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Os desafios do SUS real em tempos de austeridade encerram o segundo dia do Abrascão 2018

Maria Thereza Reis/Abrasco

“Direito à saúde e sistemas públicos universais” foi tema da mesa com as presenças de José Gomes Temporão, pesquisador aposentado da Fiocruz, e de Gastão Wagner, professor da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM/Unicamp) e presidente da Abrasco. A mesa, com coordenação de Nelson Rodrigues dos Santos, professor aposentado da Unicamp, aconteceu na sexta-feira durante o 12º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva – Abrascão 2018.

Na fala “SUS: árdua travessia da construção da universalidade”, Temporão fez um resgate histórico e destacou que a construção do sistema começou bem antes da Constituição Federal de 1988, por meio da luta da população por melhores condições de vida e de saúde, da luta política dos movimentos sociais dos partidos e das instituições como Abrasco e Cebes e da realização da 8ª Conferência Nacional de Saúde, marco da saúde pública brasileira.

“Antes do SUS, os muito ricos tinham acesso, pagando diretamente, e os assalariados com carteira assinada tinham o Inamps, mas a grande maioria da população morria. O SUS mudou drasticamente essa situação”, pontuou.

Temporão destacou que desde o início os obstáculos foram muitos, pois o SUS sempre esteve na contramão do neoliberalismo e a saúde sempre foi vista como gasto e não como investimento, sofrendo oposição sistemática da mídia.

O ex-presidente do Cebes e ex-ministro avaliou que, mesmo com as adversidades, houve ampliação da cobertura, melhoria das condições, avanço nas pesquisas, fortalecimento das instituições de ensino e pesquisa e organização do movimento sanitário e suas entidades. “Avançamos na participação, nos conselhos, conferências, comissões intergestores, no programa de imunização e na política de Aids, em direitos sexuais, transplantes, assistência farmacêutica e vigilâncias e no programa Mais Médicos, por exemplo”. Ele ainda citou outros avanços, como a diminuição dos índices de mortalidade infantil e de tabagismo, a reforma psiquiátrica, o protagonismo de instituições, como a Fiocruz, o Inca, e a política industrial de inovação.

O pesquisador também citou setores onde não houve avanços. “Não conseguimos construir redes integradas humanizadas, há muitas desigualdades entre regiões e classes sociais, há muita hipocrisia, machismo, intolerância e preconceito em relação aos direitos sexuais e reprodutivos, o aborto é uma das maiores causas de mortalidade materna, a violência contra a mulher, a violência que mata os jovens negros da periferia, os acidentes de trânsito”. Temporão também destacou a questão do financiamento, enfatizando que menos da metade do gasto total é público, situação bem diferente de outros países com sistemas universais, como a Inglaterra. Outro ponto por ele destacado  foi a abertura ao capital estrangeiro, elemento facilitador e que reforça a ‘financeirização’ da saúde.

Temporão afirmou ainda que é preciso repensar outras políticas e novos modelos de gestão, extremamente partidarizada e com um excessivo número de cargos de confiança. “Hoje há hegemonia das Organizações Sociais (OS), fragmentação, terceirização e precarização do trabalho. Há monopólio médico sobre as práticas profissionais em saúde, impedindo que outras categorias, como os enfermeiros, pudessem assumir mais atividades”.

Para Temporão , o SUS está numa encruzilhada. Com o corte de recursos do orçamento  pelo governo Temer, a cobertura vacinal diminuiu, as doenças infecto-contagiosas estão retornando, pela primeira vez  em 15 anos a mortalidade infantil cresceu. “O SUS é um projeto potente, parte central do processo civilizatório. Sem o SUS, viveríamos hoje uma situação de barbárie social. A austeridade da saúde não é necessária, ela é criminosa”.

Perspectivas: Coube a Gastão Wagner falar das perspectivas para o SUS, que destacou a importância de aumentar a efetividade política. “Há um conjunto de adversidades que vem se agravando nos últimos tempos. O projeto neoliberal desconstrói sistemas públicos de educação, de saúde, tira direitos trabalhistas, das mulheres, dos indígenas”.

Nos tempos atuais, com a dominância do capital financeiro e depois do golpe parlamentar jurídico-midiático, uma nova perspectiva do capitalismo utiliza tanto Estado como veículos de comunicação para enaltecer o consumismo,  provocando reveses na consolidação do direito à saúde e aos defensores do SUS . Gastão Wagner pontuou que a maioria da população brasileira que vive o SUS cotidianamente – “para o bem e para o mal”, quer o SUS. “Essas pessoas reconhecem o que estão recebendo e sabem que dependem disso, mesmo com as dificuldades, as filas, a fragmentação”.

Ainda que os políticos façam cálculos, setores conservadores percebem a dificuldade em atacar e desconstruir o SUS. Gastão Wagner acredita que é preciso mostrar ao povo como o SUS existe apesar de todas as dificuldades, já que a população tem pouca consciência sanitária. “Nós precisamos ser mais claros, detalhados, mostrar nosso projeto de sistema público universal e os motivos de ter tanta coisa ruim; assumir o que nós não fizemos e explicar como a situação se agravou. O povo, a maior parte das pessoas que utiliza o SUS, está com dificuldade de encontrar um canal de confiança”.

Gastão Wagner salientou que o movimento da Reforma Sanitária Brasileira nunca comoveu o sindicalismo organizado, por exemplo, e que é preciso sair do isolamento. “O que estamos fazendo não está suficiente, temos de recuperar a democracia, fazer alianças com movimentos sociais. Para fortalecer o movimento, temos que ir ao povo”.

Construir canais cotidianos, criar grupos de defesa do SUS em cada território, em cada serviço, em cada universidade são estratégias para o fortalecimento da Reforma sanitária. “Precisamos colocar em prática, vocalizar com a população, com os trabalhadores. Aqui no Abrascão 2018, por exemplo, há muitos jovens. Precisamos trabalhar com eles para denunciar os abusos, não podemos ser tolerantes e deixar para amanhã a crítica que se pode fazer hoje”, afirmou Gastão.

Para o presidente da Abrasco, uma questão importante é o empoderamento, tanto do usuário  como do trabalhador. “No sistema inglês, o NHS (National Health Service), não há conselhos de saúde e nem conferências, mas, no cotidiano, o paciente tem dez vezes mais poder do que no Brasil”. Quanto aos trabalhadores, Gastão Wagner ressaltou a importância do reconhecimento. “Quando perguntado sobre onde trabalha, (o trabalhador) tem que responder: Eu trabalho no SUS!”

Edição: Bruno C. Dias

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