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‘O SUS está sendo estraçalhado’ entrevista de Gastão Wagner para a Tribuna do Norte

A valorização do Sistema Único de Saúde – SUS, com a criação de plano de carreira, investimentos em equipamentos e na formação e real articulação com demais redes de atenção são apontados como fatores “fundamentais” para melhoria da saúde pública no Brasil pelo médico sanitarista e presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva – Abrasco, Gastão Wagner Campos. Para o especialista,  falta prosseguir na reforma administrativa e do modelo de gestão do SUS.

O médico alega que o SUS está fragmentado, dividido, com políticas e programas diferentes conforme o governo, conforme seja da União, dos estados ou dos municípios. “O SUS está dividido entre atenção primária, hospitais, ambulatórios, urgência, saúde mental, etc. O SUS está sendo estraçalhado entre serviços públicos, organizações sociais, fundações, entidades filantrópicas, uma Babel em que não há solução gerencial mágica. O SUS sofre com as mesmas mazelas do Estado brasileiro: ineficiência, privatização de interesses, clientelismo, burocratização.  Precisamos, urgente, de uma reforma do modelo de gestão que diminua o poder discricionário do poder executivo e que assegure sustentabilidade e continuidade ao SUS”, disse o médico.

Ele participa em Natal do 3º Congresso Brasileiro de Política, Planejamento e Gestão em Saúde, promovido pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva , em parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN. As atividades foram iniciadas nesta segunda-feira (1º) e seguem até a quinta-feira (4), no Centro de Convenções de Natal. Com o tema “Estado e Democracia: o SUS como Direito Social”, o congresso busca promover a articulação entre esses diversos setores, gerando conhecimento, assim como a formulação e a implantação de políticas para a solidificação do Sistema Único de Saúde no Brasil.

Entre os congressistas ainda estão nomes importantes, como o professor de economia também da Unicamp e articulista da revista Carta Capital, Pedro Paulo Bastos; o assessor da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), psiquiatra e pesquisador italiano, Ernesto Venturini; a economista e mestre em seguridade social Alejandra Carrillo Roa; e o jornalista Daniel Brunet (O Globo).

O evento reúne cerca de dois mil participantes entre estudantes, professores universitários, gestores públicos e convidados internacionais, como os representantes da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), responsável pelo envio dos médicos cubanos ao Brasil através do Programa Mais Médicos.  Serão debates importantes, com cerca de 1.900 trabalhos inscritos entre painéis, folders e mesas de discussão, segundo o organizador do evento e professor da UFRN, Cipriano Maia.

Confira a entrevista que o Tribuna do Norte realizou com Gastão Wagner de Souza Campos:

Qual é hoje o principal problema do SUS? É de logística? Estrutura? Financiamento?

São muitos problemas. Mas os principais passam pelo financiamento e gestão. Apesar de se chamar sistema único, o SUS é muito fragmentado entre as políticas, programas, ações e municípios. Cada um tem estratégias diferentes de atuação, e isso impossibilita desde um problema hospitalar como enfrentar os problemas de dengue. O SUS está sendo estraçalhado entre serviços públicos, organizações
sociais, fundações, entidades filantrópicas, uma Babel em que não há solução gerencial mágica.  Isso é um problema de gestão. A gestão do Estado brasileiro é muito contaminada pelo clientelismo, interesses partidários, privados e pela corrupção. O SUS conseguiu se proteger em parte disso mas não completamente.

Como isso se exemplifica no dia-a dia?

Pela dificuldade de fazer licitações, sai verba para construir hospital e não se constrói. O povo brasileiro não confia no Estado, com base em evidências. Em Portugal, por exemplo, os cargos de gestão e administração da saúde são feitos por concursos internos, no Brasil, todos os cargos são de confiança. Os prefeitos indicam, e o critério são é de competência, e isso fazer parte de um grupo político. Outro problema é que o SUS não desenvolveu uma política de pessoal adequada, não tem carreira. Por isso faltam médicos, enfermeiros, os salários são diferentes nos municípios. A gente enquanto população também cobra mal. O trabalhador do SUS não presta conta sobre o seu trabalho. O Estado desrespeita os direitos dos profissionais, que não tem estímulo e não consegue cobrar.

Qual o lado positivo?

Apesar dos problemas, o SUS passou a ter uma importância muito grande para a população brasileira, apesar dos problemas estruturais, que vem da falta de recurso e gestão. A gente critica muito as filas, a degradação do atendimento de urgência e emergência, um conjunto de problemas, mas o SUS tem programas muito sofisticados, muito efetivos, como o companhamento aos diabéticos, medicação básica, insulina, equipes multiprofissionais, médicos generalistas, saúde da família, enfermeiros.

Um dos fatores seriam as dificuldades para estados e municípios assumirem a parte que lhes cabe nessa engrenagem?

O modelo de gestão deve mudar. Ter política de pessoal nacional e não em cada município. Não dá para cada município ter um hospital especializado, tem que ter uma organização regional no mundo inteiro é assim. A gestão regional deveria ser feita em acordo entre os partidos, com critérios técnicos.

Qual é sua avaliação sobre o papel das cooperativas nessa engrenagem da Saúde Pública?

O SUS é um sistema público, mas que dependem muito do setor privado, como é o caso das cooperativas. Das 75% das pessoas que precisam do sistema, a capacidade é de atender somente 40%. O SUS compra muito serviço do setor privado. Se o contrato com essas cooperativas fosse bem feito da perceptiva sanitária e técnica e seguirem as regras, não há problema. O que não pode acontecer é comprar e deixar solto. O que a gente é contra é pegar serviços públicos e privatizar por causa de problemas. O que tem acontecer é melhorar a
gestão.

Isso transformou-se em um problema de gestão? Acaba desviando o foco da gestão?

Sim. Se você privatiza a saúde, não tem porque cobrar imposto público. Se a privatização completa acontecer isso vai se tornar uma barbárie, é inviável, é um desastre sanitário. Por isso o SUS tem sido desconstruído gradativamente, os políticos estão reduzindo o financiamento e isso é uma desgraça para  a população. Ainda é feito algo por empenho das equipes, quanto mais um bairro consegue acompanhar e fiscalizar menor é o espaço de manobra para se fazer políticas partidárias, clientelismo e caixa 2. Apesar de ser um sistema nacional, o SUS é heterogêneo no Brasil.

Os problemas de saúde pública são os mesmos em maiores e menores capitais, como São Paulo e Natal?

Sim. A violência que mata é uma delas. Como isso não é enfrentado cronicamente, isso continua acontecendo. A maioria dos que morrem são jovens, soldados do narcotráfico e da segurança pública, que se enfrentam. Em geral, a região urbana, diferente da rural, sofre dos mesmos problemas.

O governo tentou reduzir o déficit de médicos no interior através do “Mais Médicos”. Qual é sua avaliação sobre essa medida?

O programa Mais Médicos foi uma das coisas mais importantes que já fizeram. Apesar de ser uma gambiarra, aumento em 30% a capacidade de atendimento da atenção básica. Os municípios não conseguiam contratar médicos, e o Ministério da Saúde interviu. Enquanto não existir um planejamento de carreira para profissionais da saúde, vamos continuar dependendo dessas gambiarras. É uma prova de que os municípios não fazem saúde sozinhos. Com o Mais Médicos, se dobrou a capacidade de atendimento à população mais carente

 

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