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Os desafios da Atenção Primária em debate em Brasília

Cerca de 80 pesquisadores, docentes e profissionais participaram da terceira reunião nacional da Rede de Pesquisas em Atenção Primária em Saúde – Rede APS – realizada na sede da Organização Panamericana da Saúde (OPAS/OMS) nos dias 8 e 9 de abril. Nos dois dias de rica e intensa programação, estratégias, ações e caminhos para ampliar as dimensões da Atenção Primária em Saúde (APS) no país, visando qualificar a gestão e potencializar o conhecimento, estiveram em debate em três mesas redondas e nas rodas de conversa entre os pesquisadores e demais participantes.

Na abertura, representantes de organismos internacionais, nacionais e do Ministério da Saúde apontaram seus anseios para o encontro. Em mensagem gravada em vídeo, Heider Pinto, secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES) fez uma saudação desejando ao fórum discutir formas de maximar a construção de parcerias entre gestão e universidades, como as estabelecidas no Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB). “Passados os dois ciclos do PMAQ, temos hoje um conjunto de pesquisadores e grupos de pesquisa com muito mais informações e com uma capacidade cada vez maior de produção de conhecimento para correção e qualificação das políticas em Atenção Básica”.

Luiz Augusto Facchini, coordenador da Rede, destacou os parceiros institucionais que vem se somado ao corpo de pesquisadores e apontou a convergência na área desde os primeiros estudos do Programa de Expansão e Consolidação da Saúde da Família (Proesf), passando pela implementação do PMAQ, do Programa Mais Médicos e atingindo o programa de Mestrado Profissional em consórcio de 33 instituições de ensino e de pesquisa, liderado pela Abrasco e pela Fiocruz. “Se a Rede contribuir seja para a formulação de pesquisas, aplicabilidade de modos mais objetivos, e investir fortemente em Recursos Humanos, suponho que tenhamos feito um trabalho bastante relevante”.

Na sequência, Carlos Silva, secretário-executivo da Abrasco, relacionou os avanços da Atenção Básica ao longo dos cinco anos de existência da Rede, que hoje conta com mais de cinco mil profissionais associados, colocando os espaços da Abrasco, em especial o 11º Abrascão, que será realizado entre os dias 28 de julho a 1º de agosto, como momentos para a formulação de propostas para os fóruns nacionais da saúde. “Essa rede tem papel importante de contribuir e levar considerações à 15ª Conferência Nacional de Saúde.”

O último orador da abertura dos trabalhos foi o representante da instituição no Brasil, Joaquim Molina. “A OPAS se sente comprometida com a Rede APS, devido ao trabalho permanente do nosso organismo e da OMS sobre o tema, e temos a certeza de que as tomadas de decisão políticas são melhores quando acompanhadas por evidências de pesquisas”. Compuseram também os dirigentes Eduardo Alves Melo, diretor do Departamento de Atenção Básica (DAB/SAS/MS) e Felipe Proenço, diretor do Departamento de Planejamento e Regulação da Provisão de Profissionais de Saúde (SGTES), que falaram nas mesas subsequentes.

Desafios do PNAB: Intitulada Pesquisa em APS: Desafios para o SUS, a primeira mesa de debates reuniu Eduardo Alves Melo que, além de dirigente do DAB/MS, é professor assistente do departamento de planejamento em saúde do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal Fluminense (ISC/UFF); Guadalupe Medina, professora do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (ISC/UFBA), e Ana Luiza Viana, professora do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicinal da Universidade de São Paulo (DMP/FM/USP). A coordenação foi de Ligia Giovanella, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz).

Eduardo Alves Melo apresentou os dados mais recentes do Plano Nacional de Atenção Básica (PNAB), demarcando no início da apresentação a visão de Atenção Básica (AB) tratada pelo Ministério, englobando o individual e o coletivo, com diferentes práticas e tecnologias para as diferentes situações em saúde e servindo como orientação da entrada da população para os demais serviços. Atualmente, a AB cobre 72% do território nacional, boa parte pelas 39 mil equipes dedicadas à Estratégia Saúde da Família – ESF (62% de cobertura), no trabalho do cuidado de 120 milhões de cidadãos, atendidos por mais de 40 mil unidades básicas de saúde em 5.460 municípios. Os dados já contemplam o trabalho desenvolvido pelo Programa Mais Médicos até dezembro do ano passado. Já a Estratégia Saúde Bucal – ESB – tem uma cobertura estimada em 39,3% do território nacional, atuando em 5.014 municípios e com 24.279 equipes.

O crescimento de mais de 30% do ESF e de 461% da ESB no intervalo de 2002 a 2014, e o incremento de 105% nos investimentos totais no PNAB de 2010 a 2014 indicam, para o dirigente e pesquisador, o marco das disputas no contexto da AB, tanto na concepção entre modelos; as lógicas de mercado e/ou privadas interessadas; a hiper-especialização dos profissionais; o uso das diversas tecnologias, entre outros fatores. Destacou ainda os avanços alcançados, como as melhorias em cerca de 26 mil Unidades Básicas de Saúde no programa Requalifica UBS nos últimos anos.

