interesses particulares empresariais estão muito próximos, os setores se aproveitam de um momento de fragilidade política e institucional para emplacar agendas, o que é perigoso”, afirmou ao HuffPost Brasil.

Na avaliação de Scheffer, a comissão pode ainda neutralizar projetos que propõem a expansão de coberturas. “Um projeto aprovado há pouco tempo obrigou os planos a oferecer quimioterápicos orais. Foi preciso uma lei para garantir isso. Tem vários outros para garantir reprodução assistida, atendimento a gestante antes da carência do plano obstétrico, detalhes que respondem a demandas concretas vividas pelo paciente”, afirma.

Em nota, a Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde) afirma que pesquisa Ibope feita a pedido do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), mostra que 80% das pessoas estão satisfeitas ou muito satisfeitas com o seu plano de saúde e o principal motivo é justamente a qualidade do atendimento.

De acordo com a entidade, levantamento do Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor, mostra que em 2016 o setor de planos de saúde recebeu 35.318 notificações dentre 1,5 bilhão de atendimentos realizados, o que equivale a 0,002% do total.

Procurado pela reportagem, o Ministério da Saúde afirmou que cabe à ANS se manifestar sobre o assunto. Ao enviar a proposta dos planos populares para ANS, a pasta não defendeu oficialmente a proposta, mas disse que as medidas visam “dar alternativa aos 2 milhões de brasileiros que perderam seus planos de saúde”.

A ANS informou que não há previsão para se posicionar sobre o tema. A agência organiza desde a última quarta-feira (28) até esta sexta-feira (30) um encontro com especialistas e integrantes do setor sobre os planos acessíveis.

Após essa etapa, a ANS fará a compilação das contribuições recebidas e apresentará um relatório à Diretoria Colegiada da Agência para deliberação e encaminhamento ao Ministério da Saúde.

Texto de Marcella Fernandes, da HuffPost Brasil.

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