Esta semana a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 358/13, pela Câmara dos Deputados, que institui o chamado Orçamento Impositivo, aqueceu o debate entre as entidades do Movimento da Reforma Sanitária. Com a nova regra, o financiamento da Saúde, por parte da União, muda, e será feito de maneira escalonada. A regra atual perante as receitas correntes liquidas é de aproximadamente 14,6%, e com a regra da emenda cai para 13.2%, a redução de verba pode ser entre R$ 7 bilhões e R$ 10 bilhões, em 2015.
Sobre este assunto o pesquisador Sergio Piola – sanitarista, colaborador do Núcleo de Estudos em Saúde Pública da Universidade de Brasília e membro do Conselho Fiscal da Associação Brasileira de Economia da Saúde, escreveu o artigo ‘PEC 358/2013 – a falta que o Gilson de Carvalho nos faz’, publicado nesta quarta-feira dia 11 de fevereiro. Confira o texto na íntegra:
Nesta semana fui convidado a participar de debate sobre a PEC 358/2013 do Orçamento Impositivo, mais precisamente sobre seus artigos 2º e 3º, que tratam da participação federal no financiamento do SUS. Não pude atender ao convite, mas aproveitei a oportunidade para me inteirar um pouco mais sobre a proposta já em fase final de tramitação no Legislativo.
2. A PEC 358, de 13 de novembro de 2013, altera os Arts. 165, 166 e 198 da Constituição Federal. O Art.1º da PEC 358, basicamente, incorpora ao texto Constitucional, mais precisamente ao Art. 166 da CF, um limite de um inteiro e dois décimos (1,2%) da Receita Corrente Líquida (RCL) para a aprovação de emendas individuais dos parlamentares, sendo que a metade desse percentual deve ser destinado a ações e serviços públicos de saúde.
3. Em outro dispositivo do mesmo artigo, torna obrigatória a execução orçamentária e financeira das emendas individuais até o limite correspondente a um inteiro e dois décimos da receita corrente líquida (RCL) realizada no ano anterior. Daí porque é chamada de PEC do Orçamento Impositivo.
4. Mas são os Arts 2º e 3º da PEC, transcritos abaixo, que tocam mais diretamente no financiamento da saúde:
“Art. 2º O disposto no inciso I do § 2º do art. 198 da Constituição Federal será cumprido progressivamente, garantido, no mínimo:
I – treze inteiros e dois décimos por cento da receita corrente líquida no primeiro exercício financeiro subsequente ao da promulgação desta Emenda Constitucional;
II – treze inteiros e sete décimos por cento da receita corrente líquida no segundo exercício financeiro subsequente ao da promulgação desta Emenda Constitucional;
III – quatorze inteiros e um décimo por cento da receita corrente líquida no terceiro exercício financeiro subsequente ao da promulgação desta Emenda Constitucional;
IV – quatorze inteiros e cinco décimos por cento da receita corrente líquida no quarto exercício financeiro subsequente ao da promulgação desta Emenda Constitucional;
V – quinze por cento da receita corrente líquida no quinto exercício financeiro subsequente ao da promulgação desta Emenda Constitucional.
Art. 3º As despesas com ações e serviços públicos de saúde custeados com a parcela da União oriunda da participação no resultado ou da compensação financeira pela exploração de petróleo e gás natural, de que trata o § 1º do art. 20 da Constituição Federal, serão computadas para fins de cumprimento do disposto no inciso I do § 2º do art. 198 da Constituição Federal”.
3. Basicamente, nesta PEC está se trocando a luta das entidades e da população que endossou a proposta de 10% da Receita Corrente Bruta (RCB), pela destinação de 15% da Receita Corrente Líquida, percentual este a ser alcançado ao final de 5 anos. Lembremo-nos que o equivalente a 10% da RCB seria em torno de 18,7% da RCL. Não 15%. Se isso não bastasse, no Art. 3º a PEC determina que os recursos provenientes dos royalties do petróleo, que, pela Lei 12.858 aprovada em 2012, não devem ser incluídos no piso do financiamento federal da saúde, deixem de serem adicionais como prevê a referida Lei. Argumentam que os recursos proveniente dos royalties do petróleo ainda não são significativos, estimados em torno de R$ bilhões. De qualquer forma, irão aumentar e seriam adicionais (extra piso)
4. Na votação, a PEC foi aprovada com destaques para votação em separado (DVS) dos Arts. 2º e 3º. O primeiro destaque foi vencido por ampla maioria: 354 votaram pela manutenção do texto, 30 pela supressão e quatro abstenções. Falta ser votado o segundo destaque que propõe a supressão das alterações propostas ao art. 198 da CF, que trata do financiamento da saúde. A possibilidade é que este destaque também não seja aprovado.
5. Por que deveríamos ser contra as alterações previstas na PEC 358 para o financiamento federal do SUS?
Pode-se elencar algumas razões: (i) em primeiro lugar, porque está se trocando, como dito anteriormente, quase que na “surdina” e com pouca discussão fora do Congresso, uma bandeira de luta que mais de 2,2 milhões de eleitores e de importantes entidades da nossa sociedade civil levaram à Casa Legislativa; (ii) em segundo lugar, porque a alteração agrega muito pouco em termos de recursos novos (com a proposta original do Movimento Saúde + 10, de 10% da RCB estava-se postulando o acumulado de R$ 257,5 bilhões ao final dos 5 anos; com essa proposta serão apenas R$ 64,2 bilhões ao final de 5 anos; (iii) finalmente, porque se está colocando na Constituição uma proposta nitidamente insuficiente e, pior do que isso, tornando difícil qualquer modificação futura (alterações passam a requerer maioria de 3/5).
6. Aos que argumentam que é uma proposta mais realista em função do momento econômico atual e que ótimo é inimigo do bom é bom lembrar que esta proposta está, na verdade, em perfeita sintonia com as sempre negadas medidas de ajuste, que, infelizmente, terão de ser tomadas pelo Governo. Daí a pergunta: bom para quem?
7. Recomeçam a povoar os meios de comunicação posicionamentos em favor da necessidade de contribuição específica para a saúde. Já assistimos esse filme. Parlamentares que tem procurado sustar esta proposta inadequada e inoportuna de alteração no financiamento federal do SUS dizem que não têm encontrado apoio junto às instituições que antes abraçaram a causa do movimento Saúde + 10. Tudo esta, aparentemente, bastante incoerente. Na verdade, se saúde fosse prioridade o piso não teria se transformado em teto das aplicações do Governo Federal no SUS, como ocorreu desde aprovação da EC 29.
8. Menos que uma nota sobre a PEC 358, este texto é mais um desabafo. Gostaria mesmo é de entender porque não estamos nos mobilizando contra estas alterações como foi feito contra a participação do capital estrangeiro na saúde.
Mas ainda há tempo.