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Ágora Abrasco: o SUS como o centro das ações frente à pandemia em painel

Bruno C. Dias

Uma conversa franca e clara sobre os desafios e limites do SUS e o papel do sistema universal como formulador das respostas mais eficazes diante de um cenário que não aparenta estar perto de arrefecer. Assim foi o painel Plano para controle da Covid-19, realizado dentro da programação da primeira semana da Ágora Abrasco, em 8 de abril, e que contou com Maria da Glória Teixeira, (Rede Covida – UFBA, IGM/Fiocruz/Cidacs); Eli Iola Gurgel (FM/UFMG e Abrasco); Gonzalo Vencina (FSP/USP) e Gastão Wagner (FCM/Unicamp). A coordenação foi de Rosana Onocko, vice-presidente da Abrasco, e a moderação de Pedro Martins, da Comunicação Abrasco.

Glória começou citando o slogan que tem sido repetido por Maurício Barreto, importante epidemiologista, abrasquiano e coordenador da Rede Covida, consórcio entre a UFBA, o Instituto Gonçalo Muniz (IGM/Fiocruz) e o Centro de Integração de Dados e Conhecimentos da Saúde (Cidacs): “Façamos um distanciamento físico, mas não abramos mão da coesão social”.

Reforçou como dito por Lígia Bahia que o isolamento vertical não existe, nem cientificamente, muito menos nas atuais condições. “Com a dificuldade que estamos tendo com falsos positivos e negativos nos testes, é impossível nos afastarmos dos nossos idosos. A quarententa tem início, meio e fim, e essas mudanças tem de ser avaliadas dia a dia” diz Gloria. Com larga experiência em vigilância epidemiológica, ressaltou a capilaridade do SUS como um diferencial positivo na resposta brasileira ao coronavirus. No entanto, falta coordenação. “Vemos o SUS dando respostas, e não só no nível federal. Há municípios abrindo leitos, gestores fazendo fluxos. Aqui na Rede Covida construímos uma sugestão de protocolo, com planos diferenciados para profissionais. Vemos diferenças de município para município, estado para estado” disse Glória.

A economista e professora da Faculdade de Medicina da UFMG jogou luz nas movimentações dos economistas arautos do neoliberalismo, e que agora fazem declarações de impacto em prol da ação do Estado diante da epidemia. Essas respostas, no entanto, são esquivas. Da MP 927 que prometia R$ 200 apenas para trabalhadores e informais, transformada na MP 936, que passou para R$ 600, houve semanas até finalmente a criação de formas de acesso da população a esse recurso. “Em duas horas, seis milhões de pessoas candidatas à renda emergencial. Há condicionantes, mas não sabemos quem vai de fato entrar” ressaltou Iola.

Outro meandro destacado pela docente foi o “Orçamento de Guerra”, já votado em dois turnos, na Câmara Federal e vai ao Senado Federal. O mecanismo isola o orçamento federal e cria uma estrutura mais rápida para as demandas para o enfrentamento à Covid-19. No entanto, dá superpoderes ao Banco Central, como fazer investidas no mercado de ações, entre outros apontados pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), o que só favorece ao grande capital.

E mesmo com esse “Orçamento de Guerra”, ela foi taxativa ao falar do financiamento do SUS, já no debate: “Em termos de dinheiro novo para o sistema, ainda não aconteceu. Houve um remanejamento de R$ 5 bilhões para ações emergenciais, e quase R$ 10 bilhões em medida provisória, ainda não sancionada. Esse SUS que se move na pandemia ainda está garroteada pela Emenda Constitucional 95”.

Uma nova normalidade: “Temos de construir um novo normal no país. Temos de querer um país que se cuide, e acho que essa ficha está caindo na sociedade brasileira” começou Gonzalo Vecina, agradecendo o convite da Abrasco. Dos que abordou, ressaltou que, apesar da rapidez brasileira para mapear o genoma; o país tem falhado nos testes moleculares, que tem esbarrado na falta dfe capacidade operacional, de insumos e de investimentos anteriores. “Precisamos aumentar a testagem, pois temos de conhecer melhor o numerador e denominador dessa crise”.

Um dos responsáveis pela criação do Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde (CNES), ferramenta que monitora, entre outras aspectos, o número e a disponibilidade de leitos, Gonzalo ressaltou que a força da burocracia exige o cadastro para a abertura de um serviço, porém não é tão eficaz quando do encerramento. “Não temos 440 mil leitos neste pas.” dispara Vecina.

O especialista que a relação entre leitos de UTI e população é desiquilibrada regionalmente e pelas formas de acesso. “Temos 13 leitos de UTI por 100 mil habitantes, maior do que muitos países. E estou falando só de leitos SUS. Se somarmos com os leitos privados, temos 20,3 leitos por 100 mil habitantes. Só que quem tem cobertura de plano de saúde tem quatro vezes mais chance de conseguir um leito do que um paciente do SUS. Estamos falando de vidas, não se pode ter essa distinção” disse Vecina, defendendo uma fila única regulada pelo Estado e com ressarcimento aos entes privados.

Ao final, ressaltou que somente com uma sociedade menos desigual será possível viver essa nova normalidade contemporânea suscetível a pandemias, que serão mais frequentes. “Darwin já falava da pressão ecológica. Os vírus vão querer continuar a viver, e nós também. Temos de nos preparar, e como se faz? Temos de ter uma sociedade menos desigual, é dessa forma que se enfrentar a pandemia. Devemos querer isso e impor aos governantes”.

Último painelista, Gastão Wagner foi enfático em sua primeira fala. “Essa pandemia tem mostrado o pior e melhor de cada um de nós, dos SUS, e nos obrigando a repensar o trabalho em saúde com um grau de incerteza bastante alto”. O presidente da Abrasco entre 2015 e 2018 ressaltou que a cultura do empreendedorismo violento recebeu um duro golpe, e que nunca foi tanto falado em saúde pública. “O SUS está sendo a principal estratégia para enfrentamento, como uma série de políticas sociais pilotada por uma equipe que está tendo de fazer diferente do que pensa”.

Um dos acertos do Ministério e, em particular do Ministro Mandetta, segundo Gastão, foi tirar o terno e gravata e abraçar o SUS, “algo simbólico”. O erro foi falar no fim do rastreamento e da testagem, e usar o isolamento sem juntar as estratégias. “A OMS tem mostrado que não é uma ou outra estratégia, mas um e outra e mais uma. Não temos vacina nem remédio, então temos de utilizar várias estratégias: testagem, ação dos agentes de Saúde, telefone, telemedicina, todas”.

Gastão endossou a carta encaminhada pela Abrasco e demais entidades ao MS, apresentando alternativas para reorganização do fluxo na Atenção Primária à Saúde. Por fim, apontou que o pensamento nos momentos de crise tem de ser pela redução de danos. “Precisamos reduzir as mortes, reduzir o platô, reduzir as perdas econômicas. O SUS está sendo julgado. Daqui a 15 dias, podem faltar leitos. Temos de ter orgulho do SUS e do que foi feito até agora” finalizou o histórico presidente.

Assista na íntegra o painel Plano de Controle do Covid-19:

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