Artigo originalmente publicado no jornal Folha de S. Paulo
Vivemos um tempo estranho, em que o mais elementar dos direitos parece relativizado: o direito à vida. Estamos diante de uma grave emergência em saúde pública, a ponto de termos perdido, em 60 dias, com clara tendência de ampliação, mais de 3.600 vidas em virtude da pandemia do novo coronavírus.
O drama nos hospitais é crescente, com pessoas sofrendo e morrendo diante de profissionais de saúde muitas vezes sem recursos suficientes para fornecer a assistência devida. O Brasil sofre. E enterra seus mortos. Diante disso, qual tem sido a fala do Ministério da Saúde? Plano de retorno à normalidade, planilhas, custos administrados e informações.
Nenhuma palavra que expresse compaixão por doentes ou por quem perdeu seus entes queridos foi ouvida. Precisamos de um Ministério da Saúde que seja capaz de demonstrar, em mensagens à sociedade e em ações concretas, um mínimo de empatia, solidariedade e compaixão.
Agora é o momento de lutar, sem descanso, sem esmorecer diante das imensas dificuldades. De não perder nenhuma vida por falta de meios para salvá-la ou, pior, perdê-la pela indiferença.
Para secretários estaduais de Saúde, cada vida importa. Cada perda representa uma enorme dor. Estamos travando uma luta pela saúde da população. Isso dá sentido à nossa existência e ao nosso trabalho.
Mas estamos num front solitário. Precisamos de ajuda. Estamos trabalhando no limite, em quase todo o território nacional. Não nos falta capacidade de governança, de entender o sistema cuja gestão nos foi confiada por cada um de nossos governadores. Conhecemos o SUS e suas limitações, que não vêm de hoje.
Cada leito de UTI está ocupado, como sempre esteve. Estão lotados não por má gestão, mas porque sempre estiveram em número insuficiente. E a falta cotidiana de leitos representa lista de espera, desassistência, dor e morte. O SUS sofre há anos com o subfinanciamento. Lutamos todo dia, não com a ociosidade e sim, com a carência.
Neste momento, mais que nunca, faltam leitos adicionais, respiradores, monitores, bombas de infusão que foram prometidos e ainda não chegaram. Faltam equipamentos de proteção individual para profissionais que estão na linha de frente, aumentando o risco de contaminação, ameaça às suas próprias vidas e à redução da força de trabalho da assistência. O número de testes também é insuficiente. Muito pouco do que foi anunciado e prometido, de fato, chegou aos estados e municípios.
Esta é a informação e o dado gerencial que nos parece relevante neste momento. Fora disso, resta apenas um discurso e uma prática perversos. Nós, secretários, acreditamos que esses argumentos deveriam ser suficientes para provocar a necessária ação do Ministério da Saúde. Estamos prontos para cooperar, mas é essencial o auxílio a estados e municípios para que possamos dar a atenção a todos que dela necessitam. É o que pedimos. Por favor, mais compaixão.
A vida agradece.
*Alberto Beltrame é presidente do Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde) e secretário da Saúde do Pará. O artigo de opinião foi publicado originalmente no jornal Folha de S. Paulo, em 27 de abril de 2020.