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Os perigos do ‘Corpo Sarado’

Juana Portugal

Nem só de barras de cereais e proteína em gel pode viver quem não dispensa uma dose extra de endorfina e o corpo sarado que os exercícios físicos proporcionam. Mesmo com efeitos colaterais e contrários aos desejados, a maioria dos 310 entrevistados continuou com dietas radicais e/ou com o uso anabolizantes, como mostra o estudo sócio-antropológico Regimes e Práticas de Saúde entre Praticantes de Academias no Rio de Janeiro. O trabalho, realizado pelo pesquisador Cesar Sabino, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), foi apresentado durante o Congresso Mundial de Saúde Pública.

Segundo Sabino, a busca pelo corpo e visual considerados perfeitos pela sociedade não tem limites. “Alguns dos entrevistados continuaram e continuam com práticas prejudiciais. O peso da forma é significativo em nossa cultura. Não há lugar de vencedor ou vitorioso para feios e feias. A aparência, a beleza física é um capital a ser investido na busca do sucesso e da aceitação”, conclui Sabino.

Centrado na questão da saúde de quem malha, o trabalho investigou freqüentadores de academias de musculação e ginástica cariocas durante 54 meses, entre 1998 e 2004. Cesar Sabino entrevistou e fotografou homens e mulheres, de 16 a 58 anos e interpretou as práticas alimentares dos praticantes, situou comportamentos, atitudes e valores subjacentes à “construção social” do corpo e sua relação com a saúde.

Problema de saúde pública

Como resultado da investigação foi constatado que os adeptos do fitness não raro prejudicam sua saúde com dietas, suplementos alimentares e esteróides anabolizantes destinados a manter a forma física, gerando muitas vezes um efeito contrário às intenções e expectativas declaradas. Considerado o número crescente de praticantes de musculação, ginástica e outras atividades físicas, inclusive medicamente recomendadas, concluímos que o estudo de condutas alimentares deste grupo social tende a se tornar um problema de saúde pública.

Confira a seguir a entrevista em que o pesquisador Cesar Sabino comenta as conclusões de suas pesquisas:

Houve relatos de efeitos contrários aos desejados após dietas e o uso de suplementos e/ou anabolizantes?
Cesar Sabino – Sim. É muito comum nas academias ocorrerem desmaios, devido à astenia causada por dietas radicais, além de crises de vômitos. Eu mesmo presenciei vários quadros desse tipo durante trabalho de campo. Em relação aos esteróides anabolizantes, presenciei muitos casos de ginecomastia – que levaram à cirurgia, náuseas, pessoas com problemas hepáticos, inclusive alguns casos de hepatite medicamentosa. Quanto aos suplementos houve a época da Creatina, um suplemento para aumento de massa muscular que agravou problemas renais em cinco conhecidos; também o Ripped Fuel, um suplemento acelerador do metabolismo, utilizado na época para emagrecimento e que causava taquicardias e insônias na maioria dos usuários. Contudo, só tive acesso a essas informações e as presenciei porque minha permanência nas academias foi bastante longa (54 meses). Esse tipo de informação –
e mesmo acontecimento – não é fácil de adquirir e observar em pouco tempo de estadia nas academias ou apenas através de entrevistas com os freqüentadores.

Dietas inadequadas e uso indevido de suplementos e anabolizantes são práticas mais comuns entre os jovens ou também os mais velhos têm esse tipo de comportamento?
Cesar Sabino – As pessoas pesquisadas apresentavam idades que variavam entre 16 e 54 anos. Nesse âmbito houve usuários de todas as idades, porém, os mais jovens estão propensos ao abuso das dietas e dos esteroides, além dos suplementos. Mas algo inusitado tem sido apontado pelas pesquisas da Profa. Madel Luz, do Instituto de Medicina Social da UERJ: determinados grupos de pessoas mais idosas têm elaborado estratégias de atividades e práticas corporais que subvertem a lógica do fitness e do modelo estético vigente nas academias de musculação. E esse processo vem sendo realizado nas próprias academias.

Considerando-se que os frequentadores de academias são, no geral, pessoas de classes socioeconômicas mais favorecidas, e, portanto, com acesso à informação e a educação, como explicar comportamentos, muitas vezes, prejudiciais a saúde?
Cesar Sabino – Em primeiro lugar, existe o que chamamos na Antropologia Cultural ou Social, rituais de construção de identidade e os esteróides anabolizantes, suplementos e dietas são partes integrantes desses rituais. O conhecimento a respeito do perigo no uso das substâncias é fundamental para a própria existência do ritual e, portanto, para própria construção da identidade e do status dos indivíduos no grupo ao qual pertence ou deseja pertencer. Então a maioria dos usuários sabe, de fato, dos riscos – e é justamente o conhecimento do risco que confere “graça” e “sentido” ao processo.

Então, o perigo é algo fundamental para a manutenção da identidade do grupo que está diretamente ligada à aparência?
Cesar Sabino – Sim. Mas, por exemplo, este processo também está presente entre os pixadores que sobem sem qualquer equipamento de segurança dezenas ou centenas de metros, arriscando a vida para colocar no alto de prédios ou monumentos históricos garranchos compreensíveis apenas para eles. O mesmo acontece em relação aos indivíduos que praticam os chamados esportes radicais. Não adiantaria, por exemplo, o governo investir milhões em propaganda de conscientização contra os riscos dos esportes radicais, pois é justamente o risco que confere sentido àquelas práticas. O mesmo caso acontece com o uso de esteroides.

Com base em seus resultados, você tem alguma sugestão do que poderia ser feito para promover melhores práticas de saúde entre a população estudada? 
Cesar Sabino – A sugestão que tenho seria o fortalecimento de políticas públicas consistentes que dessem educação de qualidade com igualdade para todas as camadas da população. Educação não apenas de caráter tecnológico ou um arremedo de humanidades – esta lástima que temos hoje produto do acordo MEC_Usaud -, mas uma educação crítica que permitisse as pessoas compreenderem os mecanismos de dominação simbólica que as envolvem e constituem.

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