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Política de segurança pública e o genocídio da juventude negra em favelas

Cooperação Social da Fiocruz e fotos de Brunna Arakaki

Em um contexto em que a capital do Rio de Janeiro está sob intervenção federal na segurança pública, o 12º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva pautou a Política de segurança pública e o genocídio da juventude negra em favelas sob diferentes olhares em mesas redondas, rodas de conversa, e atividades autônomas de movimentos sociais. Representações do Programa Institucional de Violências e Saúde e Programa Institucional de Álcool, Crack e outras Drogas, e a Cooperação Social da Presidência da Fiocruz participaram desses momentos, junto com pesquisadores, lideranças e organizações comunitárias. Como um dos produtos dos encontros, profissionais, estudantes e organizações da sociedade civil redigiram uma moção contra a guerra às drogas.

Os conflitos armados e sua interferência na rotina da atenção básica à saúde e nas escolas das regiões periféricas das cidades, o impacto na saúde mental de moradores e trabalhadores, a seletividade penal e a baixa efetividade para redução do consumo de entorpecentes da atual política de segurança pública do Estado do Rio de Janeiro e outros estados brasileiros foram alguns dos temas tratados durante a Roda de Conversa “Política de drogas, saúde e violência” que aconteceu na tarde de sábado, 28 de julho, na Tenda Paulo Freire do Abrascão.

Leonardo Bueno, pesquisador da Coordenação de Cooperação Social da Presidência da Fiocruz, que coordena estudo sobre impacto da violência armada nas condições de vida de moradores nas favelas, destacou o posicionamento institucional da Fundação de oposição à política de guerra às drogas em curso nesses territórios, “que adoece, causa sofrimento e morte pras periferias urbanas do nosso país”, lembrando que nas favelas residem 22,03% da população da cidade do Rio de Janeiro, segundo Censo realizado pelo IBGE no ano de 2010.

Os movimentos institucionais feitos pela Fundação para se articular com outras instituições com vistas à transformação do cenário de violações do direito à vida e à saúde nas periferias foi objeto da fala de Francisco Netto, coordenador executivo do Programa Institucional de Álcool, Crack e outras Drogas. “Recentemente nos articulamos com o Movimento Popular de Favelas, Coletivo Papo Reto, Coletivo #Movimentos, ONG Redes da Maré, Observatório de Favelas, trabalhadores da saúde e outros para construção do Fórum Territorial Política de Drogas, Violência e Saúde, que abarca organizações que atuam na Maré, Manguinhos, Jacarezinho e Alemão” explicou.

Na primeira edição do Fórum, em maio deste ano, a presidente da instituição Nísia Trindade, reforçou a importância de articulação permanente com instituições como a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), com o objetivo de buscar uma interlocução governamental, interação com movimentos sociais, Ministério Público, Defensoria Pública e os poderes Legislativo e Judiciário. Além disso, está sendo articulada uma representação ao Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos acerca das violações de direitos nessas operações por organizações comunitárias, movimentos sociais, Sindicato dos Trabalhadores da Fiocruz (Asfoc-SN) e Fiocruz.

Francisco lembrou a operação conjunta feita pelo aparelho repressivo do Estado e as Forças armadas, em junho no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, que levou ao assassinato de Marcos Vinícius da Silva, de 14 anos, baleado a caminho da escola, de seis suspeitos de integrarem o narcotráfico na região, em que uma aeronave foi empregada para efetuar disparos contra civis. “Como uma política de drogas criada com a intenção declarada de proteger a saúde publica, em uma ação bélica, mata um menino com uniforme de escola?”, indignou-se.

Recorte etário, de raça e classe social

A pesquisadora Mayalu Mattos, do Departamento de Estudos sobre Violência e Saúde Jorge Careli – CLAVES/Ensp, chamou atenção para os índices alarmantes de homicídios decorrentes da chamada “guerra às drogas”. Ela, que participa do Programa Institucional de Violências e Saúde da Fiocruz, trouxe dados do Atlas da Violência, divulgado mês passado, e destacou que a principal causa de morte da juventude no Brasil é o homicídio, cujas taxas chegam a 30,3 pessoas por 100 mil habitantes – 30 vezes maiores que a taxa da Europa. Além disso, citou o encarceramento em massa e a falta de critérios objetivos na legislação atual de drogas quanto à distinção entre traficantes e usuários.

“Isso abre brecha para que a definição seja feita por CEP (local de moradia), cor e gênero. Mesmo sendo usuário primário, se for preso sozinho e dependendo de estar na favela ou bairro nobre, a pessoa pode responder por crime de tráfico portando apenas dez gramas de maconha, o que não aconteceria nos bairros da Zona Sul do Rio, onde quase ninguém vai ser preso ou morto em confrontos armados. Não há como deslocar essa política de drogas e de segurança pública da questão do racismo e das desigualdades”, ponderou.

Na ocasião, Rodrigo Nascimento, pesquisador do Observatório de Favelas e da Redes da Maré, anunciou o lançamento do levantamento “Novas configurações das redes criminosas após a implantação das Unidades de Polícia Pacificadoras (UPP’s)”, feito ao longo dos anos de 2017 e 2018, que ocorreu no dia 31 de julho na sede do Observatório, na Maré. Ele destacou o papel da academia e institutos de pesquisa para levantar dados e produzir estudos que instrumentalizem as lutas em torno desses temas.

Rodrigo também problematizou a quantidade de vezes em que as operações policiais implicam no fechamento de escolas de periferias, na suspensão das atividades dos serviços de saúde, e na dinâmica de vida da população. “Existe um processo de adoecimento claro dos moradores, trabalhadores e todos os envolvidos nessa cena da violência armada, com síndrome de pânico, ansiedade, e uma série de agravos de saúde produzidos. Há moradores que não saem de casa há oito anos por conta dos tiroteios”, citou. O pesquisador também aludiu às numerosas licenças médicas que afastam policiais militares do serviço em áreas de UPP em função dos altos níveis de estresse vividos no exercício de suas atividades.

Coordenadora do projeto De Olho na Maré, ligado ao eixo de segurança pública da ONG Redes da Maré, Thais de Jesus é economista, mora e trabalha no complexo de favelas da Maré. Ela apresentou o trabalho da ONG na produção de um boletim sobre segurança pública nas comunidades, publicado anualmente. Segundo Thais, o projeto tem o intuito de monitorar as ações de violências que acontecem no território, sejam por operações policiais, sejam por confrontos armados.

Integrando o mesmo eixo de ações, a ONG desenvolve o Maré de Direitos, que realiza atendimento sociojurídico e recebe denúncias de violação de direitos dos moradores, encaminhando aos órgãos públicos competentes. “Quero destacar que é de fundamental importância participação dos moradores para que a gente possa produzir conhecimento no campo da segurança pública”, enfatizou.

Conselheiro de Saúde na Bahia, Lázaro Ribeiro, defendeu que a questão da violência seja pautada nas políticas públicas de forma intersetorial. “Precisamos provocar as estrutura do Estado para pensar a questão da redução de danos, quanto ao consumo de drogas, e também sermos propositivos no enfrentamento. Querem que acredite que ter um terapeuta na minha comunidade é a solução do problema. Ninguém quer fazer reformas, ninguém quer distribuir renda, o investimento concreto é a bala, que é uma solução mais barata”, argumentou.

O encontro ocorreu três dias após uma tarde de tiroteios nas comunidades de Manguinhos, e 8 dias após o assassinato de um homem na mesma região, durante troca de tiros.

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