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Por uma metacrítica que transforme o mundo

Bruno C. Dias

Numa civilização da solidão que segue em ritmo acelerado rumo ao colapso, qual é o papel do conhecimento científico? Numa conferência rica em conceitos e imagens, o pensador Jaime Breilh instigou o público do 2º Simpósio Brasileiro de Saúde e Ambiente – 2º Sibsa – a pensar um novo arranjo do conhecimento que junte a produção científica crítica ao capitalismo e o pensamento das comunidades tradicionais no que tem de elementos em comum, sem radicalismos, nem concessões.

O professor equatoriano da Universidad Andina Simon Bolívar iniciou a fala apresentando sua compreensão do processo social. “A sociedade e a natureza vivem em um constante metabolismo, um movimento dinâmico da vida que resulta uma das expressões mais amplas da determinação social, que vincula os seres humanos com a natureza através da produção”, explicou Breilh. No entanto, ele trababalha com uma visão complexa dos processos produtivos, compreendendo como a soma de demais processos de utilização, transformação, distribuição, consumo e excreção. “Não é um movimento meramente econômico, mas também de produção de cultura, de formas organizativas e relações de poder. Não é apenas a materilialidade do capitalismo, mas entrelaça as dimensões naturais, materiais e espirituais dos homens”, frisou.

Essa processualidade, segundo Breilh, pode ser tanto promotora de avanços como mola propulsora de uma economia da morte, como no estágio do capitalismo atual, marcada pela lógica antropocêntrica, separando o ser humano da natureza, numa relação proprietário-mercadoria.

Espiral da morte: Breilh vai além e entende o atual momento do capitalismo como um ciclo espiral de uma economia da morte, marcado por um grau de acumulação nunca antes visto no planeta, que coloca todas as terras do mundo à venda e contratos baixíssimos, como os pagos na Etiópia; que ampliou, ao longo de 80 anos, a diferença salarial entre os próprios trabalhadores da Europa Ocidental e da América do Norte e, principalmente, desses para os latino-americanos e africano; que se vale de agrotóxicos feitos a base de petróleo em plantações de bananas, intoxicando camponeses equatorianos e de outras nacionalidades, entre outros exemplos apresentados.

As principais estratégias nesse processo são as desapropriações e as estratégias de choque de mercado, como teorizadas por David Harvey e Naomi Klein, e as “novas toxidades”, com a larga utilização da nanotecnologia; das biotecnologias genômica e protômica; da geoengenharia; da neurociência, e das novas tecnologias de comunicação e informação com propósitos produtivistas e de maneira insalubre.

A decorrência desses processos, segundo o pensador, é a agudização da subsunção, conceito central dentro da teoria marxista que Breilh desdobra para outras relações, como a subsunção do discurso biológico dentro do contexto social; a subsunção das relações de consumo e, a subsunção cibernética. “Somos a milionésima parte do grande movimento da internet, que constituiu uma nova plataforma de acumulação e circulação e que transforma em lucro nossos afetos, nossas relações de amizade. O fruto disso é a produção de Big Data for ‘money’, numa produção de valor medida em pentabytes”.

América Latina na berlinda: Nesse cenário, os países da América Latina tem se inserido da pior maneira possível. Breilh citou João Pedro Stédile, que defende que o ciclo de ações dos governos progressistas no continente iniciado em 2003 se esgotou em 2008, levando-os a uma postura de administradores do capital em seus territórios. “O Brasil faz um dano duplo, em colocar suas terras à venda para as transnacionais e em agir da mesma forma, comprando terras no exterior”, destacou Breilh.

Para ele, tanto nossa nação quanto o Uruguai e o Equador podem ser avaliados pelo conceito do ‘neoprodutivsmo acelerado com governança’: governos que implementam em suas empresas tanto públicas quanto privadas a convergência de capitais e de tecnologias e que se valem do enriquecimento e/ou esvaziamento financeiro meio de aquisições, desapropriações e processos de acumulação realizados pela estratégia do choque econômico. Mesmo ligados ao interesse dos grandes grupos transnacionais, mantêm processos de regulação e margens limitadas de redistribuição de renda e inclusão social limitada e postam em alianças comerciais alternativas aos tratados e foros dominados pelos Estados Unidos.

Por uma epistemologia metacrítica: Breilh acredita que, numa civilização em crise, a epidemiologia crítica deve ser um conhecimento preocupado com a organização da sociedade da vida – sustentável, soberana, solidária , saudável e biosegura.

Esse exercício, para o pensador equatoriano, não pode restringir os campos do conhecimento que tenham posicionamentos críticos ao modelo vigente. “Precisamos de ideias radicais comprometidas com práticas radicais, que apontem para a necessidade de um projeto histórico de futuro e de mudanças”, frisou, que se oponham às visões reducionistas, positivistas e às ciências do produtivismo – anteriormente produzidas em centros universitários conhecidos pelo espírito libertário e que agora funcionam como grandes centros de produção em prol da aceleração do capitalismo e de processos técnico-burocráticos.

Essa oposição só poderá vir de um arranjo metacrítico, que junte pensamentos indígenas, africanos, de gênero e acadêmicos ao mesmo tempo emancipatórios e contra-hegemônicos, que evitem historicismo econômico e o relativismo cultural, que reconheçam a relação e interdependência entre a materialidade social e a dimensão espiritual e superem as ditaduras totalitárias e liberais. “Para juntar coração e cérebro, é necessário um claro projeto anticapitalista, sem histeria, e que respeite a espiritualidade dos povos. Talvez a teoria da Determinação Social em Saúde seja uma pequena ferramente nesse processo”,encerrou Breilh, lançando um desafio para os atuais e próximas gerações de pensadores.

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