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Politização do uso da cloroquina: especialistas e entidades contestam documento do MS

Thereza Reis e Bruno C. Dias

Farmácia em São Paulo, em março. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

A divulgação das orientações do Ministério da Saúde para o uso ampliado dos fármacos cloroquina (CQ) e hidroxicloroquina (HCQ) para pacientes com diagnóstico de Covid-19,  realizada na manhã da quarta-feira, 20 de maio, desencadeou uma série de posicionamentos de entidades da saúde, da medicina e de cientistas, além de matérias na imprensa. Todos são unânimes ao afirmar que a prescrição não pode ser generalizada e não deve ser apresentada como uma saída mágica para a Covid-19.

Substância conhecida e já uitilizada no tratamento da malária e de doenças autoimunes, a CQ e sua forma atenuada, a HCQ, apareceu no cenário das respostas clínicas ao SARS-CoV-2 ainda em fevereiro, na China. Desde o fim de março já havia uma  nota informativa do Ministério da Saúde com recomendação do uso do medicamento para formas graves de Covid-19, além de posicionamento da Fundação Oswaldo Cruz no início de abril que apontava o uso, mas ressaltava a ação como emergencial e condicionada à história pregressa dos pacientes.

Esta semana a indicação do uso foi ampliada para casos leves. A primeira versão do documento não continha nenhuma assinatura, mas o MS voltou atrás e divulgou nesta quinta, 21, versão assinada por secretários do Ministério. No entanto, a decisão da Presidência da República de impor um protoloco de um medicamento já conhecido e devidamente registrado na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), envolve um grande número de inter-relações e consequências.

Em entrevista ao HuffPost Brasil, o pesquisador do Núcleo de Bioética e Ética Aplicada da Universidade Federal do Rio de Janeiro (NUBEA/UFRJ) e vice-presidente da Abrasco Reinaldo Guimarães nomeou como ‘confuso’ o momento atual. “Se tudo estivesse normal, o novo uso de um medicamento que já tem registro tem que ser autorizado pela Anvisa. Implica uma mudança da bula, e essa autorização depende de um dossiê com todos os testes clínicos necessários a estabelecer o nível de segurança e de eficácia. Isso autoriza a comercialização do medicamento no país”, disse o abrasquiano, que criticou a politização do uso do medicamento. “O que a gente vê é essa iniciativa do presidente da República querendo a qualquer custo colocar a cloroquina e já levou à demissão de dois ministros”, concluiu.

O Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) emitiu nota oficial contestando o documento do Ministério da Saúde na prescrição da cloroquina e reafirmando que não há evidências científicas da eficácia do uso do medicamento em pacientes com Covid-19.

Consolidação de evidências: 

Diversos grupos e sociedades já vinham produzindo revisões e consolidando evidências sobre o uso dos fármacos. Assinado por oito cientistas, sendo quatro deles da Academia Nacional de Medicina, documento científico repertoria pesquisas realizadas em todo o planeta e vaticina: não há evidências científicas favoráveis que sustentem o uso da cloroquina (CQ) e da hidrixicloroquina (HCQ) em qualquer dose ou estádio da Covid-19, quer no nível individual quer no de políticas públicas. Pelo contrário, a nota sustenta que há sim evidências de associações desses usos à frequência de eventos adversos graves e com maior letalidade; devendo o uso de CQ/HCQ ser restrito a protocolos de pesquisa aprovados por comitês de ética em pesquisa.

Já a Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) e Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e Sociedade Brasileira de Pneumonia e Tisiologia produziram um documento de diretrizes para o tratamento farmacológico da Covid-19, elaborado por 27 especialistas indicados pelas três sociedades a partir do sistema GRADE para avaliação das evidências e desenvolvimento das recomendações rápidas. Das 11 recomendações expressas, nenhuma traz menção à CQ ou a HCQ.

A Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC) posicionou-se por meio da imprensa. Em entrevista à Folha de São Paulo, Daniel Knupp, presidente da SBMFC demonstrou preocupação com a medida, já que o medicamento, produzido nos últimos tempos pelos laboratórios do Exército, poderá ser distribuído em larga escala. “Haverá pressão da população para o uso desses medicamentos, sendo que o próprio governo está sendo tecnicamente omisso em sua orientação”, afirmou.

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