Com a gestão do Ministério da Saúde literalmente sequestrada pela militarização imposta pelo governo Bolsonaro, ameaçando e desestruturando o seu acúmulo técnico, as principais entidades de saúde pública do país que formam o cerne da nossa inteligência sanitária, lançaram no dia 3 de julho último o mais importante documento político democrático até agora elaborado desde que a pandemia se instalou no Brasil.
Ele foi elaborado pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES), Sociedade Brasileira de Bioética (SBB), Associação Rede Unida e pelo Conselho Nacional de Saúde.
Contou com as contribuições da Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn), Sociedade Brasileira de Virologia (SBV), Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT), Rede de Médicas e Médicos Populares (RMMP) e Associação Brasileira de Médicos pela Democracia (ABMMD).
A importância política central do documento é a de mostrar o caminho de como a sociedade brasileira poderia ter sido, como ela é e como será capaz de vencer a pandemia.
O documento analisa as dezenas de milhares de mortes que poderiam ter sido evitadas – e que ainda poderão ser evitadas – caso o SUS conquiste a posição de autoridade sanitária democrática dos brasileiros, isto é, a referência de coordenação nacional do enfrentamento à covid-19.
Esta importância política e democrática central do documento pode ser pensada em três razões complementares.
Em primeiro lugar, ela desnaturaliza, pela raiz, o genocídio em curso conduzido pelo governo Bolsonaro. Além disso, o documento, entregue às principais autoridades institucionais e às Frentes Brasil Popular e Frente Povo Sem Medo, serve de guia e referência unitária para as atividades hoje profundamente descentralizadas, fragmentadas e desconectadas de combate à pandemia. E, por fim, é um primeiro e grande passo para constituir publicamente uma autoridade sanitária democrática nacional.
Neste tempo de censura, silenciamento e subnotificações, este documento decisivo foi praticamente ignorado pelas grandes empresas neoliberais de comunicação, em ritmo agora de acomodação com o governo Bolsonaro.
Mas ele deve ser abraçado como central e decisivo por todas as forças da esquerda, democráticas e populares, progressistas e humanistas, culturais, científicas e religiosas da sociedade brasileiro como um verdadeiro encontro de auto-defesa.
Concebido como em processo, e aberto ao enriquecimento público, inclusive com as 23 comissões temáticas organizadas na Abrasco dialogando com as múltiplas dimensões sócio-econômicas da pandemia, em seu impacto desigual e diferenciado sobre a população, o documento deve ser compreendido como o núcleo mesmo da inteligência da resistência democrática do povo brasileiro.
Juarez Guimarães é cientista político e da FAFICH/UFMG