
O exercício de boas práticas editoriais impõe às editorias científicas a responsabilidade ética de publicar textos inéditos, assegurando a originalidade e a integridade acadêmica. O ineditismo refere-se à condição de um trabalho ainda não divulgado e tem promovido a adoção de critérios para coibir a publicação redundante, prática que compromete a credibilidade da ciência.
No entanto, a forma como as equipes editoriais aplicam o critério de ineditismo tem levado à recusa de artigos derivados de teses e dissertações disponíveis em repositórios institucionais, caracterizando-os como autoplágio. Esse tem sido um problema discutido em programas e em fóruns de coordenadores de pós-graduação, sem um questionamento acerca do critério de similaridade adotado pelos periódicos. As repercussões concretas dessa postura demandam urgente reflexão e posicionamento.
Os repositórios foram criados para disponibilizar para a própria instituição e para toda a sociedade a produção intelectual de um determinado órgão. Servem para registrar, preservar e disseminar de forma ampla e em Acesso Aberto essa produção materializada em tipologias documentais variadas. Acrescentar barreiras ao conteúdo integral de teses e dissertações é interferir de forma incoerente e retrógrada em políticas de informação e de memória institucional para a difusão do conhecimento científico; é distanciar-se dos princípios e das ações concretas que defendem que o conhecimento é um bem público, que deve estar disponível para a sociedade.
Logo, é do entendimento da Abrasco, através do Fórum de Editores de Saúde Coletiva, que rejeitar artigos com base em similaridade textual com teses e dissertações disponibilizadas em repositórios institucionais enfraquece a política de Acesso Aberto, além de retardar a divulgação de pesquisas, em grande parte financiadas com recursos públicos, que poderiam contribuir para o enfrentamento de problemas sociais, econômicos e culturais — especialmente em países periféricos.
Frente ao significado social que as políticas de informação e de Acesso Aberto que os repositórios institucionais instrumentalizam, cabe indagar: o que estudantes, professores, pesquisadores, profissionais de informação, gestores e a sociedade, em geral, ganhariam com isso?
A rejeição de artigos derivados de teses e dissertações disponíveis em repositórios contrasta com a dinâmica atual da comunicação científica que estimula a disponibilização dos manuscritos como preprints (versões prévias de artigos divulgadas antes da avaliação por pares) e com a estruturação de teses e dissertações sob a forma de artigos.
Essa postura restritiva impulsiona a busca por periódicos de fluxo acelerado, que não realizam a avaliação da qualidade dos textos por especialistas (pares), — muitos deles predatórios —, e com altos custos financeiros para os autores e instituições. Além disso, a prática de embargar teses e dissertações até a publicação de artigos desconsidera a natureza distinta e as formas de circulação dessas tipologias documentais: um artigo não inviabiliza a circulação de uma dissertação, e vice-versa, nem diminui a sua relevância. Nesse sentido, corrobora-se a convivência da diversidade de documentos e formas de representação descritiva e temática do conhecimento científico.
O nosso compromisso como editores científicos com a transparência e com o acesso público e irrestrito ao conhecimento implicado no depósito de teses e dissertações em repositórios institucionais deve nos levar a compor outras medidas. Os periódicos podem e devem:
- incentivar os autores a declararem as teses e dissertações que deram origem ao artigo, assegurando transparência e facilitando o acesso ao contexto integral da pesquisa;
- adotar critérios de ineditismo reconhecendo que a disponibilidade integral de teses e dissertações em repositórios não anula o valor acadêmico de um artigo derivado;
- e alinhar-se às práticas de ciência aberta e acesso aberto, rejeitando medidas que enfraqueçam os repositórios ou favoreçam modelos excludentes de publicação, como os periódicos predatórios.
Diante desses argumentos, o Fórum de Editores de Saúde Coletiva, posiciona-se contrariamente às práticas editoriais que acarretam barreiras ao depósito de produções acadêmicas em repositórios institucionais, pois elas comprometem a democratização do conhecimento, incentivam periódicos predatórios e contradizem os princípios da ciência aberta. Defendemos que a disseminação livre de teses e de dissertações — longe de ser um obstáculo — é parte essencial das melhores práticas de pesquisa, ensino e impacto social da ciência, bases que fundamentam a comunicação científica.
Por fim, os periódicos associados ao Fórum de Editores de Saúde Coletiva da Abrasco, em consonância com as recomendações apresentadas, comprometem-se a incorporá-las em suas políticas e práticas editoriais.
Rio de Janeiro, 26 de junho de 2025
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