O poder Legislativo, com anuência do Executivo, vem maltratando cada vez mais o Sistema Único de Saúde (SUS), sem levar em consideração que, ao assim fazer, maltratam o povo brasileiro. Essa é a conclusão do artigo de José Agenor Álvares da Silva, ex-ministro da Saúde, ex-diretor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e atualmente pesquisador da Fiocruz Brasília, publicado no último 15 de julho, na coluna Opinião do jornal carioca O Globo.
No artigo O que importa realmente são as pessoas, Agenor aborda os malefícios da aprovação da emenda batizada de “Orçamento Impositivo” em março deste ano, que se apropriou do anseio popular gerado pelo projeto de Lei de Iniciativa Popular (PLP n. 123/2012), liderado pelo movimento Saúde + 10, mas, por meio de outra letra legislativa, transformou-o numa resposta mesquinha e apequenadora. Ao definir o uso de 15% das receitas correntes líquidas até o ano de 2020, o governo reduziu, na prática, os valores repassados à pasta. Além disso, para o autor, “esse valor poderá ser modificado com contingenciamentos sem levar em conta a prioridade do setor”.
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Agenor questiona ainda a destinação de verbas da saúde por meio de emendas parlamentares e atreladas aos resultados do pré-sal. Ambas foram consignadas não como fontes complementares, mas fontes finais do orçamento da Saúde, deixando o setor nas mãos de interesses paroquiais e da flutuação do mercado e das crises, realidades totalmente distintas das reais necessidades do SUS e da população.
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Ao final, o ex-ministro relembra o questionamento que os dirigentes brasileiros ouviram do então presidente da Organização Mundial de Saúde, Halfdan Mahler, na abertura da 7ª Conferência Nacional de Saúde, em 1980, e que continua atual dado o cenário de descaso com a saúde pública e com a vida das pessoas. Leia abaixo o artigo na íntegra ou acesse no site do jornal O Globo.
“A Emenda Constitucional nº 86/2015, mais conhecida como emenda do “orçamento impositivo”, trará consequências altamente negativas para o financiamento da Saúde no Brasil a partir de 2016. É o que avaliam gestores públicos e de dez entre dez economistas que analisam os gastos federais com o setor.
Ao não convalidar projeto de inciativa popular, com mais de dois milhões e duzentas mil assinaturas, que propunha a vinculação dos recursos do governo federal em 10% das receitas correntes brutas para a Saúde criou-se um vácuo. O projeto perdeu o espírito inicial e foram produzidas modificações fortemente prejudiciais ao setor.
A principal modificação se deveu à vinculação de 15% das receitas correntes líquidas, escalonado em cinco anos, iniciando em 2016 com 13,2% do orçamento, até se atingir o valor aprovado apenas em 2020. A exemplo do que ocorreu com o orçamento de 2015 para a saúde, esse valor poderá ser modificado, com contingenciamentos sem considerar as prioridades do setor.
Duas outras medidas, igualmente danosas ao financiamento do setor saúde, também foram incluídas: a destinação de emendas parlamentares impositivas para compor o orçamento do Ministério da Saúde e os recursos provenientes da exploração do petróleo no pré-sal. Essas duas medidas foram consignadas, não como fontes complementares como se esperava, mas como fontes próprias do orçamento, absolutamente na contramão de qualquer racionalidade política.
A primeira medida visa a compromissos paroquiais dos parlamentares com suas bases políticas, que mesmo justas, na maioria das vezes, não guardam relação direta com a política de saúde. Já a segunda, da extração de petróleo em águas profundas, cuja expectativa inicial, de se tornar uma fonte complementar de recursos para o já minguado orçamento, se frustrou, pois foi elevada à categoria de fonte substituta.
Essa emenda aprofundou ainda mais o abismo existente entre as necessidades de atenção à saúde das pessoas e a capacidade do estado em provê-las. Já o Sistema Único de Saúde (SUS), de maior política de inclusão social capitulada na Constituição, está a caminho de um colapso, mais parecido com um paciente em estado terminal. Estará em curso algum estudo de modelo alternativo, tipo contributivo ou subsidiado, a ser oferecido à população para “livre escolha”?
Na abertura da 7ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em Brasília nos idos de 1980, o então presidente da Organização Mundial de Saúde, Halfdan Mahler, em pronunciamento de abertura daquela conferência, perguntou aos dirigentes brasileiros presentes: “Os senhores estão dispostos a defrontar seriamente o abismo que separa os “privilegiados” dos “despossuídos” em matéria de saúde e a adotar medidas concretas para reduzi-lo? E como conceber o sistema mais eficaz de prestação de serviços de saúde partindo da base de que o que realmente importa são as pessoas?”
Esse discurso de Mahler veio ao encontro da luta empreendida por amplos setores da sociedade brasileira à época, de mudança de um sistema previdenciário e excludente, então vigente, para um sistema de saúde pública sem distinção de direitos. Essa luta social culminou na criação do SUS, estatuído na Constituição.
O SUS, que sempre foi marca de cidadania e direitos para toda a população, sem distinção de classe, clama por um financiamento público, com responsabilidade cívica do Executivo, do Legislativo, do Judiciário e também da sociedade. Porque, o que realmente importa são as pessoas”.