O Brasil dispõe de um efetivo sistema de controle ético da pesquisa envolvendo seres humanos, já com 20 anos de existência, que goza de reconhecimento internacional, como atesta a Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura (Unesco), que tem citado o modelo brasileiro como exemplo a ser seguido.
Vinculada ao Conselho Nacional de Saúde, a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), criada em 1996, coordena um sistema que abrange atualmente cerca de 600 Comitês de Ética em Pesquisa (CEP), abrigados em instituições de pesquisa, de ensino e de assistência à saúde.
Pode-se atribuir a eficácia do chamado Sistema CEP-Conep na proteção ao participante de pesquisas, entre outras coisas, ao fato dos comitês de ética não poderem ter mais da metade de seus membros pertencentes a uma mesma área ou disciplina, sendo obrigados a contar com a presença de representantes da comunidade.
Apesar de eficaz, o funcionamento administrativo do Sistema CEP-Conep tem sido criticado. São destacadas as fragilidades operacionais que dificultam, injustificadamente, a realização de investigações científicas com todo o prejuízo que isso pode causar ao avanço do conhecimento e ao desenvolvimento tecnológico.
De um modo geral, esses problemas podem ser atribuídos ao fato do Sistema CEP-Conep não ter acompanhado o crescimento da atividade de pesquisa no Brasil, ao longo do tempo, adequando a sua estrutura técnica e gerencial e investindo na qualificação dos seus membros. Em consequência, os pesquisadores estão sofrendo com a lentidão e a burocracia do processo de revisão ética em vigor no Brasil.
A superação desses problemas é importante e urgente, inclusive porque podem vir a servir de pretexto para iniciativas que, independentemente das intenções de seus autores, acabam por negligenciar a proteção dos participantes de pesquisas.
Objetivamente, o Projeto de Lei do Senado nº 200/2015 representa uma dessas iniciativas. Negligencia a proteção do participante no momento em que: (a) admite o uso do placebo em pesquisas, mesmo quando há alternativa já estabelecida à droga em teste, (b) não assegura o acesso ao tratamento pós-estudo, (c) não impõe intervalos para participação dos sujeitos nos protocolos e (d) permite a constituição de comitês de ética “independentes”, ou seja, não vinculados a instituições de pesquisa, mas apenas registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa, como se a regulação sanitária contemplasse ou pudesse substituir a revisão ética.
Destaque-se, ademais, que o PLS 200/15 limita o controle ético a um grupo restrito de pesquisas clínicas, definidos como aquelas pesquisas destinadas a “avaliar a ação, a segurança e a eficácia de medicamentos, de produtos, de técnicas, de procedimentos e de dispositivos médicos, para fins preventivos, diagnósticos ou terapêuticos”. Em outras palavras, a grande maioria das pesquisas envolvendo seres humanos (inclusive clínicas) não faria parte do sistema de revisão ética.
Vale ainda acrescentar que esse projeto de lei não apresenta nenhuma sugestão de como tornar ágil o processo de avaliação ética, a não ser que se suponha que a “independência” dos CEP significa seu funcionamento sem regras ou a aceitação da existência de evidentes conflitos de interesse (quando, por exemplo, os membros do CEP têm vínculos com o patrocinador da pesquisa).
Ao contrário do PLS 200/2015, o Conselho Nacional de Saúde, a própria Conep e o Ministério da Saúde têm discutido estratégias para superar os problemas de lentidão e rigidez burocrática na apreciação dos protocolos de pesquisa, sem descuidar da proteção aos participantes.
A principal dessas estratégias se refere à descentralização do Sistema CEPConep, com a certificação de alguns CEP, espalhados pelas diversas regiões do país, para apreciar todos os tipos de protocolo de pesquisa com seres humanos, inclusive os considerados de risco elevado.
Essa descentralização tem grande potencial de atender à demanda dos pesquisadores por mais agilidade no funcionamento do Sistema CEP-Conep, sem, com isso, comprometer ou reduzir a proteção dos participantes de pesquisas.
Quanto ao PLS 200/2015, o ideal seria sua retirada ou seu arquivamento. Esse caminho, no entanto, dadas as características o Poder Legislativo, parece inviável. O Conselho Nacional de Saúde e o MS devem, então, intensificar negociações no sentido de buscar um substitutivo que reconheça o Sistema CEP-Conep.
Diante dessa situação, a Abrasco manifesta-se contrária ao PLS 200/2015 e favorável ao fortalecimento do Sistema CEP-Conep, com a descentralização do processo de revisão ética para CEP certificados.
Concretamente, reitera sua disposição de colaborar com o Conselho Nacional de Saúde e a Conep nas discussões acerca da reestruturação do Sistema e se compromete a dialogar com outras entidades científicas, notadamente a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC), sobre os inconvenientes do PLS 200/2015. Ao mesmo tempo, renova seu compromisso de participar dos esforços para atualizar o processo de revisão ética como parte integrante de um sistema de desenvolvimento científico e tecnológico voltado o fortalecimento do SUS.