Como contribuição à Consulta Pública para revisão da PNAB – Política Nacional de Atenção Básica, convocada pela Comissão Intergestores Tripartite – CIT, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva apresenta seu parecer, ressaltando sua manifestação contra a revisão da Política Nacional de Atenção Básica. A Abrasco se manifesta pela manutenção da PNAB 2011 até a conclusão de discussão democrática e aprofundada por gestores, usuários, profissionais, representantes da sociedade civil organizada e todos os interessados no pleno desenvolvimento e aperfeiçoamento dos SUS, e não “a toque de caixa” nesse momento de severa restrição de financiamento das políticas públicas, de grande fragilidade institucional e de continuadas ameaças ao SUS universal, integral, democrático e de qualidade.
Participe, as contribuições serão recebidas pela CIT até segunda-feira, 7 de agosto.
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Sem desconsiderar as oportunidades de aperfeiçoamento das políticas públicas, e de aprofundamento das transformações no modelo assistencial do SUS, e reconhecendo a necessidade de permanentes adequações e ampliações da Atenção Básica para atender a particularidades loco-regionais, territoriais e populacionais que exigem novos recursos para financiar sua implementação, os indiscutíveis avanços promovidos por mais de 20 anos da Estratégia de Saúde da Família como orientadora da expansão e consolidação da Atenção Básica estruturante das redes de serviços, exige que qualquer reformulação seja precedida de analises técnico-científicas consubstanciadas e amplo debate nacional, que em muito ultrapassam o universo dos gestores representados na CIT, para garantir da preservação dos princípios e diretrizes do SUS de universalidade, integralidade, equidade e participação social.
O documento em consulta altera as diretrizes e normas para a organização da atenção básica, para a Estratégia Saúde da Família – ESF e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde – PACS. Nesse sentido, seu conteúdo é crucial para os caminhos da Atenção Primária no país e afeta diretamente gestores, profissionais e usuários do SUS.
Na minuta da nova PNAB divulgada após a reunião da Comissão Intergestores Tripartite – CIT, há alterações profundas referentes à organização e financiamento da Atenção Básica. Institui financiamento específico para quaisquer outros modelos na atenção básica, abrindo a possibilidade de financiar com o Piso de Atenção Básica Variável equipes tradicionais de Atenção Básica. Afeta também o papel dos Agentes Comunitários de Saúde, reduzindo seu número e restringindo sua atuação em áreas reconhecidas como vulneráveis e com risco epidemiológico. Além disso, incorpora a ideia de “ações e serviços essenciais e estratégicos da Atenção Básica”, que induz a focalização e seletividade e afeta diretamente o princípio da integralidade no SUS.
No atual contexto de crise econômica, é ainda mais necessário fortalecer o sistema público de saúde, para evitar que os usuários enfrentem as dificuldades conjunturais sem os riscos financeiros decorrentes de gastos pessoais e familiares com serviços privados de saúde. Além disso, uma Atenção Básica forte não é apenas mais efetiva na garantia dos princípios da universalidade e integralidade, mas também é mais eficiente, contribuindo para reduzir desperdícios no sistema de saúde. O momento é de priorizar e fortalecer a Atenção Básica universal e resolutiva.
Causa imensa preocupação a proposição de uma reformulação da PNAB num momento de ataque aos direitos sociais estabelecidos na Constituição Federal de 1988, e de sítio fiscal imposto com a promulgação da Emenda Constitucional 95 agravará o subfinanciamento crônico do SUS, reduzindo progressivamente seus recursos por 20 anos.
Especificamente, a revisão das diretrizes para a organização da Atenção Básica proposta pelo Ministério da Saúde revoga a prioridade do modelo assistencial da Estratégia Saúde da Família no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).
Os quase 30 anos de implementação do SUS demonstraram que o poder indutor do gestor nacional a través de modalidades de financiamento, regulamentação das transferências federais aos Estados e Municípios, e incentivos econômicos às prioridades programáticas cumpre um papel ainda insubstituível na consolidação da descentralização organizativa da rede de serviços e da garantia do acesso universal da população.
Embora a minuta da PNAB ora em discussão afirme retoricamente a Saúde da Família como estratégia prioritária para expansão e consolidação da Atenção Básica, o texto na prática rompe com sua centralidade na organização do SUS, instituindo financiamento específico para quaisquer outros modelos na atenção básica (para além daquelas populações específicas já definidas na atual PNAB como ribeirinhas, população de rua) que não contemplam a composição de equipes multiprofissionais com a presença de agentes comunitários de saúde. Esta decisão abre a possibilidade de implantar formas organizativas de atenção básica orientadas por princípios de focalização e seletividade opostos aos da Atenção Primária em Saúde estabelecidos em Alma-Ata e adotados no SUS.
