A Associação Brasileira de Saúde Coletiva – Abrasco, o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde – Cebes, a Associação Brasileira de Economia da Saúde – ABrES, a Associação Brasileira Rede Unida, e a Sociedade Brasileira de Bioética – SBB se manifestam contra a redução dos impostos sobre os produtos do tabaco reiterando as recomendações aprovadas no Conselho Nacional de Saúde – CNS em 12 de abril de 2019 e se somando às manifestações das entidades civis.
Várias medidas de controle do tabagismo foram implementadas no Brasil nas três últimas décadas, em sua maioria relacionadas à redução da demanda de tabaco. O Brasil encontra-se entre os países que tiveram as maiores quedas de prevalência de fumantes no mundo. No período entre 1990 e 2015, a porcentagem de fumantes diários no país caiu de 29% para 12% entre homens e de 19% para 8% entre mulheres.¹
A reforma na estrutura da política de preços e impostos dos produtos derivados do tabaco mais recente foi a que começou a vigorar plenamente a partir de 2012 e estabeleceu tanto o preço mínimo do maço de cigarro quanto o aumento progressivo nas alíquotas dos impostos incidentes sobre os diferentes tipos de maços de cigarro. Analisando a evolução da queda na proporção de fumantes por grau de escolaridade, percebe-se que a partir de 2011, pela primeira vez na história da epidemia do tabaco no Brasil, a queda na proporção de fumantes entre os grupos sociais menos desprovidos superou a queda observada nos grupos sociais de maior poder aquisitivo, sugerindo ter sido essa uma reforma tributária que conseguiu reduzir a iniquidade na distribuição da população de fumantes (entre 2008 e 2013 a queda entre homens com ensino fundamental incompleto foi de 19% e entre aqueles com ensino fundamental completo ou mais foi de 10%)².
A Portaria do Ministério da Justiça nº 263, de 23 de março de 2019 publicada no Diário Oficial da União em 26/3/2019, propôs instituir um Grupo de Trabalho, no âmbito do Ministério da Justiça e Segurança Pública para “avaliar a conveniência e oportunidade da redução da tributação de cigarros fabricados no Brasil”, como estratégia para ‘diminuir o consumo de cigarros estrangeiros de baixa qualidade, o contrabando e os riscos à saúde dele decorrentes’.
Estudo recente estimou que o custo tabagismo para o país é de quase 57 bilhões de reais por ano³. Desse total, R$ 39,4 bilhões são gastos com despesas médicas e R$ 17,5 bilhões com custos indiretos ligados à perda de produtividade, causada por incapacitação de trabalhadores ou morte prematura. A arrecadação de impostos com a venda de cigarros no país (cigarro responde por 96% dos produtos de tabaco consumidos no Brasil) é de R$ 12,9 bilhões, o que gera um saldo negativo de R$ 44 bilhões por ano. Um saldo negativo ainda maior ocorreria com a adoção da redução da tributação sobre cigarros. Estima-se que até o ano de 2050, o aumento dos impostos sobre o cigarro evitará 4,17 milhões de mortes relacionadas ao tabaco4.
Entendemos que a melhor resposta para coibir o aumento do mercado ilegal de cigarros é a implementação plena do Protocolo para eliminar o mercado ilegal de produtos de tabaco conforme proposto pela Convenção-Quadro Para o Controle do Tabaco associada à ampliação do acesso ao tratamento para deixar de fumar e à intensificação das ações para prevenir a iniciação de crianças e adolescentes nos estados de fronteiras e nas populações de menor renda e escolaridade.
É importante que o Brasil reveja sua política tributária sobre produtos de tabaco não reduzindo o imposto sobre produtos industrializados (IPI) mas, pelo contrário, aumentando este imposto, bem como os preços mínimos dos cigarros, o que certamente reduzirá mais ainda a prevalência de fumantes, sejam consumidores de cigarros vendidos legalmente, sejam consumidores de cigarros ilegais. Com isto, se reduzirá a carga de doenças relacionadas sobre o sistema de saúde e previdência e o grande prejuízo econômico que essa atividade causa para o Brasil.
Incentivamos o fortalecimento das ações de ambientes livres da fumaça de tabaco; a consolidação de advertências sobre os malefícios do tabagismo nas embalagens e publicidade dos maços de cigarros; a conscientização da sociedade sobre o impacto negativo do tabagismo e a restrição à propaganda de produtos de tabaco. Além disso, é fundamental que estas medidas sejam acompanhadas de monitoramento constante.
Por reconhecermos o histórico de sucesso da Política Nacional de Controle do Tabagismo apelamos às autoridades competentes que revejam as medidas propostas, aumentando os preços e tributos do tabaco e eliminando o comércio ilegal de cigarros no país. Enfraquecer esta política significa mais mortes, sofrimentos e custos de saúde para a sociedade.
¹GBD 2015 Tobacco Collaborators. Smoking prevalence and attributable disease burden in 195 countries and territories. The Lancet. 2017;386:1885-1905.
² Szklo AS et al. Smokers in Brazil: who are they? Tob Control. 2016;25:564-70.
³ Estudo Carga de doença atribuível ao uso do tabaco no Brasil e potencial no impacto no aumento de preços por meio de impostos. INCA, 2018.
4 Szklo AS et al. Update and extension of the Brazil SimSmoke model to estimate the health impact of cigarette smoking by pregnant women in Brazil. Cad Saúde Pública. 2017;13(12):e00207416.