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Paulo Frias: “O principal componente da mortalidade infantil é o neonatal precoce, indicando uma relação estreita com a atenção à gestação, ao parto e ao nascimento”

Ainda sobre mortalidade infantil, a Abrasco ouviu Paulo Germano de Frias, do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira no Grupo de estudos de Avaliação e Gestão em Saúde. Para Frias o aumento da taxa de mortalidade infantil no Brasil foi observado em 20 das 27 unidades da federação e em todas as regiões do país exceto a região sul, enquanto a elevação da taxa pós-neonatal atingiu 24 estados e todas as regiões, não poupando nem a região sul.

A hipótese levantada pelo Ministério da Saúde é plausível e os achados são um alerta em particular por retratarem o ano de 2016 período em que a crise econômica era evidente, mas ainda sem os efeitos explícitos da emenda constitucional 95, que instituiu restrições orçamentárias importantes. A partir do 2º semestre de 2015, quando foi evidenciada a emergência da Infecção pelo Zika vírus, o número de gestações e nascimentos reduziram, mas as taxas de mortalidade neonatal e pós-neonatal aumentaram em especial a última.

A situação requer monitoramento adequado dos nascimentos e mortes infantis e ampliação dos investimentos em políticas sociais que comprovadamente impactem nas condições de vida da população em particular às relacionadas à saúde reprodutiva e à assistência às crianças. Para que o monitoramento da situação seja efetivo é necessário manter os investimentos nos sistemas de informações sobre eventos vitais, em especial nos lugares onde a assistência à saúde é mais precária e em consequência a chance de subenumeração dos óbitos é maior. O Brasil tem uma tradição de pesquisas de busca ativa de óbitos infantis em áreas com precariedade de dados vitais desde os anos 2000, o que possibilitou a melhoria das informações vitais e a detecção de situações como a apontada pelo Ministério da Saúde.

Abrasco –  No período 2000-2010, a Região Nordeste apresentou a maior taxa de redução da mortalidade infantil, de 5,9% ao ano, seguida da Norte (4,2%), o que contribuiu para a diminuição da desigualdade regional. A maior queda nas regiões com pior nível socioeconômico reflete a ampliação da atenção primária em saúde?

Paulo Frias  – A rede de causalidade das mortes infantis é extensa e complexa envolvendo questões relacionadas a renda, acesso a água e esgotamento sanitário, educação, em especial das mulheres e cuidadores, além de serviços de saúde disponíveis em tempo oportuno. As conquistas sociais nos anos 2000 expressa pela transferência de renda por meio do Bolsa família, investimento no acesso a água, em especial em regiões historicamente castigadas pela seca, a exemplo do programa de cisternas na região semiárida nordestina, a ampliação da escolaridade da população e a redução da fecundidade se somaram a ampliação da atenção primária contribuindo para reduzir a desigualdade regional.

Ao programa de Agentes Comunitários de Saúde lançado nos primeiros anos da década de 1990 agregou-se a Estratégia de Saúde da Família, que em 2010 contava com 238.000 agentes comunitários de saúde, 31.000 equipes de saúde da família e 19.000 equipes de saúde bucal distribuídos em todo território nacional. Este contingente de profissionais atuando junto às comunidades mais necessitadas do país, exatamente aquelas que mais poderiam se beneficiar das ações de saúde, pela situação de vulnerabilidade, foram decisivas para a redução expressiva nas desigualdades no perfil de adoecimento e mortes infantis. O enfrentamento da pobreza a partir de políticas públicas compensatórias, mesmo que não tenham mudado substancialmente a estrutura social, foram decisivas na redução das desigualdades regionais.

Abrasco – Qual o papel, na sua opinião, da universalização das imunizações na redução da mortalidade infantil?

Paulo Frias – O Programa Nacional de Imunização (PNI) associado a vigilância epidemiológica contribuíram de forma expressiva na redução da mortalidade e morbidade das doenças imunopreveníveis, nos seus mais de 40 anos de existência ininterruptos. O PNI é um dos pilares da saúde pública brasileira, reconhecido internacionalmente, pela sua abrangência, estrutura organizacional complexa que envolve da produção e aquisição de imunobiológicos a sua distribuição para alcançar públicos diversos de recém-nascidos a idosos em todos os cantos de um país continental. Operacionalizado na extensa rede de atenção básica do país, disponibiliza vacinas do calendário básico enquanto que os Centros de Referência de Imunobilógicos Especiais (CRIE) asseguram outros indicados para situações específicas.

A erradicação da varíola, a interrupção da transmissão da poliomielite são exemplos incontestáveis do êxito do programa. Mesmo o sarampo, que hoje volta a ameaçar a população brasileira, foi recentemente considerado eliminado no país. Para a ampliação do êxito alcançado pelo programa é imprescindível garantir a sustentabilidade e o aperfeiçoamento da estrutura que dá suporte, em especial, a atenção básica.

Abrasco – Permanece o desafio de reduzir a taxa de mortalidade neonatal, sobretudo o componente precoce, o que mostra a importância dos fatores ligados à atenção à gestação, ao parto e ao nascimento?

Paulo Frias – A elevada magnitude da mortalidade neonatal no Brasil está aquém do potencial do país refletindo históricas desigualdades regionais e socioeconômicas, mas sobretudo condições desfavoráveis da atenção à saúde da gestante e do recém-nascido. O principal componente da mortalidade infantil é o neonatal precoce com grande parte acontecendo nas primeiras 24 horas indicando uma relação estreita com a atenção a gestação, ao parto e ao nascimento.

