O primeiros textos que oferecem as bases do que hoje compreendemos como a afirmação histórica dos direitos humanos foram escritos ainda na Antiguidade, a partir das primeiras experiências democráticas da Grécia. Alguns séculos antes do nascimento de Cristo, importantes autores clássicos, como Platão, Aristóteles e Sófocles, já nos brindavam com as primeiras noções de que o ser humano possui uma dignidade intrínseca, que deve ser protegida. Nesses textos, encontramos defesas ainda bastante atuais sobre valores como ética, democracia, liberdade e justiça.
+ Acesse o Especial Abrasco 70 Anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos
Mais modernamente, a Revolução Francesa e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, resgataram de forma inequívoca esses valores, oferecendo bases legais para o fortalecimento dos direitos humanos, em especial os direitos civis e políticos, tais como a ideia de Estado de Direito e de proteção das liberdades, da democracia, da república e da dignidade da pessoa humana. Liberdade, igualdade e fraternidade eram os lemas levados pelos franceses para mundo.
Ao longo dos séculos XIX e XX, além dos direitos civis e políticos, os Estados Modernos foram paulatinamente incorporando em suas constituições a proteção dos chamados direitos econômicos, sociais e culturais, tais como o trabalho, a saúde, a educação e a moradia. O grande norte sempre foi a proteção da dignidade da pessoa humana, e os direitos humanos foram sendo reconhecidos à luz de uma percepção humanista sobre o conjunto de direitos fundamentais que um ser humano deve ter para poder e conseguir viver uma vida digna.
Após a Segunda Guerra Mundial, como resposta às atrocidades cometidas pelos nazistas, a nova governança global, tendo à frente a Organização das Nações Unidas, tratou de consolidar um conjunto importante de documentos internacionais que reafirmavam e universalizavam os direitos humanos. Nesse contexto, destacam-se a Carta das Nações Unidas de 1945, a Constituição da Organização Mundial da Saúde de 1946 e a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, inclusive, já dispunha logo em seu preâmbulo que
o desprezo e o desrespeito pelos direitos da pessoa resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que as pessoas gozem de liberdade de palavra, de crença e liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do homem comum[1]
Embora mantenha a nomenclatura adotada pelos documentos elaborados sob a inspiração iluminista dos séculos XVII e XVIII, a Declaração de 1948 possui características próprias. Dalmo Dallari, com a clareza que lhe é peculiar, bem ressalta que:
O exame dos artigos da declaração revela que eram consagrados três objetivos fundamentais: a certeza dos direitos, exigindo que haja uma fixação prévia e clara dos direitos e deveres, para que os indivíduos possam gozar dos direitos ou sofrer imposições; a segurança dos direitos, impondo uma série de normas tendentes a garantir que, em qualquer circunstância, os direitos fundamentais serão respeitados; a possibilidade dos direitos, exigindo que se procure assegurar a todos os indivíduos os meios necessários à fruição dos direitos, não se permanecendo no formalismo cínico e mentiroso da afirmação de igualdade de direitos onde grande parte do povo vive em condições subumanas[2].
A Declaração inovou ainda ao introduzir elementos que passariam a caracterizar a concepção atual dos direitos humanos, como sua universalidade, indivisibilidade e a interdependência. A partir de seu artigo 23, o documento dispõe sobre os direitos econômicos, sociais e culturais, decorrentes do direito de toda pessoa, como membro de determinada sociedade, à segurança social. Daí advêm os direitos trabalhistas, previdenciários, à saúde, à educação, entre outros.
A Declaração dispõe em seu artigo 25, item 1, que todos têm direito ao repouso e ao lazer, bem como a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos, e serviços sociais indispensáveis, o direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice, ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.
O Brasil assinou a Declaração Universal de Direitos Humanos em 10 dezembro de 1948, data da adoção do documento pela Resolução 217 A (III) da Assembleia Geral das Nações Unidas. Embora possua somente força declaratória, este documento se transformou em uma das maiores fontes dos princípios gerais do Direito Internacional moderno.
Nestes tempos em que esses valores básicos de proteção da dignidade humana voltam a ser questionados, mostra-se fundamental relembrar, reafirmar e perseverar na busca dos direitos defendidos pela Declaração de 1948. A defesa intransigente dos valores expressos neste documento internacional é um dever de todos os que desejam sociedades mais justas, igualitárias e protetoras da dignidade da pessoa humana. Parabéns e longa vida à Declaração Universal dos Direitos Humanos!
*Fernando Aith é professor titular da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP/USP); diretor-geral do Centro de Pesquisas em Direito Sanitário da USP (CEPEDISA/USP) e integrante da Comissão de Política, Planejamento e Gestão em Saúde (CPPGS/Abrasco). Este ano, liderou a criação da Comissão de Direitos Humanos e Ética da Unidade (CDHE/FSP/USP).
Referências:
[1] Declaração dos Direitos Humanos de 1948, preâmbulo
[2] Dalmo de Abreu Dallari, Elementos de Teoria Geral do Estado, 16a ed., São Paulo, Saraiva, 1991, p.179