O sucesso da expansão da atenção básica no país nos últimos anos e seus efeitos positivos no acesso a serviços de saúde e na saúde da população decorre da continuidade da indução financeira da Estratégia Saúde da Família sustentada ao longo do tempo e reforçada nos últimos três anos com o Programa Mais Médicos. Resultados obtidos e sistematizados pela Rede de Pesquisa em Atenção Primária à Saúde – Rede APS demonstraram sistematicamente e com provas científicas internacionalmente reconhecidas, a superioridade do modelo assistencial da Saúde da Família quando comparado ao modelo tradicional. Sua maior capacidade de efetivação dos atributos da atenção primária integral produz impacto positivo sobre a saúde da população, com redução da mortalidade infantil, doenças cardiológicas e cerebrovasculares e das internações por condições sensíveis à atenção primária. Ao financiar com PAB variável também a atenção básica tradicional, a proposta de reformulação da PNAB ameaça estes sucessos. Além de abolir na prática a prioridade da ESF, em um contexto de retração do financiamento e sem perspectivas de recursos adicionais, é muito plausível estimar que o financiamento destas novas configurações de atenção básica será desviado da Estratégia Saúde da Família.
A esta reformulação somam-se outras questões críticas do financiamento da atenção básica decorrentes do fim dos blocos de financiamento do SUS. Esta decisão penaliza a capacidade de indução do SUS em favor da Saúde da Família e da Atenção Básica, não garantindo sua prioridade pelos governos municipais. Nossa crítica não contradiz a necessária adequação da rede básica de saúde às especificidades loco regionais, que devem ser financiadas mediante um aumento considerável do PAB fixo, cujo valor médio nacional de R$24,00 per capita ao ano é quase irrisório, estando muito defasado frente aos custos de manutenção e desenvolvimento dos serviços necessários para responder às necessidades de saúde da população. Urge majorar o PAB fixo para ampliar capacidades e autonomia das secretarias municipais de saúde, mantendo a prioridade à Saúde da Família.
A reformulação proposta também ameaça a presença do Agente Comunitário de Saúde como integrante e profissional da atenção básica. Com a expansão da Saúde da Família com cobertura de territórios em áreas urbanas de diferentes estratos socioeconômicos faz-se indispensável fortalecer o papel do ACS, redefinindo e qualificando sua intervenção na comunidade como agente de saúde coletiva, elo entre o serviço de saúde e a população. O ACS conhece e reconhece as necessidades populacionais do território e deve ser contemplado com iniciativas de educação permanente que apoiem seu trabalho de promotor da saúde, atuando na mobilização social para enfrentamento dos determinantes sociais e em ações estratégicas frente aos problemas de saúde da população.
Preocupante também é a implantação de modo simplificado, ou reducionista, de uma “relação nacional de ações e serviços essenciais e estratégicos da AB”. A ferramenta pode contribuir para a garantia de padrões essenciais mínimos mais qualificados e uniformes em todas as unidades básicas de saúde do país e mesmo de padrões estratégicos mais avançados de acesso e qualidade.
Entretanto, cabe alertar que este dispositivo também denominado “carteira de serviços” ou “cesta básica de serviços” tem sido utilizado para definir oferta seletiva de procedimentos acoplada à implementação de seguros focalizados, em resposta simplificada às demandas de cobertura universal das agências internacionais. No Brasil, este instrumento poderá comprometer a integralidade da Atenção Básica e do SUS se não houver um compromisso explícito de gestores e profissionais de saúde com oferta ampla e de qualidade das ações, conforme as necessidades de saúde da população.
A Abrasco se manifesta pela manutenção da PNAB 2011 até a conclusão de discussão democrática e aprofundada por gestores, usuários, profissionais, representantes da sociedade civil organizada e todos os interessados no pleno desenvolvimento e aperfeiçoamento dos SUS, e não “a toque de caixa” nesse momento de severa restrição de financiamento das políticas públicas, de grande fragilidade institucional e de continuadas ameaças ao SUS universal, integral, democrático e de qualidade.
Associação Brasileira de Saúde Coletiva
3 de agosto, de 2017