As principais causas de óbitos são a prematuridade, a malformação congênita, a asfixia intra-parto, as infecções perinatais e as relacionadas aos fatores maternos, com uma proporção considerável de mortes preveníveis por ações dos serviços de saúde. Mais de 98% dos partos no Brasil ocorrem em hospitais e mais de 80% assistidos por médicos e mesmo assim os resultados são insatisfatórios quando comparados a outros países. Estudos relatam intensa medicalização do parto e nascimento com manutenção de taxas elevadas de morbi-mortalidade materna e perinatal, possivelmente relacionadas à baixa qualidade da assistência e utilização de práticas obsoletas e iatrogênicas, que podem repercutir sobre os resultados perinatais. O excesso de cesarianas no Brasil é uma das expressões da situação, com mais de 50% dos nascimentos ocorrendo por meio de cirurgias.

Esforços direcionados à humanização e melhoria da qualidade do pré-natal, parto e nascimento têm sido desenvolvidos sem, entretanto, obter amplitude suficiente para impactar de forma mais efetiva nos indicadores de da saúde materna e neonatal. Mais recentemente a instituição do Rede Cegonha vem induzindo práticas e conduzindo a reestruturação da atenção à gestante e ao recém-nascido, com articulação entre as ações do pré-natal na rede básica e a assistência ao parto, no âmbito hospitalar.

Abrasco –  Nos anos 1990, o Programa de Agentes Comunitários de Saúde e a Estratégia da Saúde da Família viabilizaram a interiorização de equipes de saúde da família e a ampliação do acesso aos serviços de Atenção Básica à Saúde, contribuindo expressivamente para o aumento da cobertura da atenção à saúde reprodutiva e infantil. Pesquisas mostraram que, a cada 10% de aumento da cobertura da Estratégia Saúde da Família, havia redução em 4,6% da mortalidade infantil. Os cortes nos investimentos sociais e no Sistema Único de Saúde poderiam ser fatores para o aumento da mortalidade?

Paulo Frias – O Sistema Único de Saúde (SUS) padece de subfinanciamento crônico para cumprir os seus princípios éticos e diretrizes. O avanço do sistema na direção da universalidade, equidade e integralidade passa necessariamente pela sua sustentabilidade. Os cortes orçamentários causados pela emenda constitucional 95 comprometem substancialmente a sustentabilidade da atenção básica, do trabalho das equipes de saúde da família e de todo sistema de saúde. Manter-se funcionando, ampliar sua abrangência e aperfeiçoar sua atuação são condições imprescindíveis para garantia mínima dos direitos sexuais e reprodutivos e assistenciais das mulheres, homens e seus filhos.

Estudo conduzido por Rasella et al (2018) publicado no Plos Medicine sobre microssimulação do impacto do corte de verbas na saúde infantil no Brasil no período de 2017 a 2030, considerando as repercussões dos cortes no Bolsa Família, que beneficia mais de 20% da população brasileira e a Estratégia de Saúde da Família, mais de 60% da população estima que seria possível evitar em torno de 19 mil mortes infantis e 124 mil hospitalizações decorrentes de doenças preveníveis, como diarreia e desnutrição se mantidos os programas no patamar atual.

Abrasco – A Estratégia Saúde da Família (ESF) teve seu início em 1994, quando era denominada Programa Saúde da Família (PSF), inspirado nos princípios da Atenção Primária à Saúde (APS) formulados na Conferência de Alma Ata. Sua criação foi uma etapa importante na consolidação do SUS e está definida como central na Política Nacional de Atenção Básica (PNAB). Muitos estudos têm avaliado os efeitos da ESF sobre a saúde da população brasileira e consistentemente mostrado efeitos positivos. Municípios com alta cobertura de ESF têm maior utilização de serviços de saúde primários e melhorias mais aceleradas nos indicadores de saúde, como: redução da mortalidade infantil (principalmente pós neonatal) e de crianças menores de cinco anos e em especial por algumas causas especificas como diarreias e infecções respiratórias; redução das hospitalizações por causas evitáveis pela atenção primária e redução da mortalidade por causas cardiovasculares e cerebrovasculares. Gostaria de acrescentar outras informações sobre estes indicativos e a nossa atual taxa de mortalidade infantil?

Paulo Frias – Muitos foram os avanços nas condições de vida e de saúde das mulheres e crianças brasileiras nas últimas décadas em especial após a criação do SUS, ainda que insuficientes. Para continuar avançando impõe-se o fortalecimento das políticas públicas intersetoriais que possibilitem não só a redução da morbimortalidade de crianças, mas políticas que favoreçam a redução das desigualdades regionais e entre grupos, privilegiando aquelas em situação de desvantagem e mais vulneráveis, em particular as que permanecem invisíveis, como os indígenas, quilombolas, em situação de rua, entre outras.

Mais que garantir a sobrevivência das crianças, as políticas públicas precisam viabilizar o desenvolvimento pleno de cada uma considerando as suas potencialidades e a diversidade das múltiplas infâncias brasileiras. Caminhos alvissareiros poderiam ser alcançados se o SUS fosse adequadamente financiado e a implementação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (PNAISC) lançada em 2015, fruto de uma construção coletiva de profissionais do SUS dos três âmbitos federados, entidades de classe e sociedade civil fosse efetivada em plenitude com as crianças consideradas sujeitos de direito como preconiza o estatuto da criança e do adolescente.

+ Leia o Especial Abrasco sobre o aumento da mortalidade infantil e mortalidade materna no Brasil

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