Melo apresentou ainda alguns dados preliminares do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB) e abordou os eixos norteadores que vem direcionando as ações do DAB. “Queremos deixar evidente como alguns elementos estão bastante avançados enquanto outros ainda requerem investimentos nossos, principalmente nas questões da qualidade”, ressaltou Melo. Entre os citados, estão a disponibilização e incentivo ao uso de protocolos clínicos; ações de educação permanente, de apoio à gestão da clínica e de desenvolvimento de competências clínicas; ênfase ao aumento da resolubilidade por meio dos instrumentos de aferição, bem como em melhores arranjos das equipes.

+ Confira a apresentação de Eduardo Melo

Realidade entre discurso e prática: Guadalupe Medina iniciou sua participação destacando o olhar dos pesquisadores como agentes sociais que devem apresentar boas questões para serem respondidas pelas gestões e servir de elementos de mobilização para os demais atores políticos. Do primeiro modelo de cuidados em APS proposto pelo médico Bertrand Dawson em 1920, passando pela Declaração de Alma-Ata até a atual estruturação dos serviços no SUS, a professora pontuou aspectos que compõem as visões sobre a APS, entendendo-as para além de meras escolhas de políticas em saúde, mas como uma construção histórica. “A APS é uma construção histórica e social, tem um legado do que isso significa no país, o que não faz ser à toa o que construímos no país”.

Prova disso é o incremento dos estudos acadêmicos sobre o tema, com notável ascensão entre as décadas de 1990 a 2010, período correspondente à implantação da ESF. No mesmo período, ressaltou ela, diversos incentivos foram dados à expansão da rede privada. “Essas são algumas das contradições para trazer e pensar os desafios postos”.

Tais estudos e pesquisas relacionam melhorias dos indicadores de saúde proporcionados pela implantação e ampliação das ações em APS, principalmente, pelo trabalho da ESF, por diversos indicadores de saúde, como a redução da mortalidade infantil em crianças menores de cinco anos; promoção da saúde pré-natal; a redução das internações desnecessárias e a melhoria da qualidade dos dados institucionais, publicadas em importantes periódicos científicos internacionais, como Journal of Epidemiol Community Health (2006); Pedriatrics (2010) e Lancet (2011). Segundo Guadalupe, as melhorias se dão de forma gradiente, ou seja, quanto maior a cobertura e maior tempo de implantação, melhores são os resultados.

No entanto, a professora ressaltou também os problemas encontrados, como a real capacidade da APS como coordenação do acesso ao sistema de saúde; baixa institucionalização de ações de promoção da saúde e de prevenção de doenças crônicas; diferenças regionais; vínculos profissionais precários de médicos, enfermeiros e Agentes Comunitários da Saúde (ACS) e baixa disponibilidade de medicamentos. “Vemos que a Atenção Primária é uma intervenção complexa com forte dependência do contexto local e que não promoveu ainda uma mudança radical nas práticas e no modelo de atenção à saúde”, ressaltou Guadalupe.

Para ela, o discurso da APS no Brasil ainda está muito distante das práticas vivenciadas nos municípios. “Embora possamos reconhecer várias iniciativas e avanços, ainda não foram criadas certas condições de possibilidade para que a APS se configure como centralidade do sistema de saúde”, apresentando, ao final de sua fala, desafios e armadilhas nos planos epidemiológicos, metodológicos, epistemológicos e éticos para se alcançar de fato a plenitude de uma APS que supere a dicotomia entre os modelos promotor da saúde e cuidador de pessoas.

+ Confira a apresentação de Guadalupe Medina

Novas configurações: A última participante da mesa foi Ana Luiza Vianna, que centrou sua reflexão no que definiu como os dois momentos: inicialmente nos primeiros anos da implantação do SUS, marcado pelo par descentralização de ações – APS, a partir da implementação da ESF; e num segundo momento, a partir de 2004, com o trio regionalização – construção de redes – APS.

Para a professora, o atual contexto é mais amplo, com uma gama de condicionantes extremamente articulados entre si. “Dentro desse cenário, é possível a gente definir uma agenda de pesquisas para a APS e apontar o que é prioritário no processo de constituição integrada em saúde”.

Segundo ela, a emergência desse novo arranjo deve-se tanto a fatores epidemiológicos quanto demográficos, políticos e econômicos, deslindados em processos particulares, que articulam uma transição epidemiológica marcada por superposição de etapas e polarizações epidemiológicas intrarregionais e inter-regionais; desenhos demográficos de uma nova composição etária e familiar junto com grandes alterações no mercado de trabalho, marcado pela diversificação econômica, entrada efetiva das mulheres em todos os espaços, extinção e surgimento de novos postos de trabalho e mudança nos padrões de consumo.

Das ferramentas que Ana Luiza propôs e que vê como fundamentais para inquirir o trio conceitual apresentado, ela destaca o cruzamento dos elementos teóricos que compõem os conceitos em APS e Saúde da Família e vê-los de fato nos territórios para, desse cruzamento, ver emergir as novas perguntas para linhas de pesquisas e investigações, e a problematização das políticas em APS dentro do contexto geral das políticas públicas. “A emergência desse novo paradigma e os desafios que ele coloca para a pesquisa, para a efetividade e para a eficiência da APS não podem estar restritos a sua avaliação. É também necessário fazer um esforço de análise das políticas, com diferentes metodologias, e olhar de maneira integrada a regionalização, a construção de redes e a Atenção Primária em Saúde”.

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