30 de julho de 2013
Professor titular e chefe do departamento de Prática de Saúde Pública da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP/USP) e membro do GT de Saúde Bucal Coletiva da Abrasco, Paulo Capel avalia interesses coadunados de parte das entidades médicas e de empresas de ensino superior, enfáticos nas críticas ao programa Mais Médicos, do governo federal. O texto foi publicado em 28 de julho na seção Debates & Tendências, do jornal Folha de S.Paulo.
Confira abaixo na íntegra ou acesse aqui no site do jornal
As lutas pelo direito à saúde se encontram em um patamar que requer identificar quais são os entraves a seu exercício.
São insuficientes formulações genéricas em "defesa da saúde". Muitos que não a reconhecem como direito também se dizem em sua "defesa" e muitos que alegam "defender o SUS" veem o sistema público como balcão de negócios.
É nesse contexto que se deve analisar a preocupante queda de braço entre entidades médicas e o governo federal desde o anúncio do programa Mais Médicos, cujo objetivo é, essencialmente, tornar esses profissionais acessíveis à população.
Embora sejam inegáveis as dificuldades para conseguir acesso a médicos, as entidades insistem em que esses profissionais não estão em falta. Cabe interrogar por que chegamos a esse ponto, em que lideranças médicas se recusam a enxergar o que está à vista de todos e como interesses corporativos colidem com os públicos e nos colocam à beira de um conflito institucional grave.
Se, como afirmam lideranças médicas, apenas importar médicos e ampliar a duração dos cursos não contribuirá para resolver o problema, também é certo que não ajuda em nada apenas ser contra o programa e declarar "persona non grata" o ministro da Saúde. Não me parece que o médico Alexandre Padilha seja merecedor de tamanha grosseria, uma vez que está a lidar com um problema estrutural, cuja origem precisa ser elucidada para que se encontrem soluções, superando-se ações emergenciais.
O quadro atual resulta de vários fatores, entre eles a pressão das entidades médicas nas últimas décadas contra a ampliação de vagas. Com menos médicos no mercado de trabalho, maior a remuneração média desses profissionais.
Essa posição sempre teve decidido apoio dos proprietários de cursos médicos privados, cujas mensalidades destoam das de outros cursos, mesmo os da área da saúde.
Interesses da categoria médica vêm se aliando, historicamente, aos propósitos dos que comercializam a formação médica, oferecendo vagas a preços exorbitantes. Ambos, corporativismo médico e comércio da educação, ainda que apareçam emoldurados por falas grandiloquentes, nada têm a ver com os direitos à educação e à saúde e, contrariando o interesse público, fazem refém a sociedade.
Para dar consequência às exigências das frias noites de junho, é preciso abaixar logo a temperatura do conflito entre entidades e governo. E, com urgência, encontrar soluções para que mais brasileiros tenham acesso aos médicos de que necessitam e, concomitantemente, para que mais vagas públicas sejam abertas em cursos médicos.
Será oportuno rever os valores das mensalidades dos cursos privados de medicina. Um bom começo seria fixar limites superiores. Elas poderiam, por exemplo, ser equivalentes às dos cursos de sânscrito ou de língua portuguesa.
Convém também avançar na institucionalização do SUS. Para isso, é indispensável respeitar conselhos e conferências, criar a carreira nacional do SUS e vinculá-la aos cargos de direção dos serviços, fixar o valor do financiamento federal e defender o SUS como instrumento para assegurar um direito social, não para fazer negócios com direitos.