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Obesidade e diabetes: epidemias silenciosas – artigo de Carlos Monteiro

Carlos Monteiro *

A Pesquisa Nacional de Saúde do IBGE em 2013 trouxe más notícias para a Saúde Pública ao evidenciar que a obesidade afetava um quinto da população adulta do Brasil, ou mais de 28 milhões de pessoas, e que 6,2%, ou mais de oito milhões de brasileiros adultos, relatavam diagnóstico médico de diabetes.

A pesquisa anual Vigitel, realizada pelo Ministério da Saúde com apoio da USP nas capitais de todos os 26 estados brasileiros e no Distrito Federal, revela números semelhantes em 2016: 18,9% de adultos obesos e 8,9% com diagnóstico de diabetes. Revela também que desde 2006, ano de início dessas pesquisas, a prevalência da obesidade e do diabetes vem aumentando à razão de 0,7 e 0,3 ponto percentual ao ano, respectivamente.

Isso significa que nessas 27 cidades brasileiras a cada ano surgem mais de 200 mil novos casos de obesidade e mais de 60 mil novos casos de diabetes: ainda que silenciosas, verdadeiras epidemias.

Extrapolando os números do Vigitel para o Brasil, podemos estimar que, no período 2006-2016, o contingente de obesos no país aumentou em quase dez milhões, e o de diabéticos, em quase três milhões.

Ainda que castigando mais os mais pobres, a epidemia de obesidade e diabetes atinge todas as classes sociais. Na população adulta de baixa escolaridade, a obesidade quase dobra entre 2006 e 2016 (de 13,5% para 23,5%), enquanto o diabetes mais do que dobra (de 7,2% para 16,5%). Entre pessoas com curso superior, no mesmo período, tanto a obesidade quanto o diabetes aumentam em 50% (de 9,6% para 14,9% e de 3,3% para 4,6%, respectivamente).

Vários estudos realizados pela Universidade de São Paulo nos últimos dez anos evidenciam que o aumento da obesidade no Brasil, e em vários outros países, está fortemente associado à crescente substituição de alimentos in natura ou minimamente processados como água, leite, frutas, feijão, arroz, hortaliças, carne e preparações culinárias tradicionais desses alimentos por refrigerantes, biscoitos recheados, salgadinhos de pacote, macarrão instantâneo, salsichas, comida congelada, sobremesas industrializadas e uma infinidade de outros alimentos ultraprocessados. Ou da ‘comida de verdade’ por simulacros de comida.

Essas mudanças na alimentação dos brasileiros e o próprio aumento da obesidade são as principais causas da epidemia do diabetes. Nossas estimativas indicam que um quinto do aumento do diabetes nas 27 cidades estudadas pelo sistema Vigitel pode ser explicado simplesmente pelo aumento da obesidade.

Má alimentação, obesidade e diabetes já respondem por cerca de um quarto da carga total de doenças dos brasileiros e oneram de forma crescente e catastrófica o combalido orçamento do SUS.

A evolução desfavorável da alimentação e o aumento epidêmico da obesidade e do diabetes em vários países do mundo levaram as Nações Unidas a declarar o decênio iniciado em 2016 como a Década da Nutrição e a conclamar os governos nacionais para que implementem políticas públicas que informem e eduquem a sociedade e propiciem ambientes que estimulem, apoiem e protejam padrões saudáveis de alimentação.

O Brasil deu um passo importante com o novo Guia Alimentar para a População Brasileira. Este guia, elaborado pelo Ministério da Saúde e elogiado em todo o mundo, recomenda sem tergiversações a “comida de verdade” e deixa claro que não há lugar para alimentos ultraprocessados em uma alimentação saudável.

Outra política brasileira elogiada em todo o mundo é a bem-sucedida integração entre a alimentação escolar e a agricultura familiar. Um passo importante por seu simbolismo foi a recente proibição da comercialização de alimentos ultraprocessados nas dependências do Ministério da Saúde.

Mas para que o Brasil ingresse de vez na Década da Nutrição precisamos copiar políticas implementadas com sucesso por outros países, em particular restringir a publicidade de alimentos não saudáveis, inserir advertências nos rótulos desses alimentos e alinhar a política fiscal com a alimentação saudável.

* Carlos Augusto Monteiro é médico, professor da Faculdade de Saúde Pública da USP e membro do Comitê de Especialistas sobre Dieta e Saúde da Organização Mundial da Saúde. Publicado originalmente no jornal O Globo em 23 de abril de 2017. Acesse aqui a publicação.

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