Na manhã desta terça-feira 15 de agosto, o ministro da Saúde Ricardo Barros voltou a defender a criação dos chamados planos populares com cobertura e custo reduzidos, em um novo modelo ainda em discussão —, já de olho nas eleições de 2018, ele confirmou sua candidatura para deputado federal no Paraná e sustenta que o mercado de saúde suplementar deveria ser livre, incluindo o reajuste das mensalidades dos planos individuais, atualmente regulado pelo governo.
— Tudo que puder ser financiado ou cofinanciado pelo cidadão (pela participação em exames e atendimentos junto ao plano de saúde) alivia o SUS, melhora o atendimento, que fica menos demorado, principalmente, para quem depende 100% do sistema público — disse o ministro durante o primeiro dos três encontros para debater novos modelos de saúde no Brasil, realizado pelo jornal O Globo. Ricardo Barros, reconhece que a doença move o faturamento do sistema: — Hoje, nosso sistema funciona por demanda. Se ninguém ficar doente, todo mundo quebra. São forçados pedidos de exames, consultas, órteses e próteses, que encarecem o sistema para gerar faturamento para a estrutura conforme está concebida. Se sairmos desta armadilha de pagar por procedimento, o sistema custará mais barato e a promoção de saúde será o carro-chefe.
Também participou do debate a professora Ligia Bahia, uma das principais especialistas no setor de saúde no país e membro da Comissão de Política, Planejamento e Gestão em Saúde da Abrasco. Ligia chamou atenção, durante o debate, para o peso da desigualdade econômica no mapa de cobertura de saúde no país: — A cobertura no Brasil é muito desigual. Em planos de saúde, ela segue a renda. O plano mais barato seria dedicado para as pessoas com menor instrução e renda, que são também as pessoas com mais problemas e dificuldade de acesso à saúde. O problema principal da organização dos recursos assistenciais não é a propriedade pública ou privada, mas a alocação desequilibrada desses recursos.
Ligia avalia que o equilíbrio entre os sistemas público e privado deve ser feito através da definição de prioridades focadas em promoção de saúde. E cita o bem-sucedido avanço no combate à taxa de mortalidade infantil, uma conquista da rede pública. Ela se mostra cética quanto à mudança no modelo de remuneração, já que os planos, hoje, são donos de laboratórios e hospitais:
— Os hospitais dos planos têm contas abertas. E o modelo por procedimento rende mais. O problema é como se organizou o setor privado no país, que, além de tudo, tem muito subsídio público.
Confira aqui a apresentação feita pela professora Ligia Bahia
Ainda na opinião de Ligia Bahia: – “Estas “operadoras” como eles chamam, e que eu chamo “empresas”, que são donas de hospitais, não têm um modelo que seja mais virtuoso do ponto de vista da racionalidade, do discurso, por que? E poderiam, pois a Unimed tem hospitais, a Amil tem hospitais, a Medial tem hospitais, mas optaram por jogar seus hospitais na concorrência de outros hospitais. Os hospitais da Amil atendem planos de saúde de outras empresas. Essa é uma opção que encarece tudo. Esse modelo de concorrência, que tem que ser confrontado, é um modelo que se concorre pela incorporação de tecnologia. Todos os anúncios de planos de saúde dizem parece que estamos em outro século: e eu pergunto, qual é o outro século? Em outra publicidade eles dizem aqui se faz medicina de altíssima qualidade e aí aparece um robô fazendo uma cirurgia, e eu pergunto, esse hospital é de quem? De uma operadora”, argumenta Ligia.
Ligia diz ainda que é falsa a ideia de que existe uma divergência entre as empresas de planos de saúde e os hospitais, é o contrário. Segundo a professora o padrão de concorrência é muito estranho, porque se esperou verticalização e nada disso aconteceu: – “Sabiam que mesma empresa de plano de saúde é dona da principal rede de diagnósticos do Brasil. Aqui no Brasil pode, é assim. Por que os preços são tão elevados se essa empresa de plano de saúde é a dona da empresa de diagnóstico? Porque a empresa de diagnóstico vende para todo mundo. É o modelo que tem sido bem-sucedido. Mas precisa ser esclarecido, porque senão a gente fica cansado desses debates, a gente não avança. Não se pode tratar o setor privado como se fossem segmentos separados, como se houvesse uma empresa de plano de saúde que está separada do hospital e que tá separado do diagnóstico e terapia. São grandes grupos empresarias que atuam de maneira coordenada, no sentido desse padrão de competição – que pode ser interessante para os grupos empresariais, mas para o país não é. Para o país isso terá consequências dramáticas. Sobre o envelhecimento, e a população brasileira está envelhecendo, se as empresas de plano de saúde não quiserem atender a população brasileira que é assim, que está envelhecendo, que atendam então lá na Tailândia! Porque se quer vender plano de saúde, vai ter que vender plano de saúde para uma população que envelhece. Mas afinal quais são as prioridades de saúde? Se isso não está definido, se a gente não tem um sistema de saúde que responda aos problemas de saúde, certamente será mais uma promessa não cumprida. Como várias gestões anteriores se falou sobre prontuário eletrônico único, etc., e na realidade o que a gente tem é uma profusão de mini sistemas de informação, cada Organização Social tem um sistema de informação, cada empresa tem um sistema de informação, mas de qualquer maneira o Ministério da Saúde está fazendo um esforço muito grande de unificação e isso tem que ser saudado positivamente. A gente não consegue fazer esse relacionamento entre o que acontece aqui, o que acontece ali… fica sempre uma imputação, uma estimativa. E isso impede que a gente avance no próprio conhecimento. Mas é isso que temos. Eu diria que isso já foi um grande problema para o Brasil, mas não é mais esse, é segurar o que ainda está escorado para não desmontar inteiramente. A gente tá com um sistema de saúde completamente abalado em seus alicerces, essa fala do ministro foi otimista, muito interessante como ele foi otimista, e vai se candidatar, e etc. Muito positiva a intervenção dele, mas eu diria que tem muitos problemas. Muitos problemas. Eu diria que ele gosta muito de enfatizar apenas os aspectos positivos”, opina Ligia.
“Saúde pública e suplementar — Um sistema único” foi debate realizado, ontem, no Museu de Arte do Rio. O evento contou ainda com a participação de Claudio Lottenberg, presidente do UnitedHealth Group Brasil, dona da Amil; de Luiz Augusto Carneiro, superintendente do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS); e a mediação de Luciana Casemiro, editora da seção Defesa do Consumidor.