O cálculo dos índices de preços na saúde é cercado de controvérsias.
Uma delas é ausência de informações sobre qual parcela desse incremento se deve ao aumento da quantidade consumida de serviços médico-hospitalares e qual se deve ao aumento de preços, considerando a evolução dos custos, a introdução de novas tecnologias, entre outros fatores.
No IPCA/IBGE, a saúde está dividida em três subgrupos: (i) cuidados pessoais; (ii) produtos farmacêuticos e óticos; e (iii) serviços de saúde. Para monitorar a variação de preços dos planos, a ANS registra os percentuais de reajuste incidentes sobre os contratos assinados com período de um ano ou mais. A cada mês e em cada região do país, as operadoras com maior número de usuários são visitadas, obtendo-se a informação do percentual de reajuste aplicado sobre a mensalidade dos contratos que aniversariam no mês da pesquisa.
Paralelamente, a ANS estabelece um índice de reajuste dos planos individual e familiar, a partir da média dos aumentos dos planos coletivos nos doze meses anteriores. Essa metodologia, inspirada no modelo de regulação por desempenho, procura reduzir custos e mitigar as assimetrias de informação, ao definir o teto de reajuste com base em um mercado de referência. Cabe assinalar que, em muitos casos, os planos empresariais abrangem indivíduos não organizados e sem capacidade de negociar os preços dos contratos realizados entre os empregadores e as operadoras, dando condições a essas últimas de impor seus preços nesse nicho de mercado não regulado.
Considerando tais imperfeições, para atenuar o alarmismo em torno do debate acerca do reajuste dos planos, parece relevante esclarecer que a taxa de inflação da saúde – medida pelo IPCA – pode ser vista como uma aproximação da trajetória dos custos do setor (expurgado o item plano de saúde), uma vez que os bens e serviços na saúde demandados pelos consumidores equivalem à cesta das operadoras de planos de saúde.
Propagandeia-se que essa taxa não capta o aumento da frequência de utilização e a incorporação de novas tecnologias, mas vale destacar que: (i) esse índice é composto de preço, mas também das quantidades fixas em determinado período de tempo; (ii) o reajuste adicional por faixa etária já carrega no preço a probabilidade de aumento da taxa de utilização; (iii) índices de preço da saúde captam de forma problemática aumentos de preços decorrentes da introdução de tecnologias (por exemplo por causa da dificuldade de mensurar a produtividade média do trabalho); (iv) na carteira dos planos empresarial e coletivo por adesão, as operadoras procuram embutir na negociação do prêmio toda variação esperada de preços e quantidades com profissionais de saúde, hotelaria, material médico-hospitalar e medicamentos (inclusive as atividades administrativas e os custos relacionados à propaganda e à corretagem) – influenciando o nível do teto de reajuste dos planos individuais; (v) desde 2009, a ANS inclui parcela suplementar de aumento nesse teto de reajuste referente ao impacto da atualização do rol de procedimentos.
Cabe finalmente lembrar que, somente no ano de 2015, os planos de saúde foram patrocinados com R$ 12,5 bilhões em subsídios originados no abatimento do imposto a pagar no IRPF e no IRPJ, magnitude que por si só deveria chamar atenção das autoridades governamentais quanto aos reajustes abusivos praticados pelo setor privado.
Além da regulamentação do setor hospitalar e do próprio complexo médico-industrial, uma alternativa mais robusta seria construir um índice específico voltado para os hospitais, semelhante ao Índice de Preço ao Produtor (Producer Price Index – PPI), implantado nos Estados Unidos em dezembro de 1991, uma vez que a discussão sobre a aplicação de um reajuste com base na variação do custo médico-hospitalar (VCMH) tem espelhado, na verdade, a variação dos gastos das operadoras com consultas, exames, procedimentos diagnósticos-terapêuticos e internações (e não a variação dos custos dos prestadores).
Nesse quadro, apesar da escandalosa institucionalização das franquias e dos co-pagamentos, se não bastassem as negativas de cobertura, resta saber se a ANS continuará permitindo que os consumidores percam mais uma vez: entre maio de 2000 e abril de 2018, medida pelo IPCA, a taxa de inflação acumulada da economia foi de 208%, do setor saúde foi de 220,8% e dos planos de saúde foi de 382% – diferença que penaliza de forma acelerada o orçamento dos trabalhadores e dos empregadores com impactos negativos sobre o bem-estar das famílias brasileiras.
Ocké é Economista, doutor em Saúde Coletiva e pós-doutor pela Yale School of Management é Técnico de Planejamento e Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea e atual presidente da Associação Brasileira de Economia da Saúde – ABrES.