Com a decisão do Superior Tribunal de Justiça do último dia 10 de março proibindo a publicidade infantil, alguns se perguntam: os ovos de Páscoa, recheados com brinquedos, vão sair de cena? É venda casada? Como será a Páscoa em 2016? A Abrasco conversou com instituições como o Instituto de defesa do Consumidor (IDEC), com o Movimento Infância Livre de Consumismo (Milc) e ainda com a Rede Brasileira de Infância e Consumo (Rebrinc) para entender a equação: tradição x consumismo x sustentabilidade. Atitudes sustentáveis são os grandes desafios que as famílias vêm enfrentando na formação dos filhos, mas como viver a Páscoa como um bom momento para investir em ações saudáveis e minimizar o estresse das compras, educando para o consumo consciente?
Para Ana Paula Bortoletto, pesquisadora em alimentos do IDEC, vale a pena investir em atividades que podem substituir o consumismo nessa época do ano, como, por exemplo, levar as crianças para cozinha para preparar receitas dessa época ou da família – “Essa é inclusive uma recomendação do guia alimentar para promover hábitos alimentares mais saudáveis e o convívio na família. Além disso, é uma opção que traz economia e reduz a exposição ao marketing agressivo que as crianças são expostas nessa época”.
Ana Paula dá outra dica importante: o tema da campanha do Milc desse ano, comprar chocolate artesanal e não no supermercado – “favorece economia local e evita a publicidade abusiva”. O Milc, o Movimento Infância Livre de Consumismo é formado por mães, pais e cidadãos comprometidos com uma infância livre de comunicação mercadológica dirigida a crianças. Ativo na internet desde 2012, foi fundado pelas mães Débora Regina Magalhães Diniz, Mariana Sá, Silvia Düssel Schiros e Vanessa Anacleto. O Movimento vem pontuando em toda a Páscoa, para seus quase 160 mil seguidores nas redes sociais, o enorme desafio no combate ao assédio mercadológico dos fabricantes de chocolate, com potencial para causar um estresse familiar enorme em torno de um ovo de páscoa comemorativo. – “E por que deixamos a páscoa ser reduzida a apenas um ovo de chocolate ruim, provavelmente produzido com trabalho infantil e/ou escravo, embalado em plástico barato sempre vindo com um brinde duvidoso?” pergunta o Movimento. “O Milc propõe que nesta páscoa resgatemos o que é nosso e dos nossos filhos por direito e possamos viver uma páscoa que deixe marcas mais significativas que brindes baratos no fundo do baú – faça junto com as crianças os ovos ou outros docinhos achocolatados que consumirão e que darão de lembrança. Se o tempo for curto, ou não tiver talento ou vontade de colocar a mão na massa, experimente comprar ovos ou docinhos de chocolateiras e doceiras da sua cidade”.
Para além das propostas sustentáveis, existem os assustadores números revelados pelo Procon, este ano – “Preço de ovos de Páscoa pode variar em até 125,48%; consumidor deve levar em conta preço, qualidade e peso dos produtos”. Segundo a Associação Paulista de Supermercados, os preços dos ovos de Páscoa aumentaram 15% em 2016, se comparado ao ano passado. As principais razões são a alta do dólar, do preço do açúcar, da tarifa de energia elétrica e dos combustíveis. E por conta da crise, o tamanho dos ovos diminuiu, numa tentativa de reduzir o preço.
Se é proibido vender por que as lojas estão cheias ovos com brindes?
Ovos de chocolate com apelo infantil contrariam a Resolução 163 em vigor desde 2014. As pessoas que não conhecem a resolução e toda a discussão que existe acerca da abusividade das práticas mercadológicas direcionadas à criança se surpreendem ao saber da proibição e perguntam: se é proibido vender por que as lojas estão cheias de túneis de ovos desse tipo? Para Mariana Sá, da Rebrinc, eles ainda são comercializados porque não existe denúncia. “Mesmo com a Resolução 163, os cidadãos não costumam procurar o Estado para impedir que este tipo de produto esteja na prateleira. E não procuram, simplesmente, porque falta informação de como e onde denunciar”, comenta. É possível encaminhar denúncias pelo portal do Ministério da Justiça e nos Procons.
Na relação das famílias brasileiras com o consumo, os adultos protegem as crianças que não têm condições de entender a mensagem publicitária e seus interesses. Mas, a cada Páscoa os argumentos ultrapassam os brindes ‘xexelentos’ como diz o Milc, e vemos crescer o consumo numa uma população à mercê das corporações. A Abrasco encontrou na imprensa uma publicidade de marca de chocolate que decidiu “repetir a estratégia de sucesso do ano passado: este ano nosso ovo de 1 kg Sweet Treasure traz ainda um bracelete de prata, desta vez com fecho de coração”. O preço sugerido é de R$ 462. Outra empresa de roupa lançou uma opção mais em conta para o público feminino – por R$ 129 a consumidora que comprar um ovo de 250 gramas leva um nécessaire exclusivo de uma grife de luxo.
Entre os povos da antiguidade, esta época do fim do inverno e o começo da primavera era sempre festejada, por causa da sobrevivência após os meses rigorosos de frio, numa época onde o índice de mortalidade era altíssimo. Entre os judeus, a data marca o êxodo deste povo do Egito, por volta de 1250 a.C, onde foram aprisionados pelos faraós durantes vários anos. Entre os primeiros cristãos, esta data celebrava a ressurreição de Jesus Cristo.
Em comum está, desde sempre, celebrar a esperança por mudanças: um momento perfeito para buscar alternativas sem consumismo e com menos impacto ambiental. Evitar o desperdício de recursos num planeta tão castigado, carrega também um forte peso simbólico. E é assim que a Abrasco deseja uma feliz Páscoa, celebrando a reflexão crítica sobre a publicidade abusiva que estimula o consumo de uma infinidade de produtos e serviços.